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Finanças Públicas
Haddad mantém a aposta em zerar déficit
A aposta nos bastidores é que Lula atuará para apaziguar as relações com o Congresso e com isso reeditar a produtiva parceria entre Executivo e Legislativo do ano passado
22/02/2024
Valor Econômico

Lu Aiko Otta

 

Alvo de ceticismo dos especialistas em contas públicas e de ataques da ala política do governo, a busca do equilíbrio das contas públicas federais em 2024 seguirá como norte da equipe econômica. Aposta-se nos bastidores que a entrada em campo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para apaziguar as relações com o Congresso Nacional seja capaz de reeditar a produtiva parceria vista entre Executivo e Legislativo no ano passado.

Em 2023, deputados e senadores atenderam em boa parte os pedidos da área econômica. Além de aprovar o novo arcabouço fiscal, deram sinal verde a medidas que ajudarão a colocá-lo em funcionamento neste seu primeiro ano de operação.

Por exemplo, aprovaram a Medida Provisória (MP) das Subvenções, que deverá fechar um ralo na arrecadação do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Também deram OK à retomada do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que permite desempatar disputas a favor do governo. Concordaram até em “colocar o rico no Imposto de Renda”, ao aprovar a nova taxação sobre fundos fechados de investimento e fundos offshore. Tudo isso fortaleceu as receitas e avançou na direção do equilíbrio orçamentário.

O Congresso atuou como o verdadeiro coautor do arcabouço fiscal. O time econômico de Lula torce para que a mesma postura seja adotada neste ano.

Porém, não tem sido tão simples assim.

O auspicioso ano de 2023 terminou em um climão entre governo e Congresso. A edição da MP 1.202, no dia 28 de dezembro, investiu contra duas decisões já tomadas pelo Legislativo: a prorrogação da desoneração da folha salarial para 17 setores intensivos em mão de obra e o Programa Emergencial de Recuperação do Setor de Eventos (Perse). Adicionalmente, a sanção da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024, ocorrida no dia 22 de janeiro, trouxe o veto de Lula a R$ 5,6 bilhões em emendas de parlamentares.

Até as capivaras do lago Paranoá sabiam que isso ia dar problema. Sendo assim, o que as intriga é o cálculo político por trás dessas decisões.

Uma explicação ouvida nos bastidores é que essa seria uma forma de estabelecer uma negociação em torno das medidas necessárias ao atingimento do equilíbrio fiscal. Se o Congresso não abre mão dessas medidas, a questão é saber com que alternativas concordaria para gerar um resultado capaz de assegurar o déficit zero em 2024.

Por enquanto, o governo marca posições. Na segunda-feira, após reunir-se com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o líder no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), disse que o veto dos R$ 5,6 bilhões em emendas ao Orçamento é “fundamental” para o ajuste fiscal.

Emendas são o centro da atuação de muitos parlamentares. Em ano eleitoral, os recursos direcionados às bases são ainda mais importantes. Não por acaso, Lira abriu o ano legislativo afirmando que o Orçamento não pertence ao Executivo, mas é de todos os brasileiros.

Haddad, por sua vez, tem insistido que há um acordo com o Congresso Nacional pelo qual o governo abriria mão de arrecadar R$ 20 bilhões ao longo de quatro anos em função do Perse. No entanto, a conta chegou a pelo menos R$ 17 bilhões só no ano de 2023. Por isso, propôs encerrar o benefício.

O ministro também tem chamado a atenção para um conjunto de oito projetos de lei cujo objetivo é reduzir o custo dos empréstimos no país. Na semana passada, esteve na Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) para pedir apoio à votação dessas matérias. Das oito propostas, quatro estão paradas na Câmara, aguardando designação de relator por Lira.

Como nem tudo são espinhos, janeiro trouxe boas notícias pelo lado da arrecadação federal. O resultado oficial será divulgado nos próximos dias.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estimou que o crescimento real das receitas foi de 5,8%, ante avanço de 6,7% das despesas. Com isso, o mês teria fechado com saldo positivo de R$ 77,9 bilhões. O dado oficial sai no fim deste mês.

Se o desempenho robusto da arrecadação se mantiver em fevereiro, reduz-se o risco de o governo ter de contingenciar despesas com vistas a atingir o déficit zero. Essa decisão será anunciada no dia 22 de março.

Outra possível consequência é o adiamento do debate sobre a revisão da meta fiscal do ano, também marcado para março.

O ajuste fiscal feito apenas pelo lado das receitas, porém, tem cada vez menos espaço político. Neste ano eleitoral, será difícil deputados e senadores votarem medidas que elevem a carga tributária.

Por outro lado, cortes de gastos tampouco farão sucesso nos palanques. Ainda assim, avançam as discussões sobre um pente-fino na Previdência Social que pode economizar R$ 10 bilhões e uma análise do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro). Os técnicos ainda querem propor mudanças no piso de gastos com saúde.

Ajustar as contas públicas não combina com campanhas políticas, sobretudo as que apostam na velha receita da gastança populista. É essa a pinguela que vamos atravessar.