De um lado, sindicatos e professores cobram que os municípios paguem o reajuste do piso salarial da categoria, como determina a legislação. Do outro, municípios não pagam o piso porque entendem haver um “vácuo legal” sobre o critério de reajuste, o que traria riscos à “segurança jurídica.
O que aconteceu
O piso dos professores no Brasil hoje está em R$ 4.580,57, para jornada de 40 horas semanais.
Ele está previsto na Lei do Magistério, de 2008. Em 2020, com as mudanças do Fundeb, principal instrumento de financiamento da educação básica, municípios passaram a questionar a “segurança jurídica” da legislação — a conta para a revisão do salário dos educadores está atrelada ao valor do fundo anualmente, por aluno.
Por causa das mudanças, a CNM (Confederação Nacional dos Municípios) entende que a lei não tem validade e orienta os prefeitos a não cumprir o piso. O texto do Fundeb, aprovado em 2020, diz que uma legislação “específica disporá” sobre o piso dos professores.
Havia a expectativa por parte dos municípios, estados e especialistas em educação de que a questão fosse resolvida para o reajuste do piso deste ano. O MEC (Ministério da Educação) criou um fórum para discutir o tema e “propor mecanismos sobre o cumprimento do piso”.
Os encontros do fórum ao longo do ano passado ajudaram na construção de um projeto de lei, mas não se chegou a um consenso, segundo fontes ouvidas pelo UOL. A reportagem procurou o MEC ao menos quatro vezes na última semana, mas não teve retorno.
Por causa do atual critério, o reajuste anunciado este ano foi de 3,62% — abaixo da inflação. No Congresso, diferentes projetos já foram apresentados por deputados ou senadores, mas existe o entendimento entre alguns dos envolvidos de que a proposta deve vir do MEC, já que o texto passaria pela discussão de diferentes entes.
Além de um novo cálculo para o reajuste, é preciso discutir se os aumentos devem fazer parte da remuneração ou podem ser complementos do salário. Há conclusões diferentes também em relação ao pagamento do piso ser destinado a qualquer professor ou a alguma categoria específica — educadores que trabalham em escolas conveniadas à rede pública, por exemplo, nem sempre recebem o reajuste de salário.
“A discussão não é sobre a existência do piso, mas sobre os critérios para o reajuste. Seria importante um novo projeto de lei, porque muitos municípios não cumprem o atual piso com a justificativa de que haveria um vácuo na legislação, sustentados por uma nota da própria assessoria jurídica do MEC. E, por causa do critério, os valores ficam muito altos em alguns casos, e vários são judicializados”.
Ivan Gotijo, gerente de políticas educacionais do Todos pela Educação.
MEC queria editar MP
A última proposta que teria sido apresentada pelo governo Lula (PT) incluía editar uma MP (Medida Provisória) para que a mudança já valesse para o reajuste deste ano. Fontes ouvidas pela reportagem afirmaram que o movimento contrariaria o que se discutia nos encontros — o esperado era o envio de um PL ao Congresso.
Houve também um certo “estranhamento” entre os integrantes do fórum com pontos que apareceram no texto. “Apresentaram elementos que não foram discutidos antes com o grupo”, afirmou Alessio Costa Lima, presidente da Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação.
O consenso entre as entidades envolvidas é de que os novos critérios para reajuste do piso devem considerar ganhos reais aos professores. O fórum criado pelo MEC reúne representantes da Undime, Consed (conselho dos secretários estaduais de Educação), CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) e integrantes do ministério.
Há uma preocupação de que o ano eleitoral nos municípios dificulte a discussão e o tema fique para 2025, no mínimo —deixando as mudanças, na prática, apenas para 2026. Em 2024, o governo Lula (PT) vai priorizar o debate do projeto de lei do novo ensino médio no Congresso.
Segundo Alessio, o país precisa de um reajuste “sem imprevisibilidade e instabilidade”. O cálculo faz com que o aumento do piso seja de 33% em um ano, como foi em 2022, 14% em outro e menos de 4% em outro. “Essa oscilação não é benéfica para o professor, nem para o gestor público”, disse o presidente da Undime.
O reajuste aplicado em 2024 custará R$ 11 bilhões aos cofres municipais, diz Paulo Ziulkoski, presidente da CNM. Nos últimos três anos, o impacto dos aumentos “que não possuem lastro legal” chega a quase R$ 61 bilhões, afirma.
700 municípios não cumprem piso, diz deputada
Mais de 700 municípios não pagam o valor atual do piso dos professores. O levantamento da deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL-SP) foi feito com base em relatos de educadores.
“Desde que a lei foi implementada, são usadas justificativas para que o piso não seja cumprido”, afirma a deputada. Segundo ela, as casas legislativas têm o papel de fiscalizar — reprovando, por exemplo, as contas dos prefeitos —, mas não o fazem.
Ela e outros dois parlamentares psolistas, o vereador Celso Giannazi e o deputado Carlos Giannazi, entraram com representação no MPF (Ministério Público Federal) questionando a CNM. No texto, eles pedem que o órgão intervenha e impeça a entidade de publicar notas contra o reajuste do piso dos professores.
O documento cita também que o STF (Supremo Tribunal Federal) já se manifestou sobre a constitucional do critério de reajuste do piso. Os parlamentares pedem a instauração de um inquérito civil para obrigar a CNM a “se abster de divulgar tese manifestamente inconstitucional que incita gestores a descumprirem o piso salarial”.
Ao UOL, o presidente da CNM disse que a confederação não recebeu “qualquer notificação” do MPF sobre o questionamento dos parlamentares do PSOL.