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Finanças Municipais
Prefeitos de capitais miram eleição, gastam reserva e dobram investimentos
Dinheiro em caixa e operações de crédito ajudam a explicar disparada de obras pelas prefeituras
29/03/2024
Valor Econômico

Por Marta Watanabe

 

Caixa recheado e operações de crédito ajudaram as capitais a se transformar em canteiros de obras em 2023, sob influência das eleições municipais neste ano. Os investimentos no agregado de 23 capitais somaram R$ 31,2 bilhões em 2023, valor 45,1% maior, em termos reais, que os R$ 21,5 bilhões do ano anterior e mais que o dobro dos R$ 14,17 bilhões 2019, mesmo período dentro do ciclo eleitoral anterior.

O avanço no ano passado foi possível principalmente porque houve aumento de receitas de operações de crédito e os prefeitos usaram ao menos uma parte do valor em caixa, que entrou em 2023 com saldos altos em razão de superávits de anos anteriores. O desempenho do Imposto sobre Serviços (ISS), principal tributo municipal, também teve sua contribuição porque compensou, em alguns locais, a perda em repasses da União e dos Estados.

Os atuais prefeitos já começaram o mandato com maior disponibilidade de caixa. Ao fim de 2021, primeiro ano da gestão em curso, o saldo em caixa no mesmo grupo de 23 capitais somou R$ 18,63 bilhões, mais que o dobro dos R$ 7,17 bilhões ao fim de 2020. Em 2022 foram R$ 15,95 bilhões. Ao fim do ano passado, o saldo em caixa caiu para R$ 10,76 bilhões, mas ainda assim um valor considerado alto, quase dez vezes o total de R$ 1,09 bilhão ao fim de 2019, quatro anos antes. Os valores são todos atualizados para janeiro de 2024, pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Os números foram coletados a pedido do Valor pelo Compara Brasil, portal que reúne dados dos relatórios fiscais entregues pelas prefeituras à Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Para mensurar investimentos, foram consideradas as despesas empenhadas. Os dados de caixa são o da disponibilidade de recursos não vinculados e após descontados os restos a pagar não processados. O critério foi usado para refletir de forma mais conservadora os recursos livres, explica Alberto Borges, economista do Compara Brasil.

“A evolução dos dados de caixa mostra que o cenário para investimentos dessas prefeituras nunca foi tão bom”, diz Tânia Villela, também economista do Compara Brasil. O desafio, observa ela , é ter capacidade de execução e projetos. A redução do volume de caixa de 2022 para 2023, segundo, Borges, mostra que houve “queima de reservas” devido ao ciclo eleitoral.

“A realidade é completamente diferente da do mandato anterior, que veio de um período de crise da economia brasileira e com a pandemia no último ano. Hoje os prefeitos das capitais estão com entrega de investimentos muito maior, o que é um ingrediente importante das eleições municipais. O mandato atual teve dinheiro em caixa e em tudo que é canto as prefeituras estão consertando o asfalto”, observa Borges.

Alta em investimentos chegou a 190% em 2023

Investimento empenhado por capital*

 

Capital                                2023                     2023/2019 (%)

                                                 R$ bilhões

Aracaju-SE                          0,41                           201,00

Belo Horizonte-MG            1,15                             21,00

Belém-PA                             0,35                             38,90

Boa Vista-RR                      0,15                            -52,50

Campo Grande-MS            0,43                             51,70

Curitiba-PR                        1,17                            256,50

Florianópolis-SC                0,41                              44,00

Fortaleza-CE                      1,08                              16,60

Goiânia-GO                        0,41                             -35,30

João Pessoa-PB                  0,26                               84,60

Macapá-AP                        0,41                              193,00

Maceió-AL                         0,78                           1.166,50

Manaus-AM                       1,17                                  4,60

Natal-RN                            0,36                              199,00

Porto Alegre-RS                0,53                                95,70

Porto Velho-RO                0,28                                74,60

Recife-PE                           0,88                                55,60

Rio de Janeiro-RJ             4,08                               288,60

Salvador-BA                      1,50                                 74,20

São Luís-MA                     0,17                                -49,90

São Paulo-SP                   14,42                               213,10

Teresina-PI                       0,44                                    0,50

Vitória-ES                         0,37                                  99,30

Fonte: Relatórios fiscais das prefeituras, com elaboração do portal Compara Brasil.*Foram consideradas capitais com dados para todas as variáveis comaparadas. Foram excluídos da base Cuiabá, Palmas e Rio Branco. Valores corrigidos pelo IPCA para janeiro de 2024

 

O levantamento mostra também que as operações de crédito se ampliaram e funcionaram como fonte importante de financiamento para os investimentos. Essas receitas somaram nas 23 capitais R$ 8,41 bilhões em 2023 ante R$ 3,22 bilhões no ano anterior. Em 2019, foram R$ 4,39 bilhões, sempre com valores atualizados para janeiro deste ano.

