Notícias

Economia
Reunião com Haddad, Mantega, Galípolo e Mercadante convenceu Lula de déficit zero
Presidente estava propenso a afrouxar meta fiscal, mas foi dissuadido após encontro
21/11/2023
Valor Econômico

Por Fabio Murakawa e Renan Truffi

 

Uma reunião no Palácio da Alvorada na semana retrasada foi decisiva para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se convencer a não alterar a meta de déficit primário prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e no arcabouço fiscal, segundo apurou o Valor junto a fontes do governo.

O encontro foi organizado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que perdia a queda de braço para o chefe da Casa Civil, Rui Costa, e vinha tratando do tema diretamente como Lula para convencê-lo a não manter o objetivo de déficit zero.

Segundo apurou o Valor, Haddad combinou com Lula, a pedido do próprio presidente, uma reunião com economistas de confiança dele e do presidente para conversar sobre o assunto. Ele levou para a residência oficial o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, e o diretor de Política Monetária do Banco Central, Galípolo, ex-secretário-executivo de Haddad. O encontro aconteceu no último dia 7 de novembro, terça-feira.

O objetivo de Haddad àquela altura era tentar neutralizar as ofensivas de Rui Costa de afrouxar a meta de déficit para 0,5% do PIB. De acordo com relatos, todos os presentes defenderam a manutenção do déficit zero. Até mesmo os “heterodoxos” Mantega e Mercadante endossaram a tese de Haddad, com argumentos políticos e econômicos.

Entre as alegações dos presentes, estiveram sinalizações ao mercado, a credibilidade da política fiscal e a barganha a que o Planalto seria submetido para partilhar parte do dinheiro disponibilizado por uma meta mais frouxa em um momento tão precoce da discussão orçamentária.

O quarteto alegou, por exemplo, que ainda não havia clareza sobre o impacto da mudança na tramitação das medidas de arrecadação no Congresso – um dos pilares do arcabouço engendrado pela equipe da Fazenda.

O episódio expôs o racha entre os dois ministérios mais importantes: Casa Civil e Fazenda

No Planalto, a sensação era, e ainda é, a de que seria negativo para o governo abrir um debate dessa magnitude no momento em que Haddad luta para aprovar medidas arrecadatórias e fim de subvenções no parlamento.

Além disso, há o temor, na articulação política de que o “balcão” dos parlamentares para aprovar a mudança na meta fique “incontrolável”, uma vez que a discussão sobre o orçamento está apenas começando e pode se estender até meados do ano que vem. O desejo do governo, em especial do ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), responsável pela articulação política, sempre foi o de que esse debate, se acontecer, ocorra no menor intervalo de tempo possível.

“Se o presidente Lula envia ao Congresso ajuste na meta que libere R$ 80 bilhões, vai ter que pedir R$ 120 bilhões, porque o Congresso vai pedir R$ 40 bilhões para ele”, exemplificou uma fonte.

Do ponto de vista econômico, há uma questão “ritualística”: seria ruim para o governo transparecer que a alteração da meta foi aprovada a despeito do ministro da Fazenda. É importante, nesse sentido, mostrar que há hegemonia da equipe econômica nesse tema.

Outra questão é o tamanho do déficit no ano que vem, que permanece incerto por conta do fato de que as medidas arrecadatórias ainda não foram todas aprovadas e de fatores de incerteza, como o preço do petróleo em 2024.

Também contou a favor dos interlocutores do presidente o fato de o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ser defensor do déficit zero. Outro aliado de Haddad nesse ponto foi o advogado-geral da União, Jorge Messias.

Em conversas no Planalto, ele mostrou ao presidente que o atual marco fiscal já autoriza um aumento de despesa real de 0,6% do PIB no ano que vem. Por esse raciocínio, não existe possibilidade de haver um corte tão grande quanto Lula temia.

Isso serviu contra o argumento da Casa Civil que o governo teria que fazer um contingenciamento de R$ 60 bilhões em 2024, embora técnicos da Fazenda já prevejam um contingenciamento de R$ 25 bilhões para o início do ano.

Segundo as fontes, foi nesse encontro que finalmente Lula se convenceu de que não deveria nem enviar uma mensagem modificativa ao relator da LDO, uma manobra cujo prazo expirava naquela noite.

Rui Costa, porém, não se deu por vencido e ainda lutou para que o Planalto patrocinasse o envio de uma emenda, por meio de suas lideranças no Congresso, para alterar a meta fiscal até o dia 17. Mas essa última tentativa tampouco prosperou.

O ministro da Casa Civil chegou a chamar o relator da LDO, Danilo Forte (União-CE), ao Planalto para anunciar a intenção do governo de enviar uma emenda para alterar a meta de déficit para 0,5% do PIB. O encontro e o anúncio ocorreram sem o conhecimento de Haddad, seu antagonista desde o início do imbróglio.

A discussão sobre a meta se acalorou depois de Lula ter dito, em café com jornalistas, que a meta de déficit “não precisa ser zero”. Haddad viu na fala do presidente uma influência direta de Rui Costa, que vinha advogando a alteração da meta desde o lançamento do Novo PAC, em agosto.

O episódio expôs o racha entre os ministros da Casa Civil e da Fazenda, as duas pastas mais influentes da Esplanada. Interlocutores do Planalto afirmam que o momento na relação é muito ruim e que hoje o diálogo entre os dois praticamente inexiste.