Por Anaïs Fernandes
A medida provisória das subvenções e o estoque de precatórios são gatilhos, a depender do que for encaminhado nos próximos dias e semanas, para analistas revisarem suas projeções de resultado primário do Brasil em 2024, em meio a ajustes que já refletem frustrações com a arrecadação.
A piora das projeções fiscais pelo governo federal para 2023, comunicada nesta semana, não altera substancialmente as estimativas dos economistas para o déficit no biênio, porque o mercado já incorporava boa parte das mudanças e a maior surpresa diz respeito à entrada de depósitos judiciais da Caixa, que, se não acontecer neste ano, ficará para 2024. Mas as novas projeções reforçam quão difícil será equilibrar as contas no próximo ano.
A expectativa mediana do mercado para o déficit do governo central no ano que vem aumentou em R$ 6 bilhões, para R$ 90,2 bilhões, no Prisma Fiscal de novembro, consulta do Ministério da Fazenda junto a instituições financeiras, consultorias e gestoras.
Em magnitude similar, a mediana do Focus, pesquisa do Banco Central com agentes econômicos, indica um déficit de 0,8% do PIB, mas há projeções que ultrapassam 1%, distanciando-se ainda mais da meta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de zerar o déficit em 2024. A pior projeção no Focus é de um rombo de 1,7% do PIB.
A estimativa de Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da Ryo Asset, de um déficit de 0,9% do PIB em 2024, tende a ser pior. Ela poderá ir para 1,2% do PIB se houver, por exemplo, aceleração de beneficiários do INSS e do Bolsa Família. Além disso, se a arrecadação continuar piorando, será preciso reduzir as projeções de receita e de Produto Interno Bruto (PIB) para o ano que vem, o que contribuiria para ampliar o déficit.
Outro ponto delicado é a situação dos precatórios, valores devidos pelo poder público em sentenças judiciais definitivas. Uma emenda de 2021 impôs um limite para o seu pagamento entre 2022 e 2026, mas a constitucionalidade desse teto é questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), inclusive pelo governo.
Haddad quer quitar de uma vez os precatórios acumulados até o momento, uma conta que gira em torno de R$ 95 bilhões. O pagamento seria feito ainda neste ano por crédito extraordinário, o que pressiona o resultado primário de 2023, mas traz algum alívio para 2024. Essa pressão seria parcial, porque a Fazenda também pede que a corte classifique os juros e encargos dos precatórios como despesa financeira, retirando esse montante da meta de primário agora e nos pagamentos futuros.
A proposta, no entanto, é criticada por Leal de Barros. “Por ora, tenho conta para precatórios considerando o limite da emenda.”
O Itaú Unibanco espera déficit de 1,2% do PIB em 2024, considerando que o STF avaliza a quitação dos precatórios, mas ela será feita no ano que vem, ou de 0,8% do PIB, excluindo os efeitos do pagamento antecipado.
Do lado das receitas, um gatilho para mudança nas projeções é o desdobramento da medida provisória que altera as regras de tributação das subvenções, relacionadas a incentivos fiscais estaduais que afetam a arrecadação federal.
“Haddad elegeu a medida como a mais importante. Acho que, se não avançar ou se avançar com muita desidratação, pode ser um gatilho para piora das previsões de primário”, diz Leal de Barros. Ele espera uma receita de R$ 20 bilhões em 2024 relacionada à MP das subvenções – o governo federal prevê receber R$ 35 bilhões. “O mercado está em compasso de espera, porque, se Haddad for vitorioso no debate das subvenções, compensa alguns riscos”, afirma.
Para Fernando Genta, economista-chefe da XP Asset, o cenário fiscal está “bem mais desafiador”. Ele já espera um déficit primário de 1,5% do PIB em 2024. “As medidas de Haddad estão na direção correta, mas são difíceis de serem aprovadas na totalidade. Ninguém acredita no PLOA”, diz, em referência ao Projeto de Lei Orçamentária Anual 2024.
