Luiz Gonzaga Belluzo
Entre o Natal e o Réveillon multiplicaram-se as críticas às previsões dos economistas, previsões congregadas no Relatório Focus. Entre tantas recriminações, escolhi as observações de Marcos Augusto Gonçalves, editor da Ilustríssima, caderno da “Folha de S. Paulo”: “Ainda em março, as expectativas da maioria dos entendidos, não a simples opinião, continuavam bastante negativas. E equivocadas. A mediana do boletim Focus, uma consulta que o Banco Central faz ao oráculo de seus pares do mercado, apontava para um crescimento do PIB de 0,84% até o fim do ano…”
Diante dos números divulgados, influentes analistas, na confortável tarefa de prestigiar o boletim de bancos e financeiras, afirmavam que seria isso mesmo e que não haveria motivo para imaginar alguma coisa diferente. Sob Lula o crescimento não chegaria nem sequer a 1%.
Sabemos hoje que o PIB vai fechar o ano com expansão de 3%.
Peço licença aos leitores para lançar algumas considerações a respeito da incerteza, circunstância inarredável na tomada de decisões na vida e, particularmente, nas economias monetário-financeiras capitalistas.
Para Keynes, a incerteza radical não corresponde a uma etapa nem é um atributo determinado por certa fase da economia, mas, sim, o estado permanente sobre o qual repousam as decisões que regem a economia: “Para falar com franqueza, temos de admitir que as bases de nosso conhecimento para calcular o rendimento provável, nos próximos dez anos ou mesmo cinco anos, de uma estrada de ferro, uma mina de cobre, uma fábrica de tecidos, um produto farmacêutico patenteado, uma linha transatlântica de navios ou um imóvel na City de Londres se reduzem a bem pouco e às vezes a nada”.
Diante da incerteza radical, os detentores de riqueza são compelidos a tomar decisões apoiados em convenções a respeito das perspectivas da economia. Keynes sugere que as decisões individuais dos agentes só podem se apoiar no que eles imaginam que sejam as opiniões dos demais.
Keynes, desse modo, introduz na teoria econômica as relações complexas entre Estrutura e Ação, entre papéis sociais e sua execução pelos indivíduos convencidos de sua liberdade, racionalidade e autodeterminação, mas, de fato, enredados nas engrenagens da acumulação monetária. Keynes, na esteira de Freud, introduz as configurações subjetivas produzidas pelas interações entre grupos sociais e seus indivíduos. Estão aí implícitos os processos de individuação mediados pelo objetivo da produção capitalista – a acumulação de riqueza monetária.
Nesse percurso, as decisões dos agentes envolvidos nos mercados podem dar origem a situações nas quais a busca da riqueza monetária revela-se um obstáculo para a economia alcançar o pleno emprego. A âncora que sustenta precariamente as ariscas subjetividades atormentadas pela incerteza está lançada, sim, nas estruturas sociais da economia.
No livro “Capitalisme et Pulsion de Mort”, Gilles Dostaler e Bernard Maris afirmam que Freud e Keynes não acreditam na fábula da racionalidade individual, tão cara aos economistas: “O indivíduo está imerso na multidão inquieta, frustrada, insaciável, sobre a qual pesa essa imensa pressão cultural, esse movimento ilimitado da acumulação […]”.
Keynes cuida da psicologia de massas que infesta os mercados “organizados”, frequentemente açoitados por violentas oscilações entre euforia e desilusão. Se, por um lado, esses mercados são fundamentais para permitir que os agentes tomem as decisões a respeito da aquisição de bens instrumentais e ativos financeiros, por outro lado, essas decisões estão submetidas à instável avaliação dos mercados de riqueza.
Os mercados financeiros são construídos para reduzir a incerteza, mas aumentam a instabilidade da economia, especialmente das decisões cruciais, como as de investir, conforme Keynes advertia na “Teoria Geral”.
Esse é o resultado inevitável dos mercados que se organizam para alcançar a “liquidez”. Entre as máximas da finança ortodoxa, nenhuma
seguramente é mais antissocial do que o fetiche da liquidez. Trata-se da doutrina segundo a qual é uma virtude positiva das instituições de investimento concentrar seus recursos em valores líquidos […]. [Essa doutrina] esquece que os investimentos não podem ser líquidos para a comunidade como um todo.
Em uma economia dotada de mercados financeiros organizados, ou seja, na qual sejam generalizadas as relações débito/crédito, o provimento de liquidez para agentes “investidores” depende da existência de instituições dispostas a “criar” liquidez.
O sistema bancário “criador” de moeda – incluído o Banco Central – desempenha também a função de “market maker”, ou seja, “regulador” dos mercados de negociação de dívidas e direitos de propriedade (ações). Esses mercados de avaliação da riqueza são particularmente suscetíveis às súbitas alterações na predominância das opiniões entre altistas e baixistas. Cabe ao sistema bancário reequilibrar as posições, mediante o manejo da taxa de juros, que regula o acesso dos bancos privados ao provimento “final” de liquidez, regulado pelo Banco Central.
Os detentores de riqueza sob a forma monetária são obrigados a apostar – repito, apostar – que nenhum fenômeno perturbador vai ocorrer, entre o momento em que tomam a decisão de empregar seu dinheiro na contratação de fatores de produção e a recuperação, no futuro, desse valor monetário acrescido. Tais decisões são tomadas por critérios de ganho privado na suposição ilusória – assentada em frágeis convenções – de que o futuro vai continuar reproduzindo o passado.