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Finanças Públicas
Mais uma sombra sobre o arcabouço
Dentro da equipe econômica, a declaração do presidente Lula acendeu sinais de alerta, mesmo se tratando de fala política
14/03/2024
Valor Econômico

Por Lu Aiko Otta

 

Pode parecer estranho, neste momento em que se fala em bloqueio de despesas do Orçamento, mas não é impossível que o governo anuncie, em maio, uma expansão de gastos de R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões. Embora já previsto na lei do arcabouço, é algo que pode se misturar com as reações do governo ao cenário negativo mostrado por recentes pesquisas de opinião.

Se a arrecadação seguir forte como o visto neste início de ano e se for possível projetar, até dezembro, um resultado fiscal melhor do que um déficit de R$ 28 bilhões (o que indicará o cumprimento da meta dentro da margem de tolerância), poderá haver um crédito suplementar ao Orçamento.

São hipóteses bastante otimistas, mas consideradas factíveis por fonte da área técnica. É uma possibilidade válida apenas para este ano.

Essa expansão das despesas está no radar da equipe econômica desde o ano passado. Atualmente, vigora um limite menor apenas porque o Congresso não quis dar ao Executivo, de cara, a possibilidade de aumentar seus gastos no máximo permitido pela nova regra fiscal: 2,5% sobre o ano anterior

Numa interpretação camarada, integrantes do governo dizem que era a esse dispositivo especial do arcabouço que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se referia quando disse, na semana passada, que poderia discutir com o Congresso a elevação do limite de despesas. O uso O uso dos recursos extras passaria de fato pelo crivo do Legislativo.

Mas não foi todo mundo que entendeu assim. Dentro da equipe econômica, a declaração do presidente acendeu sinais de alerta, mesmo se tratando de uma fala política. Numa interpretação literal, ele poderia estar sugerindo a revisão da regra geral para despesas do arcabouço – e não sobre a especificidade de 2024. Nesse caso, teria atacado o ponto do arcabouço que garante despesas crescendo ao ritmo de 70% das receitas.

“Lógico que nós temos um limite de gastos, que quando a gente tiver mais dinheiro a gente vai ter que discutir com a Câmara e o Senado esse limite de gastos e vamos ver como é que a gente pode utilizar mais dinheiro para fazer mais benefício para o povo”, disse Lula.

A sombra de dúvida surge num momento em que as medidas propostas para elevar receitas estão surtindo efeito e dando corpo à regra fiscal. “Fundo exclusivo, que todos os governos tentaram desde 2017, veio acima do esperado, e offshore deve vir forte também no mês de abril”, diz o economista -chefe da AZ Quest, Alexandre Manoel. Ele avalia que o pacote para elevação das receitas, direcionado para remover distorções do sistema tributário, tem funcionado.

Também no governo, acredita-se que as novas regras de tributação para fundos exclusivos e fundos offshore trarão aos cofres públicos mais do que os R$ 20 bilhões previstos originalmente. Há quem fale em R$ 30 bilhões.

No entanto, acrescenta Manoel, o ajuste fiscal propiciado pelo novo arcabouço não pode ser feito só com receitas adicionais. “Vão ter de segurar a despesa e reformar algumas delas; se não fizer isso, arcabouço não se sustenta.”

Cortar despesas, porém, nada tem de popular. Se até agora a realização de eleições municipais em 2024 era um obstáculo de peso às pautas, o crescimento das avaliações negativas do governo pode intensificar ainda mais as dificuldades. O Ministério do Planejamento sinaliza com a revisão de programas como o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) e o seguro-defeso, além de um pente-fino nos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Do ponto de vista estrutural, porém, seria necessário enfrentar debates difíceis, como a revisão dos gastos mínimos com saúde e educação. Essas despesas crescem a um ritmo superior ao limite do arcabouço, por isso tendem a comprimir as demais áreas de governo.

Mesmo pelo lado das receitas, há pontos de dúvida. Houve frustração, por exemplo, com a arrecadação esperada com a volta do desempate, a favor do governo, nas disputas no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), aponta Manoel.

Além disso, as propostas mais recentes pelo lado das receitas estão sendo renegociadas. Da Medida Provisória (MP) 1.202, o governo já revogou a volta parcial da cobrança de contribuições previdenciárias sobre 17 setores intensivos em mão de obra, para reapresentá-la como projeto de lei. Parte da mesma MP, a revogação do Programa Emergencial para Recuperação do Setor de Eventos (Perse) foi trocada por uma revisão de seu escopo, para reduzir o valor da renúncia fiscal.

O único ponto que ainda não levantou resistências mais fortes no Congresso Nacional foi a limitação das compensações tributárias para empresas que têm mais de R$ 10 milhões a receber do governo. No entanto, o tema é acompanhado com atenção pelas grandes empresas. A medida já foi questionada no Supremo Tribunal Federal (STF).

Embora o retrato de momento mostre um quadro menos ruim do que o esperado para as contas públicas, o ajuste fiscal ainda está por ser construído. Mesmo sutil, o lançamento de dúvida sobre um de seus pilares de sustentação é mau sinal.