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Reforma Tributária
Qual é o modelo da PEC 45? O IVA ideal ou o IVA real?
O imposto sobre a indústria é alto porque a carga tributária brasileira é muito elevada, não porque os impostos sobre serviços são baixos. Além do mais, a maioria dos países da OCDE são estados unitários, não tendo, portanto, os problemas federativos que o Brasil apresenta.
26/05/2023
Diário do Comércio da Associação Comercial de São Paulo

Marcel Solimeo

O IVA IDEAL, conforme os manuais, possui alíquota única, não em isenções, incentivos ou exceções, o que simplifica sua burocracia e estabelece igualdade entre o consumo de bens e serviços.

Esse parece ser o modelo adotado pela PEC 45/19. Argumentam que esse é o sistema que funciona muito bem na grande maioria dos países da OCDE.

Assim, ao invés da análise e discussão dos problemas, para, a partir das conclusões, elaborar uma proposta, começamos de um projeto pré-fabricado, a PEC 45/19, e estamos há mais de três anos discutindo como encaixar a realidade no projeto.

Por mais que o texto da PEC tenha sido elaborado por técnicos competentes, e seja bem articulado, ele reflete uma determinada visão do problema, que precisaria ser debatida, não apenas a partir de seus conceitos, como dos impactos sobre os diversos setores e a economia como um todo.

O IVA REAL DA OCDE

A maioria dos países da OCDE são estados unitários, não tendo, portanto, os problemas federativos que o Brasil apresenta.

O que é estranho no debate é que a realidade atual na maioria dos países da OCDE é a existência de alíquotas múltiplas, incentivos fiscais e modalidades diversas de cobrança, inclusive, em alguns deles, a incidência sobre o lucro bruto, para mercadorias usadas. Essas informações estão detalhadas no relatório da OCDE de 2022.

Embora o relatório reconheça as vantagens da alíquota única, são as múltiplas que predominam. Existem alguns países cujas alíquotas, no entanto, são muito inferiores à média das demais nações do Bloco, como exemplo do Canadá, com 5%, da Suíça, com 7,7%, da Austrália, Japão e Coréia, com 10%.

Com alíquotas nesses níveis, acredito que nenhum setor estaria discutindo a questão da alíquota única, e a PEC seria tranquilamente aprovada. Com uma alíquota prevista de 25%, superior à da média dos países da OCDE, de 19,2%, a situação é diferente.

O próprio relatório, após destacar as vantagens da alíquota única, explica que objetivos políticos, como o de promoção da equidade, justificam taxas diferenciadas, ou isenções, para bens e serviços que constituem uma parcela maior do consumo das famílias de menor rendimento, como água, alimentos e combustíveis, saúde, educação, habitação e suprimentos médicos, além de “bens de mérito” (culturais) ou para promover atividades de mão de obra intensiva (como o turismo). Ressalta que “os obstáculos políticos para essa opção” (manter a alíquota única) “são formidáveis e muitas vezes intransponíveis.”

Talvez esses obstáculos decorram do fato de que a premissa de que “rico consome serviços e pobres compram produtos” não seja correta. Assim, justificar, a partir dessa premissa, transferir parte da carga tributária da indústria para os serviços é equivocada. Existe uma larga faixa da população, a classe média, cujo extrato superior pode ter padrão de consumo como o dos “ricos”, mas seu extrato inferior, muito mais amplo, não se enquadra nesse caso, e a faixa do meio não se enquadra nem com uma, nem com outra categoria.

O imposto sobre a indústria é alto porque a carga tributária brasileira é muito elevada, não porque os impostos sobre serviços são baixos. Se for para aumentar tributação dos serviços, deveria ser para fortalecer a autonomia dos municípios, sendo que, hoje, a grande maioria depende de transferência para sobreviver.

Além do mais, se incluirmos os encargos trabalhistas, que incidem em cascata, no cálculo da tributação indireta, seguramente mudaria o panorama de muitos setores.

Deixando de lado os problemas operacionais e a complexidade do período de transição, parece claro que a opção pelo IVA IDEAL da proposta da PEC 45 não se lastreia na experiência da maioria dos países da OCDE e, por isso, precisa ser revista.

Além disso, a ideia do “cashback” é uma visão descolada da realidade. Não isentar os produtos essenciais para que os “ricos” não gozem da isenção, como se isso fosse alterar a concentração de renda no Brasil, parece irrealista. Também, os aspectos práticos e operacionais de sua implementação no imenso território nacional são totalmente inviáveis, na medida em que, fora das grandes cidades, predominam no comércio de alimentos o pequeno estabelecimento.

Os consumidores das regiões mais pobres seriam os maiores prejudicados com a não isenção. Além de ser contraditório com o objetivo de simplificar, o aumento do preço dos produtos básicos vai “alimentar” a inflação e, pelos mecanismos formais ou informais da correção monetária, impactar outros produtos ou serviços consumidos por todos.

Por fim, discutir alíquotas ou sistemas diferenciados para alguns setores, como já vem sendo admitido, não dá nenhuma garantia de que, na aprovação da Lei Complementar, tudo sairá como o combinado. Além disso, na sistemática da proposta da PEC 45, a redução da alíquota para um setor implicará na elevação da alíquota dos demais.

Seria preferível discutir o Projeto de Lei Complementar e depois efetuar eventuais mudanças no texto constitucional que se fizerem necessárias, para evitar que a mudança apressada da Constituição crie obstáculos intransponíveis para a regulamentação da reforma tributária.