As receitas disponíveis dos municípios vêm batendo recordes sucessivos – em 2007, totalizaram R$ 217 bilhões, 16,2% mais do que as de 2006 -, mas a imensa maioria deles não sobreviveria sem o apoio financeiro da União e dos Estados. “Em 81% das cidades, o Fundo de Participação dos Municípios é a principal fonte de receita”, disse ao Estado o geógrafo e economista François Bremaeker, consultor da ONG Transparência Municipal e autor de dois estudos sobre as finanças municipais.
No ano passado, os municípios absorveram 17,06% das receitas correntes disponíveis nas três esferas de governo (a União ficou com 54,63% e os Estados, com 28,31%). É uma fatia maior do que a que lhes coube em 2006, de 16,97%, que, por sua vez, foi maior do que a de 2005, de 16,38%. Esse crescimento não resultou da atuação mais eficiente do sistema arrecadador das prefeituras, mas da melhora da arrecadação de tributos estaduais e federais dos quais as prefeituras recebem uma parcela.
A grande maioria das prefeituras não cobra impostos adequadamente. Em mais de 70% dos 5.562 municípios, a cobrança de impostos e taxas tipicamente municipais – como o IPTU, o ISS, o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) – não responde nem por 5% da receita orçamentária total, observou Bremaeker no estudo As receitas tributárias municipais em 2007. Ou seja, sem as transferências obrigatórias e voluntárias da União e dos Estados, essas prefeituras não teriam condições de operar.
Em outro estudo de Bremaeker, As finanças municipais em 2007, constata-se que, nas regiões mais desenvolvidas, as máquinas arrecadadoras das prefeituras são mais eficientes. A Região Sudeste, por exemplo, que abriga 30% dos municípios e 42,9% da população do País, concentra 50,8% de toda a receita orçamentária do conjunto de municípios brasileiros, formada por transferências e receitas próprias. Como as transferências federais e estaduais se distribuem de acordo com a população, a maior arrecadação, no Sudeste, se deve à maior capacidade das prefeituras da região de obter receitas próprias.
Das receitas tributárias próprias arrecadadas por todos os municípios brasileiros, os da Região Sudeste foram responsáveis por mais de dois terços (ou 67,9% do total). O Nordeste, onde estão 32,2% dos municípios e 28,4% da população brasileira, respondeu por apenas 10,7% da arrecadação de tributos municipais em 2007.
Os dois estudos mostram que há uma relação direta entre arrecadação de tributos municipais, a população do município e seu nível de desenvolvimento. Quanto menor a população e menos desenvolvido o município, menor é a fatia das receitas próprias nas receitas orçamentárias totais.
Nos municípios com população de até 2 mil habitantes, as receitas próprias corresponderam a apenas 1,9% das receitas totais de suas prefeituras em 2007 (nos dois únicos municípios com mais de 5 milhões de habitantes, São Paulo e Rio de Janeiro, a participação foi de praticamente 40%). A desigualdade decorrente do maior ou menor desenvolvimento da região pode ser constatada na arrecadação municipal per capita: para cada R$ 1 arrecadado por habitante no Nordeste, o Sudeste arrecadou R$ 1,47 em 2007. “O problema é a pobreza, a má distribuição de renda”, na interpretação de Bremaeker.
Mas isso é só parte dos problemas municipais. O mais grave é a irresponsabilidade com que se criaram municípios, sem levar em conta sua capacidade de manter-se financeiramente. A maior parte dos quase 1.300 municípios criados depois da promulgação da Constituição de 1988 não consegue obter receita própria suficiente, e por isso depende das transferências de recursos. Em geral, a criação desses municípios atendeu a interesses de políticos locais e seus aliados, com vistas à criação de funções e cargos públicos. Em mais de 1.600 municípios, pelo menos um quarto do orçamento é consumido pela máquina administrativa (salários de prefeito e vereadores e funcionalismo). A situação pode piorar, pois tramitam em 24 Assembléias Legislativas projetos para a criação de mais de 800 municípios.
Autor: Wilson Tosta