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Finanças Públicas
Relatório do BC aponta para o grande dilema das contas federais
Na visão do mercado expressa no relatório, não há perspectiva de estabilização da dívida pública nesta década
209/03/2024
Valor Econômico

Por Lu Aiko Otta

 

Ao avaliar o desempenho das contas do setor público no primeiro trimestre do ano, o Relatório de Inflação divulgado pelo Banco Central (BC) nesta quinta-feira aponta para o grande dilema das contas federais: por mais que a arrecadação tenha sido reforçada com a aprovação de uma série de medidas propostas ao Congresso Nacional, as despesas têm crescido em ritmo ainda mais forte.

O documento não emite conclusão do BC sobre esse quadro, mas cita a avaliação de analistas de mercado: a meta fiscal não deve ser cumprida este ano e os objetivos indicados para os anos seguintes serão também difíceis de atingir. Portanto, na visão do mercado expressa no relatório, não há perspectiva de estabilização da dívida pública nesta década.

O objetivo central do novo arcabouço fiscal é justamente estabilizar e depois reduzir a dívida pública como proporção do Produto Interno Bruto (PIB). Para tanto, é necessário que as contas do governo federal apresentem saldo positivo, o que não ocorre atualmente.

Pelos objetivos ambiciosos estabelecidos pela área econômica, o saldo positivo nas contas do governo central (conjunto formado por Tesouro, INSS e Banco Central) seria atingido no ano que vem, quando a meta deve ser um superávit fiscal equivalente a 0,5% do PIB.

Ainda assim, a estabilização da dívida levaria mais alguns anos. Segundo projeções divulgadas este mês pelo Tesouro Nacional, a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) só pararia de crescer de 2026 para 2027, ficando estacionada em 78,1% do PIB. Começaria a declinar em 2029.

Se a meta fiscal de 2025 será mesmo fixada em 0,5% do PIB – como vem sendo indicado desde quando a proposta do novo arcabouço foi apresentada ao Congresso Nacional, há um ano – é algo que se saberá no dia 15 de abril. Nessa data, será divulgado o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, cuja principal informação é justamente a meta fiscal do ano.

Do ponto de vista político, seria ruim para a credibilidade do arcabouço se fosse estabelecida uma meta pior do que 0,5% do PIB para 2025. Por outro lado, de nada adiantaria adotar esse objetivo ousado sem indicações concretas que indiquem condições mínimas de atingi-lo. É essa a discussão em curso na área econômica: se a meta “fica em pé”.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem repetido que o cumprimento das metas fiscais não são tarefa só do Executivo. Depende também de decisões do Congresso Nacional e do Judiciário que afetam as contas públicas.

Por conta da nova regra fiscal, o PLDO 2025 também trará em um de seus anexos a trajetória esperada para a dívida pública ao longo dos próximos dez anos, não necessariamente igual à recentemente divulgada pelo Tesouro. Nesse caso, a discussão entre técnicos gira em torno de o que é, afinal, um nível sustentável de endividamento.

O Relatório de Inflação registra que as contas do setor público (União, Estados, municípios e empresas estatais) pioraram em 2023 na comparação com 2022, por causa de uma “importante reversão” nas contas do governo central.

Em seu conjunto, o setor público saiu de um superávit de R$ 126 bilhões em 2022 para um déficit de R$ 249 bilhões. A piora está concentrada no governo central, que saiu de um saldo positivo de R$ 55 bilhões para um saldo negativo de R$ 265 bilhões. Na mesma comparação, Estados e municípios reduziram seu superávit de R$ 65 bilhões para R$ 18 bilhões . Nas empresas estatais, o resultado superavitário de R$ 6 bilhões deu lugar a R$ 2 bilhões negativos.

A piora nas contas do governo central é explicada pela Emenda Constitucional da Transição, que recompôs o orçamento, principalmente as verbas destinadas a programas sociais. Além disso, houve pagamento de R$ 92,4 bilhões em precatórios. No ano passado , as receitas líquidas recuaram 2,2% em termos reais. Já as despesas avançaram 12,5%.

