Por Jéssica Sant’Ana e Lu Aiko Otta
A experiência internacional será base para definir, na regulamentação da reforma tributária, o princípio de destino. Foi o que informou ao Valor o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, ao falar sobre um dos pontos que mais preocupação tem trazido nos grupos técnicos encarregados de elaborar os projetos de lei complementar e ordinária que vão detalhar as mudanças no sistema tributário.
Em uma de suas principais alterações, a reforma tributária aprovada em 2023 pelo Congresso Nacional estabelece que os tributos sobre o consumo são devidos no destino (onde ocorre o consumo), e não mais na origem (onde o produto é fabricado). Porém, são muitas as dúvidas entre os secretários estaduais e municipais de Fazenda sobre como essa alteração será feita.
“Só para dar um exemplo: no transporte de carga o destino é o lugar onde se entrega a carga. Mas no transporte de passageiros você considera como destino o local de embarque do passageiro. Por quê? Porque eu consigo saber onde ele embarca, mas eu não sei onde ele desembarca. Existem padrões internacionais”, disse Appy.
“Em compra presencial, o local do destino é o local da compra. Fui no supermercado e comprei, é o local onde está o supermercado. Já têm padrões definidos internacionalmente que são uma referência que estamos usando”, complementou, acrescentado que, naturalmente, algumas adaptações terão que ser feitas para o padrão brasileiro.
Não é só a determinação do destino que suscita dúvidas. Há discussões também sobre como será feita a fiscalização, disse o secretário de Fazenda do Paraná, Renê Garcia Jr.
Ele explicou que, se o imposto é pago no destino, um Estado fiscalizará receitas que podem pertencer a outro. Nesse caso, não está claro com qual deles ficaria a responsabilidade de fazer lançamentos quando alguma irregularidade for encontrada. O secretário vê também um conflito de competências entre fiscos estaduais e municipais, já que o novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) pertencerá aos dois.
Há municípios que nunca cobraram o Imposto Sobre Serviços (ISS), pontuou a secretária de Fazenda de Alagoas, Renata dos Santos. Uma dúvida é se terão de criar uma estrutura de cobrança e arrecadação ou se o Estado poderá assumir essas tarefas.
O secretário paranaense levantou outro ponto de atenção: as exceções criadas na reforma tributária. Ele disse que a regulamentação deverá ter atenção para que não fiquem “lacunas” na cobrança dos impostos.
Integrante da comissão de sistematização das propostas de regulamentação da reforma, Renata informou que as discussões estão focadas no momento na definição de conceitos, como o destino e o detalhamento sobre o que são, exatamente, o IBS e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), ambos criados pela reforma aprovada no ano passado.
Não são mera reprodução dos tributos que existem hoje, apontou a secretária de Alagoas. Não é a mesma lógica do ISS para municípios, do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para Estados e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a União.
O novo sistema atingirá itens novos, como serviços digitais. Além disso, não está definido como serão tributadas as operações financeiras, exemplificou.
Ainda não está claro sequer quantos projetos de lei serão elaborados para enviar ao Congresso Nacional, informou. A expectativa, porém, é que os textos estejam prontos no fim de março.
Dada a complexidade dos temas e considerando o carnaval, o prazo tem se mostrado curto e não se descarta algum atraso. “Vamos trabalhar no carnaval”, conformou-se a secretária.
Garcia, secretário do Paraná, disse que será importante ter as definições básicas dos novos tributos bem amarradas antes de o Congresso Nacional retomar as discussões sobre o tema.
A regulamentação da reforma tributária é prioridade da pauta legislativa do governo federal. Também neste ano será proposta a reforma do Imposto de Renda.