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Reforma Tributária
Texto da tributária aprovado pelo Senado aumenta temas para regulamentação futura
Segundo especialistas, questões em aberto exigirão leis complementares mais complexas
27/11/2023
Valor Econômico

Por Beatriz Olivon e Raphael Di Cunto

 

O texto da reforma tributária aprovado pelo Senado aumentou o número de temas que dependerão de regulamentação em futuras leis em comparação com a versão votada inicialmente pela Câmara. Os números variam a depender dos critérios utilizados, mas escritórios de advocacia consultados pelo Valor apontam entre 20 e 30 pontos a mais.

Isso não significa que serão necessárias mais leis complementares ou ordinárias para regulamentar a reforma. Na avaliação de técnicos do governo, serão necessárias, com certeza, três leis principais. Uma delas será para regulamentar os dois tributos que compõem o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual – o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Outra tratará do comitê gestor do IBS e uma terceira regulamentará o imposto seletivo. Mas, com a quantidade maior de questões em aberto, essas leis tratarão de mais temas e serão mais complexas.

Entre os pontos acrescidos pelo Senado estão regimes especiais para serviços de saneamento, concessão de rodovias e operações com microgeração e minigeração distribuída de energia elétrica. Também há a criação de novos fundos regionais e de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) para garantir a competitividade da zona franca de Manaus. Por outro lado, o Senado já definiu regras para divisão dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), algo que a Câmara não tinha feito.

Levantamentos realizados por três grandes escritórios de advocacia a pedido do Valor mostram que houve um aumento nos pontos que precisam de regulamentação. Para o Mannrich e Vasconcelos, a versão da Câmara exigia o detalhamento de 54 pontos, contra 70 na redação do Senado. Segundo o Brigagão, Duque Estrada, os deputados deixaram 41 temas em aberto e os senadores, 61. Na avaliação do Demarest, foram 69 itens na Câmara e 98 no Senado.

Diferenças de metodologia explicam os números divergentes entre os três estudos – como considerar que cada atividade beneficiada com alíquota reduzida é um tema diferente ou não, mas todos apontam no mesmo caminho alertado por especialistas: a reforma tributária que saiu do Senado diminuiu a simplificação desejada e deixou mais assuntos em aberto.

A previsão de leis complementares para tratar de alguns temas que não devem constar na Constituição é normal, segundo especialistas ouvidos pelo Valor. Mas as previsões indicam que, pelo menos nos próximos dois anos, o governo vai precisar manter as negociações para aprovar pontos-chave da reforma e setores precisam seguir atentos a regulamentações, estejam eles em regras de exceção ou não.

Se algum dos projetos for tramitar mais rapidamente faria sentido ser o que trata do comitê gestor, segundo os técnicos. A ideia preliminar é que o projeto seja conduzido por Estados e municípios com a participação do governo federal.

Para um dos técnicos, não faz diferença ter mais ou menos indicações de lei complementar, porque não será necessária uma lei para cada ponto mencionado na PEC. “De forma geral, as remissões são para a lei complementar que vai regulamentar IBS e CBS”, afirma. A Secretaria Extraordinária de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda também fez um levantamento dos pontos a serem regulamentados, mas apenas para consumo interno.

O ideal para os técnicos seria aprovar as leis complementares em 2024, para resolver questões operacionais antes de começar o período de teste em 2026. O texto da PEC prevê prazo de 180 dias para envio das leis regulamentares, mas os técnicos preferem trabalhar com um prazo mais curto, a depender da colaboração com Estados e municípios.

É esperado que, ao regulamentar regimes específicos, existam pressões setoriais – inclusive porque são leis complementares que irão definir com clareza a lista de bens e serviços que terão alíquotas reduzidas. Os técnicos pretendem mostrar como diferentes opções nessas regulamentações podem afetar a alíquota padrão do imposto.

“Certamente essa segunda etapa talvez seja até mais complexa que a primeira”, afirma Gustavo Brigagão, sócio do Brigagão, Duque Estrada Advogados. Por enquanto, a discussão é de nortes de como o sistema vai funcionar, as leis complementares vão descer aos detalhes. “É nos detalhes que o diabo mora”, afirma.

Para o advogado, o volume de itens em leis complementares vai gerar necessidade de discussões muito intensas no Congresso Nacional. “O que não pode acontecer é essas leis complementares não serem votadas”, afirma.