Para 2024, há um esforço para reverter a queda nas receitas. O Relatório de Inflação registra que foram aprovadas diversas medidas, como a mudança na tributação de fundos de investimento exclusivos, trusts e fundos offshore, além de um novo tratamento para o impacto de subsídios concedidos por Estados no cálculo de tributos federais. Cita também que estão em tramitação outras medidas, como a reoneração parcial da folha salarial de 17 setores intensivos em mão de obra, a revogação parcial do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e a limitação às compensações tributárias.

“Há incerteza em relação à magnitude do impacto dessas medidas, que deve ser mais bem observada ao longo do ano”, diz o documento. No entanto, acrescenta, alguns resultados já puderam ser observados. Em janeiro, por exemplo, a tributação de fundos exclusivos ajudou a elevar a arrecadação em 6,9%. Porém, naquele mesmo mês, as despesas aumentaram 6,8%.

Esse é o dilema que se coloca para as contas públicas, principalmente as do governo central: as despesas estão numa trajetória de crescimento que tem se mostrado impossível de ser contrabalançada por aumentos na arrecadação.

Pior ainda: itens de grande peso no orçamento federal, como benefícios previdenciários e assistenciais, além dos gastos mínimos com saúde e educação, avançam numa velocidade que, se não for contida, reduzirá a zero o espaço para despesas discricionárias em menos de uma década, apontam as projeções elaboradas pelo Tesouro Nacional. Significaria paralisar diversas políticas públicas. Na prática, seria uma “implosão” do arcabouço.

O arcabouço contempla uma espécie de teto móvel de despesas. Permite que os gastos do governo aumentem num ritmo de 70% do crescimento das receitas no ano anterior.

O problema é que os principais grupos de despesas têm regras diferentes de reajuste. O salário mínimo, por exemplo, cresce conforme a inflação do ano e o crescimento do PIB de dois anos atrás. Tem, assim, um avanço real. Essa regra impacta o grosso dos benefícios previdenciários, além do abono salarial, do seguro-desemprego e os Benefícios de Prestação Continuada (BPC).

Do ponto de vista político, não há perspectiva de a política de valorização do salário mínimo, uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ser revista. Os técnicos mais otimistas acham que será possível, em algum momento, discutir se todos esses benefícios precisam ser atrelados ao piso salarial.

Esse, porém, é um debate que não verá a luz do dia antes das eleições de outubro. Da mesma forma, dificilmente serão colocadas sobre a mesa antes do final do ano as propostas para rever os pisos de despesas em saúde e educação. São debates delicados, ainda mais num ambiente politicamente polarizado e num momento em que o governo amarga avaliações negativas nas pesquisas de opinião.

Nesse meio tempo, as iniciativas de conter despesas obrigatórias são de caráter e resultados bem mais modestos. A revisão de gastos com a Previdência, por exemplo, renderá uma economia de até R$ 14 bilhões este ano, ante de um total de R$ 859 bilhões em despesas previdenciárias previstas para 2024. Outros itens pagos pelo INSS, como o seguro-defeso e o BPC, também serão objeto de revisão.

É pouco, porém, para dar um horizonte previsível para o comportamento das contas públicas e, mais do que isso, apontar para a estabilização e a queda do endividamento.

Nesta quinta-feira, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto repetiu que a autoridade monetária tem projeções para o resultado das contas públicas melhores do que as do mercado para este ano. Assim, em 2024, a política fiscal não deve ser uma surpresa negativa.

Porém, permanecem as preocupações quanto à trajetória da dívida, a estabilidade futura das contas públicas e como isso afeta o cenário de inflação. “O fiscal não ficou menos relevante”, afirmou.

Contas públicas desequilibradas aumentam as incertezas e deixam menos espaço para o corte na taxa de juros. Desde o início deste governo, com momentos melhores e piores, Haddad e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, têm ressaltado a importância de harmonizar as políticas fiscal (receitas e despesas) e monetária (juros).

Nesse sentido, o debate politicamente interditado para cortes nas despesas é má notícia.

No entanto, alguns sinais no sentido de uma atuação mais assertiva do governo em busca do equilíbrio fiscal e da contenção dos gastos poderiam ajudar. Seriam mais produtivos para a queda dos juros do que, por exemplo, os ataques do ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, que descreveu a atual política monetária como “burra” e sugeriu à diretoria do Banco Central estudar mais os fundamentos da economia.