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População
Estimativa do IBGE indicando redução no número de habitantes nas cidades brasileiras causa polêmica
Levantamentos feitos pela ONG Transparência Municipal mostram que existem discrepâncias entre os números das estimativas de população de 2006 e 2008 com a contagem de população de 2007. Ver no Observatório, em "dados municipais", o item população.
16/09/2008
Valor Econômico / ONG Transparência Municipal

Segundo François Bremaeker, consultor da ONG Transparência Municipal, para quem não teria havido redução da população, o suposto erro prejudicou os municípios que tiveram a população tão reduzida a ponto de perder participação nas transferências da União.

Como resultado da contagem de população nos municípios de até 170 mil habitantes em 2007, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) chegou no ano passado a um total de população que indicou redução média de 1,48% no número de habitantes nas cidades brasileiras. Em 2008 não houve censo, mas a nova população estimada pelo órgão e divulgada no início do mês aponta um crescimento médio de 3,05%.

A elevação do número de habitantes em 3,05% no ano seguinte em que se aponta uma redução de 1,48% deu origem a uma polêmica. François Bremaeker, ex-técnico do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam) e consultor da ONG Transparência Municipal, diz que o crescimento médio anual de população nos últimos anos era de 1,4% a 1,3%.

“Tudo indica que não houve a redução de população registrada pelo IBGE de 2006 para 2007”, argumenta. O problema, diz, é que o suposto erro prejudicou os municípios que tiveram a população tão reduzida a ponto de perder participação nas transferências da União.

Ivan Braga Lins, pesquisador da coordenação de população e indicadores sociais do IBGE, explica que o salto de 3,05% na população não se deu exatamente porque a população cresceu nessa magnitude de 2007 para 2008. Depois da contagem de população em 2007, diz, verificou-se que era necessário rever as projeções anteriores de população, que haviam sido feitas com base em critérios como índices de mortalidade e de fecundidade, por exemplo, que não mais permaneciam.

“Para isso, houve uma análise dos censos passados, realizados desde a década de 70, para corrigir as estimativas de número de habitantes”, conta. A correção acumulada das distorções acabou tendo impacto na estimativa de 2007 para 2008, dando origem aos 3,05% de crescimento, explica.

Em relação aos questionamentos de prefeituras que perderam participação no fundo, Lins lembra ainda que o IBGE faz o censo levando em consideração o número efetivo de moradores nas cidades. “Contamos os residentes, o que está totalmente desatrelado do número de eleitores ou de atendimentos da saúde pública ou da freqüência nas escolas”, diz. Ele explica que muitos eleitores não moram onde votam e que a rede de educação ou saúde municipal muitas vezes atende pessoas que não são residentes no local. (MW)

Cidades ‘encolhem’ e perdem verba federal

Em 2006, a paranaense Santa Tereza do Oeste, que fica a 523 quilômetros a oeste de Curitiba e faz limite com o território do Parque Nacional do Iguaçu, tinha 14.181 habitantes, era produtora de grãos e possuía forte atividade pecuária. Um ano depois tudo continuava igual, menos o tamanho da população, que caiu 33,7%, para um total de 9.378 moradores.

A mudança não foi conseqüência de um êxodo repentino ou de alguma tragédia que disseminou mais de um terço da população da cidade no período de um ano. Foi, na verdade, resultado de um censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que no ano passado fez a contagem da população de localidades com até 170 mil habitantes. O levantamento censitário corrigiu supostas distorções na população estimada pelo próprio órgão em períodos anteriores.

O impacto para Santa Tereza do Oeste, porém, não se limitou a uma simples mudança em um de seus dados geográficos oficiais. O número de habitantes é o único critério utilizado para calcular a fatia de cada cidade do interior nos recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), principal transferência obrigatória feita pela União às prefeituras. A população medida em um ano é usada para a distribuição de recursos do fundo no período seguinte.

Com a queda brusca de população de um ano para outro, o coeficiente de participação do município paranaense caiu de 1 em 2007, para 0,6 em 2008. De janeiro a agosto de 2008, Santa Tereza recebeu R$ 2,53 milhões em recursos do fundo. No mesmo período do ano passado, a prefeitura havia recebido R$ 3,62 milhões. A queda nominal de 29,96% chama mais atenção ainda num momento em que o repasse consolidado da União aos municípios tem aumentado. De janeiro até agosto de 2008, o total dessas transferências aumentou 22,9% em termos nominais (ver texto ao lado).

Santa Tereza do Oeste não é o único lugar que está deixando de aproveitar o aumento dos repasses obrigatórios da União. No ano passado, o resultado da contagem de população nos municípios com até 170 mil habitantes surpreendeu o IBGE por indicar um número de habitantes menor do que o esperado. E surpreendeu também, segundo o órgão, um total de 444 municípios espalhados pelo interior do país que apresentaram redução na fatia de recebimento dos repasses da União por conta da queda no número de moradores.

O IBGE não faz o censo com contagem de população todos os anos. Isso é feito a cada cinco ou dez anos. Quando não há contagem, o IBGE solta estimativas de população para cada um dos municípios. As estimativas são baseadas nas tendências apontadas nos censos e são também usadas para definir, a cada ano, a participação nas transferências da União.