Essa segunda etapa talvez seja até mais complexa que a primeira”

As lei complementares são importantes porque não cabe o tratamento de todos os temas na Constituição, mas o advogado considera que algumas delegações à lei complementar são “equivocadas”. O tributarista lembra que, no passado, a falta de algumas definições na Constituição já levou a problemas, como o conceito de não cumulatividade de PIS e Cofins, que gerou grande contencioso tributário.

Na redação atual, a preocupação do advogado está na determinação de que o imposto não será cumulativo, compensando-se em todas as operações excetuadas as consideradas de uso e consumo pessoal. “Um conceito importantíssimo, que é o de uso e consumo, delegam para a lei complementar. Abre brecha para um contencioso enorme”, afirma.

A tributarista Ana Claudia Utumi, sócia do Utumi Advogados também destaca que muito do que vem se discutindo como garantias aos contribuintes, como crédito amplo, dependem de leis complementares. “O que será considerado bem de uso pessoal é uma definição importante, porque determina se posso tomar crédito ou não. A lei complementar pode trazer um critério mais ou menos restritivo.”

Para Thais Shingai, sócia do escritório Mannrich Vasconcelos, outro ponto relevante é o das reduções de alíquotas. “Quanto mais clara e assertiva for a lei complementar menos margem para complexidade e contencioso vamos ter.” A advogada reforça que, para a reforma de fato começar, é necessário que pelo menos dois pontos sejam tratados em leis complementares: o detalhamento do IBS e da CBS. Shingai lembra que o quórum para lei complementar torna mais fácil a aprovação em relação ao de emenda constitucional.

“Uma vez alterada a Constituição, começa o jogo de verdade”, afirma Douglas Mota, sócio do Demarest Advogados. Segundo o tributarista, muitos itens estão sendo deixados para lei complementar e uma norma já seria suficiente.

“São dois anos para as leis complementares. Umas são mais urgentes do que outras”, afirma. O advogado estima que os pontos que precisam de lei complementar passaram de 79 para 98 inclusive porque foram criados novos regimes especiais.

“Quanto maior a demora para aprovar a lei mais insegurança para novos investimentos”, afirma Bruno Checchia, sócio do Bichara Advogados. Existe medo que o imposto seletivo se torne o que é hoje o imposto sobre grandes fortunas, segundo Checchia – um tributo para o qual a Constituição exige lei complementar e a norma nunca foi feita. A maioria dos temas são urgentes, segundo o advogado, e a partilha em muitas leis torna mais desafiadora a negociação de cada uma delas.

Presidente do grupo de trabalho da Câmara que tratou da reforma, o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) disse que o importante é que a PEC do Senado não ampliou o número de leis complementares que serão necessárias. “São apenas mais pontos a serem tratados nas leis previstas. Não é nada absurdo, não, perante um sistema tributário que atualmente tem 60 mil normas”, disse. Ele destacou que o Congresso evitará o “ping-pong” da PEC entre as Casas e o fatiamento e, por isso, os deputados vão trabalhar apenas com a supressão de pontos já aprovados pelos senadores, mas sem apresentar novas propostas ou alterações de mérito.

O economista e deputado federal Mauro Benevides (PDT-CE) também concorda que o importante não é se há 20 ou 30 pontos a mais de regulamentação, mas a complexidade disso. “O problema é se são regulamentações fáceis de serem redigidas e entendidas pelo meio jurídico ou se podem provocar controvérsias. É isso que vamos analisar. Não me preocupo com o número. Me preocupo com a complexidade dos itens que vão ser regulamentados”, disse.

A assessoria do relator da reforma tributária no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), disse em nota que “os dados não podem ser validados” e que a Consultoria do Senado indicou 57 pontos de regulamentação no texto da Câmara. Mas, questionada, não revelou quais são esses itens e qual o número de temas pendentes no texto do Senado. A assessoria institucional do Senado não respondeu ao pedido para mais informações.

Braga ainda afirmou, na nota, que esses números não podem “medir qualquer complexidade”. “O relator […] estabeleceu um prazo máximo de 180 dias para o Ministério da Fazenda propor a regulamentação das mudanças aprovadas no âmbito da PEC. Toda essa regulamentação poderá ser reunida em cerca de 3 ou 4 leis complementares, conforme o próprio ministério já sinalizou, independentemente do número de pontos que precisarão de regulação”, disse.