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Finanças Públicas
Arcabouço fiscal é responsável, mas não reduz endividamento, diz Maílson
Para o ex-ministro da Fazenda, é preciso alterar a regra dos gastos obrigatórios, excessivamente altos no Brasil
24/05/2023
Diário do Comércio da Associação Comercial de São Paulo

Silvia Pimentel

O ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega disse que o arcabouço fiscal desenhado pelo governo é melhor do que o esperado, mas não resolverá o drama fiscal vivido pelo país. No máximo, vai retardar o ingresso do Brasil numa crise econômica sem precedentes. Para Maílson é preciso discutir com toda a sociedade o volume excessivo dos gastos obrigatórios e desmistificar a ideia de que quanto maior o gasto, maior a qualidade dos serviços públicos.

“Sem resolver a questão do nó que é o gasto público, não haverá saída para o Brasil”, afirmou Maílson durante palestra realizada pelo Caeft (Conselho de Altos Estudos de Finanças e Tributação), da ACSP (Associação Comercial de São Paulo).

De acordo com ele, se nada for feito nesse sentido, a dívida do setor público poderá ultrapassar 90% do PIB entre 2027 e 2028, o que é insustentável. A média nos países emergentes é 60%. “Hoje, os gastos com educação no Brasil, que é o terceiro maior em cobertura social, consomem 6,3% do PIB (Produto Interno Bruto), enquanto que nos países mais ricos essa proporção é de 5,8%”, comparou.

Por determinação da Constituição Federal, exemplificou o ex-ministro, os municípios hoje são obrigados a destinar 25% dos impostos à educação, que apresenta índices lastimáveis em termos de qualidade. “A vinculação de impostos a despesas que começou na área de educação e se estendeu para a saúde é uma forma primitiva de estabelecer prioridades e castra o papel do Congresso de definir os valores a serem destinados”, disse.

Maílson também tem dúvidas sobre as metas de superávit primário estabelecidas pelo governo com base em várias iniciativas com vistas a aumentar a arrecadação, como a eliminação dos gastos tributários. Para o economista, os valores estimados pelo governo são otimistas demais.

“A Zona Franca de Manaus e o Simples Nacional, por exemplo, são duas grandes fontes de gastos tributários e acho pouco provável que o governo consiga emplacar mudanças significativas”, previu, ao criticar que, no Brasil, historicamente, esses gastos são permitidos sem uma avaliação posterior.

Na visão do ex-ministro da Fazenda, as pequenas e médias empresas merecem um tratamento especial, mas é preciso rever as formas de proteger o setor e debater as regras do regime tributário do Simples Nacional, que é cumulativo. “A tributação por meio de um IVA (Imposto sobre Valor Agregado), embora seja mais complexa, é uma inovação, que elimina a cumulatividade e aumenta a eficiência das empresas”, explicou.

DECISÕES

Para o tributarista Fernando Scaff, que é professor de Direito Financeiro da USP e um dos integrantes do Caeft, o governo não deverá encontrar dificuldades para aprovar o arcabouço fiscal. O problema está na obtenção de receitas, estimada em R$ 150 bilhões, para fazer o “arcabouço girar”.

Entre os caminhos possíveis para aumentar a arrecadação, na visão do tributarista, estão a aprovação da reforma tributária, em discussão avançada no Congresso, e a revisão de renúncias de receitas.

Durante a reunião do Caeft, Scaff citou o julgamento recente do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que definiu que os incentivos fiscais do ICMS, como isenção, redução de alíquota ou base de cálculo, devem ser tributados pelo IRPJ e CSLL. E também a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), envolvendo “a coisa julgada”.

O tributarista lembrou que houve um empenho pessoal do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no julgado do STJ e estima-se a entrada de milhões de reais para os cofres públicos com as duas decisões, o que ele considera pouco provável.

“Novos embates tributários estão no horizonte com objetivo de aumentar a arrecadação, mas certamente não chegam perto dos R$ 150 bilhões esperados pelo governo”, concluiu.