O órgão divulgou no início do mês as novas populações estimadas para 2008 e que deverão ser levadas em consideração para o cálculo do repasse do fundo no próximo ano. Dos 444 municípios que perderam fatia em 2008, 148 conseguiram aumentar o coeficiente de participação para o ano que vem. Dois municípios, porém, segundo o IBGE, terão em 2009 nova redução de participação.

Santa Tereza do Oeste é uma das 294 cidades que continuarão em 2009 com o mesmo coeficiente reduzido de 2008. Como o IBGE concede 20 dias para a contestação, as prefeituras ainda podem solicitar um recálculo. A secretária de Finanças do município, Vera Biss, explica que Santa Tereza entrou com recurso na contagem de 2007, mas não teve sucesso. A redução na fatia do fundo faz muita diferença para a cidade, que tem nos recursos da União praticamente metade de seu orçamento total.

“O impacto da redução da participação no FPM é violento para os pequenos municípios , que têm alta dependência das transferências”, diz Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Ele lembra que a redução de população também repercute em outros recursos da União, como os destinados à saúde, cujos critérios de distribuição são baseados em número de habitantes.

Vera explica que a queda provocou em Santa Tereza corte de investimentos e de programas na área de saúde. A prefeitura, que programava entregar 300 casas populares até o fim do ano, cortou o projeto habitacional para 150 moradias. Exames de saúde antes financiados pela prefeitura também foram comprometidos, além de obras na área de educação, como a construção de um centro de ensino integral, diz ela.

Vera contesta a contagem do IBGE. Segundo ela, a cidade tem pelo menos 10,2 mil pessoas, o que permitiria à Santa Tereza sair do menor coeficiente existente, de 0,6, para 0,8. O município, porém, não recuperaria o coeficiente de 1,0, que detinha em 1997. “Vamos entrar com ação judicial sobre o assunto”, diz ela. Antes, porém, explica, a administração procura reunir os dados para comprovar que tem número de habitantes suficiente para elevar a participação nos recursos da União. “Estamos preparando os dados, como a população cadastrada no SUS da cidade”, diz ela, referindo-se ao atendimento de saúde público no município.

Outros municípios prometem acompanhar o movimento de ida ao Judiciário. Valentim Gentil, cidade do extremo norte do interior paulista, deve ser um deles, diz o prefeito, Liberato Rocha Caldeira (PP). A cidade, que na estimativa do IBGE tinha 10.601 habitantes em 2006, ficou na contagem de 2007 com 9.408 moradores, o que fez a participação no fundo cair de 0,8 para 0,6. “Isso é uma irresponsabilidade. Estamos perdendo mensalmente entre R$ 80 mil e R$ 100 mil mensais”, diz. Segundo ele, a receita do município é de R$ 800 mil ao mês. “A contagem do IBGE está errada”, argumenta.

Segundo ele, a prefeitura contratou pesquisa de uma empresa de publicidade de Votuporanga que indica que o município tem 11 mil habitantes. Essa população, diz, pode ser provada com base no número de eleitores e de pessoas atendidas pelo serviço de saúde local. “O IBGE diz que encontrou mais de 400 casas fechadas. Mas as pessoas da casa estavam trabalhando durante o dia. Se tivessem voltado depois, à noite, teriam visto que há moradores lá.” Pela nova estimativa, que valerá para a distribuição dos recursos em 2009, Valentim Gentil continuará com o coeficiente reduzido, de 0,6.

Situada na região de Araraquara, a cidade de Bady Bassitt foi um dos 148 municípios que conseguiram recuperar para 2009 ao menos parte do coeficiente de participação que perderam em 2008. A informação, porém, não deixa completamente satisfeito o prefeito Airton Silva Rego (PSDB). Ele diz que também irá ao Judiciário para recuperar um total de R$ 1,5 milhão que está deixando de receber em 2008 em função da queda de coeficiente de 1,0, no ano passado, para 0,8 neste ano. O orçamento de 2008, informa, previa uma receita de R$ 6,1 milhões em repasses da União. Com a queda na participação, Bady Bassitt terá R$ 4,7 milhões. O orçamento total da prefeitura é de R$ 16 milhões.

Rego diz que, caso a Justiça não lhe garanta o recebimento da diferença pleiteada, o prejuízo às contas da prefeitura irá além do corte de gastos. “Corremos um sério risco de fechar 2008 descumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal”, diz. Segundo ele, as despesas acima do nível de receitas do ano darão um saldo de restos a pagar para 2009. Para o prefeito, a contagem do IBGE foi na “contramão da realidade”.

“A população do município não está diminuindo. Na verdade, é crescente. Temos atualmente seis loteamentos em construção e não há mais espaços vazios a serem ocupados na cidade”, conta o prefeito. Ele diz que a prefeitura de Bady Bassitt chegou a ser reconhecida pela confederação dos municípios por seu alto índice de responsabilidade fiscal e social. “No ano passado investimos na saúde 40% a mais do que o gasto obrigatório. Este ano teremos redução de 25% nos investimentos, principalmente na área social.”

Fonte: Jornal Valor Econômico / Por Por Marta Watanabe