Por Anaïs Fernandes e Álvaro Fagundes
Mais da metade dos municípios brasileiros registrou casos de dengue nas cinco primeiras semanas deste ano, em um mais sinal do forte avanço da doença pelo país. Até o dia 5 de fevereiro, 3.048 cidades (54% do total) notificaram casos prováveis da doença, ante 2.376 no mesmo período do ano passado, uma diferença de 28%, segundo dados do Datasus, ferramenta do Ministério da Saúde.
O levantamento também mostra que quanto maior a localidade mais provável que ela já tenha registros da doença neste ano. No caso dos 40 municípios com mais de 500 mil habitantes, só um (Aparecida de Goiânia) não há notificações até o momento. Na faixa seguinte, de 200 mil a 500 mil habitantes, a parcela é de 93%. A fatia só é inferior a 50% no grupo dos municípios com até 10 mil moradores: 44%.
Levantamento do Ministério da Saúde com dados até 9 de fevereiro aponta que o número de casos prováveis da doença já soma 408,4 mil, com 62 mortes confirmadas. Estimativa da pasta divulgada no fim de janeiro aponta que o país pode ter até 4,2 milhões de casos em 2024, com um cenário mais provável de 1,96 milhão de registros.
Para Marcelo Daher, médico infectologista e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), em termos de distribuição geográfica, as cidades mais afetadas são aquelas em que há fatores que facilitem a criação de reservatórios para proliferação do mosquito transmissor da dengue. E o que mais favorece essa situação, continua o especialista, é a urbanização descontrolada e desorganizada.
Lotes vagos para especulação imobiliária, por exemplo, não recebem os cuidados necessários, e faltam políticas que estimulem a ocupação adequada desses espaços, como o IPTU progressivo, observa Daher. “Acaba virando depósito de lixo e proliferador de mosquito”, afirma.
Há uma relação também, segundo Daher, entre renda e probabilidade de contágio. Muitas vezes, diz, pelo acúmulo de objetos, bem como de itens de coleta como latas de alumínio e metal, essa população acaba convivendo mais com o acúmulo de água e reservatórios que favorecem a proliferação do mosquito transmissor.
“O fator financeiro, a dificuldade da população que, muitas vezes, leva a situações mais degradantes, isso pode contribuir”, afirma.
O Brasil, lembra, já tem um clima (tropical) que é extremamente propício à proliferação do mosquito.
“Essa crise toda era esperada. Todo ano tem calor e chuva. Os gráficos de casos de dengue desde 1990 até hoje são exponenciais, a cada dez ano os casos dobram. Epidemiologicamente, o cenário vem mostrando que vamos viver uma crise há muito tempo. O calor excessivo de agora favorece ainda mais. Mas, se o poder público estivesse atento, ações deveriam ter sido tomadas bem antes. Só que os governantes não tomam medidas de roçagem de terrenos, limpeza urbana ou de orientar e educar a população para a limpeza da própria casa”, diz Daher, destacando que essas ações precisam ser perenes e não apenas na sazonalidade mais crítica.
“Se deixar só para quando ocorrem essas explosões de casos, é chover no molhado”, afirma.
Somam-se a isso, segundo Daher, outros fatores, como a presença do vírus 3 da dengue, que não circulava há um tempo no Brasil e que pode contribuir para um aumento de casos e de formas mais graves da doença se começar a predominar.
O Brasil também trabalha muito pouco no controle do vetor de transmissão, segundo Daher. “Tem várias estratégias de controles biológicos, de troca de mosquitos, de machos estéreis ou de fazer com que fêmeas coloquem ovos apenas de mosquitos machos”, aponta.
Na sua avaliação, isso não ocorre porque faltam investimentos em pesquisa e saúde no país. “Mas uma semana de um paciente na UTI sai muito mais caro”, afirma.