Por Alex Ribeiro
Não dá para tirar conclusões definitivas a partir de apenas um dado, mas o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de dezembro deve colocar em banho-maria a expectativa de parte do mercado de que o Banco Central vá acelerar o corte de juro ou levar a Selic para menos de 9% ao ano ao fim de 2024.
Parte dessas apostas se baseia na premissa de que o BC está errado no diagnóstico de que a baixa da inflação será lenta. O IPCA de dezembro sugere que o BC está certo, pelo menos até sair o próximo índice de inflação.
O dado que mereceu maior atenção é que a inflação fechou o ano em 4,62%, dentro do teto da meta, de 4,75%. A notícia é boa não só porque, pela primeira vez em três anos, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, está dispensado de escrever uma nova carta aberta se explicando. O dado anual do IPCA sintetiza uma série de surpresas positivas.
Colocar a inflação dentro do teto da meta, porém, foi apenas a primeira etapa. Falta cumprir a meta em si, que a partir de agora é 3%. Os juros altos, atualmente em 11,75% ao ano, fazem justamente esse trabalho. E, para saber se o Banco Central está próximo ou não de cumprir a sua missão, o mais importante é o dado mensal do IPCA de dezembro.
O índice cheio ficou em 0,56%, acima do 0,49% esperado. A inflação subjacente de serviços, que exclui os preços mais voláteis, ficou em 0,51%, depois de se situar numa média de 0,23% de junho a novembro.
O que intriga não é, exatamente, o índice mais alto em dezembro, mas a baixa anterior. A inflação subjacente depende muito da atividade econômica. Para cair, é preciso uma desaceleração, em particular no mercado de trabalho. O desemprego, porém, está no patamar mais baixo em dez anos. Isso coloca duas questões. Primeiro, o que baixou a inflação? Segundo, a queda vai ser duradoura?
Dependendo das respostas, poderá haver mais espaço para o Banco Central cortar os juros. Uma parcela do mercado sustenta que a inflação caiu porque a produtividade está aumentando, depois de todas as reformas econômicas feitas nos últimos anos.
Se essa tese estiver certa, poderíamos ver a inflação seguir em queda, facilitando o cumprimento da meta. O dado acima do esperado em dezembro coloca em dúvida a tese. Mas nada impede que volte a cair – será preciso observar nos próximos meses.
Já o Banco Central tinha uma visão mais cética. Em meados do ano passado, a inflação acumulada em 12 meses caiu muito, até o patamar de 3%, em virtude do recuo de preços de alimentos, bens industriais e preços administrados. Isso foi positivo para os preços de serviços que são reajustados com base na inflação passada.
O diretor de política econômica do BC, Diogo Guillen, vinha afirmando que – excluindo o efeito desses choques positivos – a inflação de serviços vinha se comportando da forma prevista pelos modelos de projeção usados pelo Copom.
No mesmo dia em que foi divulgada a inflação por aqui, saiu o índice de preços ao consumidor nos Estados Unidos. Por lá, também segue caindo, mas com uma velocidade menor do que os mais otimistas acreditavam. Com isso, reduz a chance de o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) começar a cortar o juro em março.
Alguns analistas chegaram a se queixar, em dezembro, que o Copom havia ficado defasado na sua postura austera, depois que o Fed tinha dado uma virada na sua comunicação em direção à baixa de juros.
O Banco Central nunca entrou nessa onda. Nos seus documentos oficiais, afirmou que não havia relação mecânica entre a política monetária brasileira e americana. Campos Neto disse que o mercado fez uma leitura inicial muito otimista do Fed.
O que as más notícias na inflação no Brasil e nos Estados Unidos significam para o Copom? Por ora, provavelmente nada. O índice de inflação cheio de dezembro, em 0,56%, superou os 0,5% esperados pelo Copom. Os diretores do colegiado ainda não fizeram nenhum comentário se, qualitativamente, o índice ficou muito fora das expectativas.
O Copom está olhando muito mais do que a inflação de um mês. Há uma lista de coisas, incluindo expectativas de inflação e risco no horizonte, como a política fiscal. Nos seus pronunciamentos, Guillen tem destacado a importância de observar a evolução dos reajustes de salários. Seu argumento é que, quantitativamente, está difícil decifrar o grau de ociosidade no mercado de trabalho, diante de possíveis mudanças mais estruturais após a pandemia.
O que está sob revisão, na realidade, são as teses mais otimistas de mercado para a evolução da taxa Selic. Como o Copom tem mantido firme a sinalização de cortes de não mais do que 0,5 ponto percentual por reunião, as apostas mais animadas se concentram numa Selic menor ao fim do ciclo de distensão.
Pelas projeções apresentadas pelo Copom em dezembro, a inflação cairá a 3% em meados de 2025 se a Selic terminasse este ano nos 9,25% então previstos pelo mercado. De lá para cá, a previsão para a Selic caiu para 9%. Analistas mais otimistas sobre a inflação preveem juros abaixo de 9%. Já o Copom tem evitado sinalizar uma taxa no fim do ciclo de corte. Diz apenas que vai manter a contração necessária para colocar a inflação na meta e reancorar totalmente as expectativas de inflação.