Por Marta Watanabe e Anaïs Fernandes
A taxa de crescimento da atividade econômica deve cair quase à metade na passagem de 2023 para 2024. Para o ano que vem, os economistas esperam que a ajuda extraordinária do agronegócio e o impulso dos estímulos fiscais da PEC da Transição, fatores que fizeram diferença em 2023, principalmente na primeira metade do ano, devem sair de cena num ambiente em que a política monetária apertada ainda deve afetar a atividade, mesmo com a esperada continuidade de corte gradual da taxa básica de juros.
Como fatores que podem surpreender positivamente, os economistas citam efeitos do Desenrola, o programa para redução do endividamento das famílias de baixa renda, o pagamento de precatórios federais ou eventuais medidas para ativar a economia no ano das eleições municipais. A mediana de 85 projeções de consultorias e instituições financeiras coletadas pelo Valor indica que o PIB crescerá 3% em 2023, com desaceleração para 1,6% em 2024. As estimativas para 2024 vão de 1% a 2,5%, sempre em variações positivas.
O crescimento projetado para 2023 é considerado surpreendente frente ao que se estimava inicialmente para este ano. A mediana das projeções coletadas pelo Valor em dezembro de 2022 indicava alta de 0,7% em 2023. Ao fim do ano passado, a tramitação da PEC da Transição e as expectativas em torno da equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva desencadearam forte piora das perspectivas fiscais, o que trouxe maior incerteza ao cenário de inflação e juros.
Economistas ressaltam, porém, que o crescimento de 2023 ficou concentrado no primeiro semestre, com ritmo muito mais fraco a partir do terceiro trimestre, o que explica a perspectiva de esfriamento da economia em 2024. Dados do IBGE mostram que a taxa acumulada de crescimento do PIB até o primeiro semestre foi de 3,8%. Até setembro desacelerou para 3,2%, sempre em variações em relação a igual período de 2022.
“A sensação térmica é que chegamos na virada de 2023 para 2024 com uma economia que parou, só que, quando a gente olhar o resultado fechado do ano, vai ter crescido 3%, uma beleza”, diz Flávio Serrano, economista-chefe do Banco Bmg. “Aí, a gente entra em 2024 com essa situação de uma perspectiva ruim, porque ainda não tem muito os efeitos do afrouxamento monetário. A partir do segundo trimestre de 2024, a economia pode começar a ensaiar melhora, mas deve ficar mais forte ao longo do segundo semestre. Não esperamos para o primeiro semestre de 2024 um desempenho espetacular como em 2023.”
Serrano espera alta de 1,5% para o PIB no ano que vem. A herança estatística de 2023 para 2024, ressalta, é de apenas 0,3%. “Não é como de 2022 para 2023, em que o carry-over era alto.”
Mais otimista, César Garritano, economista-chefe da Somma Investimentos, espera alta de 1,9% para o PIB em 2024. Para 2023, a projeção é crescer 3%. “É uma economia praticamente parada ao fim deste ano. Para 2024, nossa projeção está um pouco acima do consenso de mercado, mas ainda assim é preciso destacar que haverá desaceleração.”
Com o agro mais fraco no começo de 2024, diz Garritano, não se vê grandes mudanças em relação à dinâmica mais enfraquecida da economia neste fim de ano. Mais para o fim de 2024, a política monetária deve seguir contracionista, mas seus efeitos já vão ficando para trás, e a economia deve conseguir andar um pouco melhor, diz.
“Mas há alguns fatores positivos”, diz Garritano. “Um desses pontos são os precatórios, para os quais ainda não fechamos a conta, mas que achamos que podem ajudar algo em torno de 0,2 a 0,3 ponto percentual no crescimento, porque é mais dinheiro circulando na economia.”
O comportamento dos setores dentro do PIB, aponta Serrano, deverá ser totalmente diferente em 2024. O grande destaque é para o agro, que deve crescer mais de 15% em 2023, mas deve sofrer queda de 0,5% em 2024, estima, porque o El Niño vai atrapalhar um pouco o plantio. “A safra até deve ser grande, mas não tem um delta, um crescimento real”, explica.
Cecilia Machado, do Bocom BBM, avalia que, em 2023, a importância do agro para o crescimento da economia não ficou concentrada no setor primário. “Tivemos efeitos de transbordamento para outros setores, como de serviços, por meio do transporte, por exemplo. Então, para o ano que vem, o agro tem um risco para baixo, porque esses efeitos indiretos também podem acontecer”, diz.
Depois do cenário muito favorável do agro em 2023, ela espera estabilidade para o setor em 2024, mas esse comportamento, aponta, pode ter efeito negativo em outras partes do PIB. O agronegócio, diz, está em torno de 30% da economia quando se considera toda a cadeia, incluindo efeitos em serviços e na indústria.” Para Machado, a incorporação desses impactos indiretos relativos à expectativa de crescimento zero para o agro explica, em parte, a projeção do banco de 1,2% de alta para o PIB em 2024, estimativa 0,4 ponto percentual abaixo da mediana da pesquisa. Para 2023, o banco espera avanço de 2,9%.