Considerando apenas as receitas no PLOA e as medidas já aprovadas, além da tributação de fundos exclusivos e offshore, que está bem encaminhada no Congresso, a Galapagos Capital projeta déficit de 1% do PIB em 2024.
“Mas as despesas parecem subestimadas”, diz a economista-chefe Tatiana Pinheiro, citando, por exemplo, a ausência de previsão de reajuste para o funcionalismo no ano que vem. “Também não há previsão de reajuste do Bolsa Família, que, apesar de não ser obrigatório, deve ser uma questão em 2024 dado o reajuste já programado do salário mínimo”, afirma.
Em meio a incertezas, o J.P. Morgan não contabiliza ainda receitas para 2024 oriundas da MP das subvenções. “O tempo legislativo está se esgotando e essa medida vai lutar pela atenção com outras prioridades – como o próprio Orçamento, a emenda constitucional sobre a reforma tributária e um projeto de lei que impõe impostos mais elevados sobre investimentos onshore e offshore”, dizem, em relatório, as economistas Mirella Sampaio e Cassiana Fernandez, chefe de pesquisa econômica para América Latina e economista-chefe para Brasil do banco.
Após dados recentes de arrecadação desanimadores e a uma reação mais cedo do que o esperado às restrições que a meta fiscal colocará, porém, o J.P. Morgan ajustou sua projeção para o déficit primário em 2024 de 0,6% para 0,9% do PIB. “Já não nos sentimos confortáveis com a nossa estimativa melhor do que o consenso”, afirmam.
As economistas dizem continuar acreditando que o governo poderá ter de contingenciar despesas, mas, agora, admitem “que o apetite para o fazer será ainda menor do que prevíamos anteriormente” e ficará “muito longe” do limite estabelecido pelo novo regime fiscal, de 25% dos gastos discricionários (não obrigatórios), ou pouco mais de R$ 50 bilhões.
O BTG Pactual projeta déficit para o governo central de 0,9% do PIB em 2024, considerando contingenciamento próximo do limite. “Caso o governo confirme sua baixa propensão a contingenciar despesas e altere a meta de primário, nossa projeção tenderia a piorar”, diz, em relatório, Mansueto Almeida, economista-chefe do banco e ex-secretário do Tesouro Nacional.
Pelo lado da receita, uma alteração da meta fiscal de 2024 pode levar o mercado a revisar o montante projetado para o pacote de medidas em discussão no Congresso, observa Fabio Serrano, economista do BTG Pactual. Já pelo lado das despesas, uma meta mais fácil de se atingir pode resultar em um crescimento de gastos mais forte.
“Caso a alteração [da meta] seja de fato confirmada, devemos elevar o déficit projetado em aproximadamente R$ 30 bilhões, para cerca de -R$130 bilhões (-1,2% do PIB)”, estima Serrano. Em outro sentido, números melhores de arrecadação poderiam melhorar a projeção do BTG – o banco ainda não colocou na conta, por exemplo, receitas relacionadas às subvenções.
Se o STF mantiver um tratamento contábil “pouco ortodoxo” para lidar com o estoque de precatórios, as preocupações sobre o compromisso com a consolidação fiscal serão renovadas, afirmam as economistas do J.P. Morgan.
Uma recuperação mais rápida das receitas recorrentes e/ou uma surpresa positiva na aprovação das medidas de Haddad, por outro lado, são riscos positivos a serem observados, dizem. “Riscos com probabilidade reduzida, mas que não devem ser esquecidos”, afirmam Sampaio e Fernandez.
As afirmações recentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a respeito da meta fiscal para 2024, que não precisaria, segundo ele, ser zero, consolidam uma leitura que já circulava no ambiente institucional geral, na avaliação de Natalie Victal, economista-chefe da SulAmérica Investimentos. “A mensagem é que vai ser muito difícil cortar gastos.”