Por Maílson da Nóbrega
O tema fiscal tem ganhado proeminência. Ressurgiram definições estapafúrdias do gasto público, percepção de inevitável aumento da carga tributária e propostas para uma nova âncora fiscal. Coube a Lula reviver o equívoco de que gasto em educação e saúde é investimento (portanto, não deve se sujeitar a limites). É como se um rótulo pudesse mudar a natureza da despesa. Se mal financiada, não importa seu objetivo, ela impactará o endividamento e pode colocar em risco a solvência do Tesouro.
Economistas defenderam ideias sem atentar para as características do sistema tributário e para a delicada situação fiscal. No caso da carga tributária, fala-se em elevar o Imposto de Renda (IR) via tributação de dividendos e/ou eliminação de privilégios como o abatimento de despesas de educação e saúde. Não se considera, todavia, que 49,25% (50% em 2025) dessa receita vai para Estados e municípios e fundos regionais de desenvolvimento. No Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), os Estados recebem mais 10% para compensar supostas perdas de receitas nas exportações. Até 1974, transferia-se apenas 10% de ambos os impostos.
O grande salto aconteceu na Constituição. As transferências do IR aumentaram de 30%, em 1985, para 47%, em 1988, o que reduziu drasticamente o poder arrecadatório do tributo para a União. Depois, os municípios conseguiram aprovar quatro emendas constitucionais acrescentando três pontos porcentuais à sua parte. Assim, na escolha do IR para aumento da carga tributária, será preciso cobrar o dobro. Metade irá para fundos regionais e governos subnacionais, cujo valor pode transformar-se em aumento de salários de servidores públicos, piorando a alocação dos recursos.
Poder-se-ia recorrer a contribuições sociais, que pertencem inteiramente à União. Evitar-se-ia cobrar o dobro, mas suas características podem desaconselhar a escolha. Boa parte delas é cumulativa (em cascata), tem legislação confusa, gera elevados custos de transação e conformidade, e somente uma parcela pode ser desonerada nas exportações. Os produtos brasileiros, já penalizados por esquisitices, perderiam mais competitividade interna e externa. Com o aumento de distorções, o potencial de crescimento econômico cairia.
Quanto ao ajuste fiscal, defende-se a redução ou a eliminação de incentivos fiscais – que representarão 4,3% do produto interno bruto (PIB) no ano que vem – e/ou corte de gastos. A primeira dificuldade estaria em incluir o Simples Nacional, que representa 19,4% da renúncia tributária da União. A força política em prol desse distorcivo regime tem poder para abater a proposta de saída. Já os cortes de gastos teriam por objetivo mudar o resultado primário de 2023, de um déficit previsto pelo governo em 0,6% do PIB para um superávit de 2% do PIB, o mínimo necessário para estabilizar a relação dívida/PIB.
Na contramão dessa necessidade de ajuste, caso o gasto adicional de R$ 175 bilhões seja aprovado (+1,6% do PIB), o esforço fiscal terá de ser de 4,3% do PIB. Ocorre que a margem de gastos discricionários no Orçamento para 2023, mesmo que seja uma peça irrealista, é de apenas R$ 99 bilhões, ou 0,9% do PIB. Desse modo, propostas de ajuste fiscal por meio desses dois caminhos dificilmente poderiam se materializar.
Na verdade, chegou a hora de discutir a melhor saída, qual seja, a redução dos gastos obrigatórios, que representam atualmente 93% das despesas primárias da União. O País não será viável se a União contar com apenas 7% (ou menos, em breve) para conduzir políticas públicas em favor do crescimento econômico e da redução da pobreza e das desigualdades. Embora seja uma boa saída, ela pode não ser politicamente factível.
De fato, os gastos obrigatórios compreendem cinco grupos: pessoal, previdência, saúde, educação e programas sociais de transferência de renda. Os dois últimos seguem um método equivocado de definir prioridades, qual seja, o da vinculação de impostos a despesas, o que contribui para desperdícios e ineficiências. Na educação, a discussão tende a ser ainda mais complexa, porque a corporação do setor convenceu a sociedade de que o ensino só melhora com elevação dos gastos. Por isso, o Brasil despende atualmente 6,3% do PIB em educação, em termos proporcionais mais do que os países da OCDE (5,8%), com lamentáveis níveis de qualidade. Agora se defende uma nova ideia, qual seja, a de equiparar o gasto per capita ao dos países ricos. Se tomarmos como base os EUA, cuja renda per capita é nove vezes a brasileira, gastaríamos 56,7% do PIB em educação, quando a carga tributária alcança hoje 32% do PIB.
Em resumo, não há saída simples nem fácil. O grande desafio do novo governo será não apenas criar uma âncora fiscal crível, que contenha uma regra de controle de gastos, mas também demonstrar liderança e capacidade política para mobilizar a sociedade brasileira e o sistema político em favor da diminuição dos gastos obrigatórios, ainda que em prazo longo e com trajetória preestabelecida. Mais uma vez, não será simples nem fácil.