Para Livio Ribeiro, sócio da BRCG e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) os sinais de quebra de safra em 2024 em razão de questões climáticas são robustos, num momento em que a indústria, principalmente a de transformação, não deverá reagir fortemente no curto prazo em razão de problemas estruturais e no qual o setor de serviços “pode ter alguma aceleração, mas somente ao fim do ano, sem que isso possa ser visto muito em 2024”.
A BRCG projeta alta de 1,2% para o PIB em 2024. Para 2023 o crescimento estimado é de 2,8%, o que deve levar a carregamento estatístico zero para 2024, prevê Ribeiro.
O crescimento projetado para o ano que vem, explica, já embute os efeitos que o pagamento de precatórios pelo governo federal deve ter na economia durante os primeiros meses de 2024. A estimativa não inclui, diz Ribeiro, um fator que pode fazer diferença: as eleições municipais.
Como o governo tem mostrado postura ativa, diz, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva subindo aos palanques em algumas cidades, faz sentido, dentro desse projeto político, esperar que haja alguma medida para aumentar a sensação térmica da economia caso surjam sinais de desaceleração mais intensa.
“Os canais parafiscais devem ser priorizados. Os precatórios, da forma como estão sendo pagos, fazem um pouco esse papel, mas há também FGTS e outros instrumentos. Estou cada vez mais convencido de que o governo vai ter dificuldade de aceitar uma desaceleração mais intensa num período que é importante para as pretensões políticas dos próximos anos. Nesse sentido, há possibilidade de ter uma aceleração maior de impulsos que influenciem o resultado de consumo e, por tabela, o de serviços no PIB”, aponta Ribeiro.
Machado, do Bocom BBM, também aponta fatores que trazem viés positivo para o crescimento de 1,5% estimado para os serviços no PIB de 2024.
A regra de reajuste real do salário mínimo afeta em torno de 30% a 40% do trabalhadores e também leva a distribuição de salários da economia, o que traz perspectiva favorável para a massa salarial. O mercado de trabalho está desacelerando, diz, mas de forma bastante gradual. Esse conjunto de fatores, afirma, pode contribuir para uma resiliência do setor de serviços em 2024.
Entre outros movimentos da economia que podem surpreender, ela cita o Desenrola, na expectativa de que as pessoas, após quitarem suas dívidas, tenham disposição de aumentar o endividamento. “Esse impacto não bate na hora do programa e pode ter um efeito defasado.”
Outro componente que talvez possa ser revisado para cima, diz a economista, são os serviços de administração pública, para o qual a estimativa de alta do banco é de 1,3% em 2024. Esses serviços, muito relacionados à saúde e educação, diz ela, tiveram bom crescimento nos governos do PT, e pode ser também que as eleições no ano que vem contribuam pra isso, porque são áreas organizadas por Estados e prefeituras.
Ainda que se espere a continuidade do corte da Selic, os economistas apontam que, em razão dos efeitos defasados, a política monetária deve ainda demorar a atuar mais fortemente na atividade. “Conseguimos enxergar a política monetária apertada ainda afetando a atividade, principalmente no primeiro semestre. Temos 9% de Selic no fim do ciclo, no ano que vem, o que ainda seria uma política monetária contracionista. Para nós, a taxa neutra nominal (considerando a inflação) seria de 8%”, diz Garritano.
O caminho é de descompressão monetária, diz Ribeiro. “Mas não na velocidade necessária para pegar setores da economia no tranco. O efeito disso irá aparecer muito mais na segunda metade de 2024 e em 2025 do que no ano que vem.” Por isso, o crescimento maior somente para 2025, aponta, período para o qual a BRCG espera alta de 1,5%. A mediana de 84 projeções coletadas pelo Valor aponta alta de 2% do PIB em dois anos.
Em 2024, o setor externo também não deve trazer a mesma ajuda de 2023, aponta Garritano. “Devemos ter uma desaceleração global em 2024, incluindo nossos principais parceiros, como Estados Unidos, China e Argentina. Especificamente para a Argentina, se as medidas do presidente Milei forem minimamente colocadas em prática, o país vai ter um ano difícil, e isso respinga no Brasil.”
Em 2023, diz Serrano, as exportações vão crescer bem mais do que as importações, e o impacto do setor externo sobre o crescimento será importante. “Para 2024, eu esperaria uma contribuição um pouco mais neutra, com o crescimento de exportações e importações mais parecido. Acho até que as importações podem acabar crescendo um pouco mais do que as exportações, gerando um efeito líquido negativo para o PIB.”