Segundo o secretário extraordinário de reformas econômico-fiscais do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, a reforma tributária pode ser votada após o segundo turno das eleições municipais. A afirmação se deu durante o “Seminário Tributação e Competitividade – O impacto dos custos tributários na eficiência econômica”, ocorrido no último dia 6 de outubro. O evento foi promovido pela Confederação Nacional de Serviços (CNS) em parceria com a Escola de Direito da FGV-SP.
A linha mestra do projeto do governo é a unificação de tributos. Prevê-se a transformação do PIS, da Cofins, da Cide e do Salário-Educação em um IVA federal e também do Imposto de Renda das empresas e da CSLL em um imposto só. Outro ponto a se destacar é o ICMS com legislação única para substituir as atuais 27.
A reforma tributária que o governo deseja tem um lado positivo porque simplifica um pouco o sistema. Felizmente esse é um conceito que está sendo bem assimilado pela sociedade em geral. Essa simplificação decorreria da centralização da legislação do ICMS no âmbito federal e pela transformação de seis tributos em apenas dois, um imposto único sobre o valor agregado (IVA-F) e outro sobre a renda das empresas, o que poderia resultar em economias operacionais e administrativas importantes para a União.
Se por um lado a proposta do governo simplifica, por outro ela deixa a desejar sob o ponto de vista da universalização, do combate à sonegação e da redução da carga de impostos. O sistema permaneceria predominantemente declaratório e a base de incidência continuaria reduzida.
A unificação dos quatro tributos federais sobre o valor agregado criaria para o governo central um grande imposto cujo fato gerador seria em grande parte coincidente com a base do ICMS (a única exceção são os serviços que serão tributados pelo novo IVA-F, e não pelo ICMS, com algumas exceções). O fato gerador desses dois impostos sofreria tributação estadual e federal, cujas alíquotas devem ser somadas para caracterizar a carga tributária total. Com certeza seria superior a 20-22%, o que estimularia a evasão e a sonegação.
A proposta do governo tem outros problemas a serem destacados. O projeto não abrange importantes tributos, há carência de dados para apurar seu impacto e gera incertezas. Alguns aspectos gerais para os quais chamo a atenção são:
1 – A reforma é parcial, uma vez que não trata de tributos como o IRPF, o IPI e os impostos municipais e se constitui num quebra-galho quanto à indispensável desoneração da folha de pagamento.
2 – Não há indicações quantitativas sobre os impactos das medidas, nem sobre alíquotas, bases e formas de cálculo.
3 – Altera critérios de partilha fiscal. Como ponto positivo inclui novos tributos federais nos mecanismos de divisão da arrecadação. Por outro lado, torna difícil a apuração para saber se estados e municípios vão receber mais ou menos recursos;
4 – Desconstitucionaliza critérios de partilha do ICMS. Isso prejudicaria as capitais e os grandes municípios brasileiros.
5 – Critérios de partilha incertos. Os métodos de “enforcement” não estão claramente definidos principalmente porque os repasses não serão de cima para baixo (União para estados e municípios). As transferências serão laterais (entre estados). Não se sabe quanto vai custar a estrutura de fiscalização, quem irá fiscalizar nem se os mecanismos de punição de estados que não repassarem o ICMS serão eficazes.
6 – Incertezas dos impactos do ICMS no destino. As compensações pelo Fundo de Equalização são incertas e subjetivas, não dando garantias seguras aos estados perdedores.
7 – Nota fiscal eletrônica. É uma medida ingênua e de difícil execução já que gera custos para sua instalação e não considera que a informalidade é quase uma regra no Brasil. Será uma ameaça para os estados na medida em que sua não-implementação fará com que eles não participem do Fundo de Equalização. Se o governo acha que ela resolve o problema da sonegação, é bom lembrar que basta tirar o aparelho da tomada que a operação não será registrada.
8 – Abertura para a multiplicação de alíquotas. Os especialistas em IVA consideram ideal a existência de apenas uma alíquota, ou no máximo duas ou três.
O balanço que se faz da reforma tributária que o governo pretende levar adiante é que os aspectos negativos se sobressaem sobre os benefícios da simplificação. Se ela for implementada, o tema voltará à baila porque o sistema continuará caro e desigual, gerando anomalias que comprometem a competitividade do País e que castigam o contribuinte.
Por MARCOS CINTRA – Professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas