Estudo mostra que, em 50 anos, investimento em infraestrutura e serviços urbanos caiu de 27,41% para 9,89%
Rodrigo Carro e Rafael Rosas
Do Rio
(Valor Econômico / primeira página)
Nos últimos 50 anos, a composição das despesas dos municípios teve uma mudança significativa. Enquanto a fatia dos gastos com a construção e manutenção de infraestrutura e com serviços urbanos caiu de 27,41% em 1972 para 9,89% em 2022, os recursos destinados a saúde e educação e cultura tiveram um salto expressivo, impulsionados por emendas à Constituição que estabeleceram percentuais mínimos de aplicação para essas áreas. Se em 1972 a saúde respondia por 5,67% das despesas, cinco décadas depois o percentual estava em 25,49%. No caso dos gastos com educação e cultura, a participação pulou de 14,82% para 26,76% segundo o Observatório de Informações Municipais (OIM).
“Com a Constituição de 1988, os municípios passaram a ser entes federativos em condições de igualdade com os Estados e a União. Aumentaram muito as atribuições das prefeituras, mas os recursos, não”, diz Sérgio Magalhães, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “A concentração dos recursos na mão do governo federal é brutal.” Com a expansão destas despesas, educação e saúde responderam juntas por pouco mais da metade dos gastos das prefeituras brasileiras em 2022. Bem abaixo estavam as funções que representam a administração (9,93%) e o urbanismo (9,89%), diz François Bremaeker, gestor do OIM.
Arthur Aguillar, diretor de políticas públicas do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps), ressalta que a principal mudança na área em relação à década de 1970 vem com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e as normas administrativas implementadas a partir de então, que aumentaram as obrigações das prefeituras. Olavo Nogueira Filho, diretor-executivo do Todos pela Educação, pondera que o país ainda está, na maioria dos municípios, longe de um cenário de excesso de gastos em educação. Até 2020, cerca de 40% dos municípios estavam em situação de “subfinanciamento crítico”. (ver continuação da matéria na Página A6)
Em 50 anos, educação e saúde concentram gastos de municípios
Estudo mostra que despesas das prefeituras com infraestrutura e serviços urbanos caíram de 27,41% para 9,89% entre 1972 e 2022
Nos últimos 50 anos, as despesas dos municípios brasileiros com a construção e a manutenção de infraestrutura e com serviços urbanos caíram, em termos relativos, para quase um terço – passaram de 27,41% da despesa total das prefeituras, em 1972, para 9,89% no ano passado. No mesmo período, impulsionadas por emendas à Constituição que estabeleceram percentuais mínimos de aplicação, as participações da saúde e da educação e cultura no bolo total das despesas municipais aumentaram expressivamente, conforme indica levantamento do Observatório de Informações Municipais (OIM). Especialistas ligados aos segmentos de saúde e educação afirmam que esse crescimento relativo das despesas foi fruto do aumento das obrigações legais dos municípios em relação aos dois setores.
Se em 1972 a saúde respondia por 5,67% das despesas municipais, cinco décadas depois este percentual estava em 25,49%. No caso dos gastos com educação e cultura, a participação quase dobrou. Subiu de 14,82% para 26,76%. “Com a Constituição [Federal] de 1988, os municípios passaram a ser entes federativos em condições de igualdade com os Estados e a União. Aumentaram muito as atribuições das prefeituras, mas os recursos, não”, diz o arquiteto Sérgio Magalhães, professor do programa de pós-graduação em urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “A concentração dos recursos na mão do governo federal é brutal.”
Com expansão em termos relativos desses gastos, educação e saúde responderam, juntas, por pouco mais da metade das despesas das prefeituras brasileiras em 2022. Em um patamar bem abaixo estavam as funções que representam a administração (9,93%) e o urbanismo (9,89%), informa o geógrafo e economista François Bremaeker, gestor do OIM.
No estudo, Bremaeker diz que a Emenda à Constituição nº 24, de 1983, já estabelecia para os municípios a aplicação mínima de 25% da arrecadação resultante de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino. Cinco anos depois, em 1988, a constituição determinou desembolso mínimo de 25% da receita de impostos e das transferências constitucionais para a educação.
No caso da saúde, a destinação de no mínimo 15% da renda de impostos e transferências constitucionais para financiamento de ações e serviços públicos de saúde foi estabelecida pela Emenda à Constituição nº 29/2000.
“Essa obrigação engessa de certa forma o orçamento municipal e limita o gasto discricionário, no qual está incluído o investimento”, sustenta Kleber Castro, assessor econômico da Frente Nacional de Prefeitos (FNP). O aumento das atribuições municipais, argumenta Castro, se refletiu na contratação de mais servidores pelas prefeituras, a ponto de os municípios superarem os Estados em número total de funcionários. “Até a década de 1980 eram os Estados que detinham a maior parte do funcionalismo”, esclarece Castro.
Arthur Aguillar, diretor de políticas públicas do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps), ressalta que a principal mudança na saúde frente à década de 1970 vem com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e as normas administrativas implementadas a partir de então, que aumentaram as obrigações das prefeituras: “O município é responsável por prover os serviços de atenção primária e vigilância epidemiológica, que são os postos de saúde e as unidades básicas de saúde, que talvez sejam alguns dos serviços mais fundamentais e complexos de operar do SUS”, diz Aguillar. E prossegue: “A cobertura de saúde da família é de cerca de dois terços da população. Mas a cobertura de atenção primária nos anos 70 e 80 era pífia e a ação do Estado era muito mais baseada em ações de saúde pública e nos hospitais, mas não tinha rede tão estrategicamente montada como tem hoje. Os serviços a que a população passou a ter acesso se ampliaram muito também”.
Na visão de Sérgio Magalhães, ao absorverem as outras responsabilidades – principalmente nas áreas de saúde e educação –, as prefeituras se viram incapazes de atender a demanda por outros serviços básicos gerada por uma “urbanização explosiva” do país. Entre 1940 e 2010, a população urbana do Brasil cresceu 15 vezes, enquanto o total de habitantes no país quadruplicou, compara o arquiteto.
Nesse intervalo de 70 anos, a quantidade de domicílios urbanos aumentou 30 vezes. “Não basta dizer que o município precisa investir tantos por cento em saúde”, questiona o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Se não tem água potável, coleta de esgoto […], o poder público vai precisar gastar mais em remédios, consultas.”
Em termos relativos, a maior queda no percentual de gastos em urbanismo – de 37,41% para 9,46% do total de despesas municipais – se deu entre as cidades com população entre 1 milhão e 5 milhões de habitantes, aponta o OIM. A redução também foi expressiva (23,34 pontos percentuais) entre os municípios entre 500 mil e 1 milhão de habitantes.
“As médias e as grandes cidades de regiões metropolitanas são as que têm sofrido mais pressão por serviços em áreas como saúde e transporte público”, diz Castro, da FNP. A pressão está relacionada não só à expansão populacional, mas também à demanda que vem de municípios menores, vizinhos ou até distantes dos grandes centros. “É muito comum ter municípios gastando 25% e até 30% da receita líquida de impostos na saúde.”
Com a evolução da medicina, os procedimentos nesta área ficaram mais sofisticados e caros ao longo dos anos, o que implicou uma concentração, argumenta Magalhães. “Se antes os pacientes [com mais recursos e casos mais complexos] iam para a capital do Estado, hoje vão para São Paulo.”
Olavo Nogueira Filho, diretor-executivo do Todos pela Educação, pondera que o país ainda está, na maioria dos municípios, longe de um cenário de excesso de gastos em educação. Até 2020, aproximadamente 40%¨dos municípios brasileiros estavam em situação de “subfinanciamento crítico”, ou seja, abaixo de um patamar de gastos em que mesmo a gestão mais eficiente não consegue produzir resultados satisfatórios. A boa notícia, segundo ele, é que, com a aprovação do novo Fundeb em 2020 e a expectativa é que esse cenário de subfinanciamento crítico seja “praticamente resolvido”.
Mas Nogueira Filho ressalta que o tema do financiamento educacional segue crítico, uma vez que a média de investimento por aluno/ano na educação básica no Brasil está em aproximadamente R$ 7 mil, pouco mais de R$ 580 por mês, um terço da média per capita da OCDE. “Não dá para dizer que, no geral, temos concentração excessiva de gastos na educação.”