Especialistas defenderam nesta quinta-feira (1º) o aperfeiçoamento do projeto de lei que trata da responsabilidade educacional na garantia de oferta e de padrão de qualidade na educação básica pública.
Durante debate interativo remoto na Comissão de Educação (CE), os estudiosos criticaram algumas regras contidas no PL 88/2023, especialmente aquelas relacionadas à bonificação de professores e as consequências desse mecanismo, além da previsão de punição aos profissionais de educação, entre outras medidas
O projeto de lei vem sendo discutido em um ciclo de audiências públicas, solicitado pela senadora Teresa Leitão (PT-PE) e pelo senador Flávio Arns (PSB-PR), que é o autor da proposição e preside a CE.
A Lei de Responsabilidade Educacional prevê que a qualidade e a oferta do ensino básico público serão medidas e acompanhadas, entre outros, por indicadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Também determina que a má gestão poderá ser punida civilmente, inclusive como crime de responsabilidade no caso de prefeitos e de governadores.
Durante o debate, a senadora Teresa reconheceu que a questão da responsabilidade educacional é complexa. Ela ressaltou ainda que a dinâmica da educação vai se tornando mais desafiadora, o que sugere a discussão de novas propostas.
— A bonificação, apesar de ser coletiva, criou situações esdrúxulas. Artificializa demais o processo educacional e os vínculos que a lei enseja, principalmente com o Plano Nacional de Educação — afirmou.
Responsabilidade compartilhada
A coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, defendeu a elaboração de mecanismos de implementação da legislação de forma geral, mas sem a produção de normas legais “que gerem processos de perseguição, punição ou de apontar grandes culpados numa cruzada contra gestores, professores e profissionais da educação”. Propôs que a responsabilidade educacional seja compartilhada, em obediência ao artigo 208 da Constituição e seus dispositivos, com a participação ativa dos demais setores da sociedade.
— Isso precisa ser olhado com maior cuidado. A gente tem necessidade de colaboração supletiva com os entes federados. Isso precisa ser tido em conta. Existem vários níveis de responsabilidade, e justamente por isso é muito complexa a responsabilidade educacional. Ela não acontece de forma linear e dentro de uma caixinha— alertou.
Andressa disse ainda que não há como cobrar responsabilidade pontual sem a existência de condições para que o direito à educação seja garantido e a responsabilidade possa ser executada.
— Isso diz respeito às condições para o trabalho educacional a ser feito, a falta de formação, de carreira, de infraestrutura nas instituições educacionais, que têm sido ameaçadas por aspectos não só da falta de regulamentação do Fundeb [ Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica] para sua plena implementação, mas pelo arcabouço fiscal, que pressiona o financiamento da educação e vai impedir que as condições sejam garantidas para cobrar alguma responsabilidade. [O projeto de lei] vai ter que ser modificado, não aconselhamos que seja votado às pressas para amadurecermos outros aspectos da legislação e chegarmos a uma discussão de forma mais azeitada— afirmou.
Padrão de qualidade
O professor titular aposentado da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e diretor de Pesquisa e Avaliação do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), Romualdo Luiz Portela de Oliveira, avaliou que a responsabilização educacional e a oferta de padrão de qualidade deveriam ser tratadas separadamente, e não no bojo de um único projeto de lei.
— Os temas não estão tratados de modo equilibrado. Existem problemas entre as condicionantes e os indicadores previstos no projeto. É saudável um prazo de validade da lei, até termos um amadurecimento suficiente para constitucionalizá-lo, a exemplo do Fundeb, para fugir da idealização que não sobrevive ao teste da prática. O padrão de oferta é regido pela lógica da igualdade. É justo que busquemos o padrão de oferta educacional que seja igual ou o menos desigual possível. A mistura de condicionantes com indicadores cria um problemão para a regulamentação, que eu acho que é o buraco desse projeto — avaliou.
Oliveira defendeu também o detalhamento de recursos, que incluiria elementos de resultados e de processos, como forma de avançar para além da questão que envolve insumos e resultados.
— Temos já um dispositivo na Constituição, o artigo 208, que usamos pouco. Temos que distinguir a responsabilidade do Estado da responsabilização do gestor, que ocorre por omissão, crime administrativo, e cuja sanção é sobre o indivíduo. Mas temos que ter também a sanção sobre a administração pública geral com caráter reparatório do gasto que não foi feito nos exercícios seguintes. Só é possível avançar no debate se garantirmos condições mínimas para todos. Os equívocos têm que ser retirados [do projeto de lei]. As bonificações de professores não produzem efeitos equalizadores e aumentam a desigualdade. As medidas de bônus são extremamente complexas, não conseguem controlar a diferença dos alunos — afirmou.
Responsabilidade do gestor
Embora tenha ressaltado que o Plano Nacional de Educação (PNE) previa que até 2015 o Brasil já contasse com uma Lei de Responsabilidade Educacional, o diretor de Políticas Públicas do Movimento Todos Pela Educação, Gabriel Barreto Correa, disse que a questão da responsabilidade do gestor não avança porque os projetos que tratam do tema apresentam uma série de indicadores não bem definidos e que fogem à responsabilidade daquele profissional.
— O risco de judicialização excessiva é muito perigoso. Isso não significa que o tema não deva avançar. O projeto de lei não necessariamente deveria incidir sobre crimes de responsabilidade de gestores públicos. Os parâmetros precisam ainda ser definidos sobre o que é o Caq (custo aluno qualidade), a questão da bonificação, a evolução dos indicadores de aprendizagem. A aderência de práticas de responsabilidade e os planos de ação são meritórios, têm que avançar nesse sentido, com metas de visibilidade, de transparência, de indicadores de acesso e permanência já existentes, mas sem a ideia de punição dos profissionais de educação, mas de acompanhamento, de monitoramento e de apoio à rede de ensino, que é preciso melhorar— concluiu.