“Os investimentos das capitais devem se manter altos em 2024, porque há o ciclo eleitoral e ainda existe folga em caixa. E os municípios fizeram muita operação de crédito para financiar isso”, diz Giovanna Victer, secretária de Fazenda de Salvador.

Ela lembra que esse quadro traz um primeiro impacto que tende a ser negativo no resultado primário dos municípios. Isso porque as receitas de operações de crédito são ingressos financeiros, e não entram no cômputo das receitas primárias. O mesmo acontece com o uso de superávits anteriores, que estão em caixa, porque eles compuseram as receitas primárias de períodos passados. Os investimentos do exercício, porém, seja quando financiados por operações de crédito, seja por recursos próprios do ano corrente ou de períodos anteriores, são despesa primária. “Então é preciso olhar isso como um filme e não como um retrato.”

A gestão atual, lembra Victer, teve o primeiro ano, de 2021, comprometido ainda com a pandemia, e a execução de parte das despesas foi adiada. No ano seguinte, em 2022, houve receitas elevadas, inclusive de repasse da União e do ICMS dos Estados. Além disso, o gasto com pessoal ficou restrito até o fim de 2021, porque a Lei Complementar 173/2020 limitou o reajuste de servidores e contratações no setor público, recorda.

“A combinação de despesa muito represada e receita elevada gerou muito caixa para as prefeituras. É natural que agora façam investimentos com o dinheiro em caixa porque a função principal das prefeituras é oferecer serviços e buscar o bem-estar na cidade. A disponibilidade em caixa é como uma poupança. Eu quero reformar a cozinha, então vou poupar. 2023 foi o ano de reformar a cozinha para se ter o bem-estar e em Salvador isso foi planejado”, compara a secretária. Segundo os dados levantados, em Salvador os investimentos em 2023 somaram R$ 1,5 bilhão, com alta de 30,7% ante 2022. Em 2019 foram R$ 860 milhões.

Rodrigo Fantinel, secretário de Fazenda de Porto Alegre, lembra que na capital gaúcha o quadro atual difere muito do que vigorou no mandato anterior. No período mais recente, os recursos livres em caixa em Porto Alegre vieram somente desde 2021. No anos anteriores, pelo menos de 2018 a 2020, a disponibilidade de caixa era negativa, recorda.

O quadro de recursos livres em caixa, conta Fantinel, contribuiu para o município lançar no ano passado, com base também nos resultados do exercício, um plano para aceleração de investimentos. “A ideia foi destinar as sobras financeiras para investimentos. Não somos banco, não estocamos dinheiro. Nós convertemos dinheiro em serviços públicos.”

“É preciso manter recursos em caixa em nível que permita ter lastro para endividamento, para estar protegido em momentos de choque e poder garantir o pagamento de fornecedores e funcionários e, por último, para fazer investimentos”, diz Victer, de Salvador. “A arte da decisão política é ponderar esses três fatores.” A disponibilidade de caixa de Salvador ao fim de 2022 foi de R$ 1,25 bilhão. Ao fim do ano passado foi de R$ 682 milhões.

As cidades em geral, diz Victer, enfrentam pelo menos três demandas mais fortes por investimentos, diz. “São investimentos para mitigação do impacto das mudanças climáticas, para segurança e para mobilidade e transporte público.”

No topo do ranking das capitais com a maior taxa de crescimento de investimento em 2023 ante 2022, está Maceió. O aumento de 190,1% na capital alagoana vem seguido por Aracaju e por Vitória, com aumentos de 132,7% e 112,9%, respectivamente, pelos dados do levantamento.

A prefeitura local divulgou em comunicação oficial de fevereiro deste ano que parte da capital foi transformada em “canteiro de obras”, com investimentos em pavimentação, recapeamento asfáltico, proteção e contenção de barreiras e revitalização de áreas de lazer, entre outros. Pelos dados levantados, os investimentos de Maceió chegaram a R$ 784,1 milhões no ano passado, ante R$ 270,3 milhões em 2022 e R$ 61,9 milhões em 2019.

O secretário de Fazenda de Maceió, João Felipe Borges, afirma que há um momento de “entusiasmo” no município. O aumento de investimentos da prefeitura, diz, não aconteceu apenas em termos absolutos, mas também em relação às receitas. No ano passado, relata, Maceió teve o equivalente a 18,9% da Receita Corrente Líquida (RCL) destinada a investimentos e nesse critério fechou 2023 com o segundo melhor indicador entre as capitais. “Em 2018 e 2019, o município estava na última posição nessa classificação”, lembra.

“Corrigido pela inflação, o investimento de 2023 é o maior dos últimos 20 anos”, diz. Para 2024, a estimativa, destaca, é que os investimentos fiquem no mesmo nível de 2023, com meta de chegar a R$ 1 bilhão.

Segundo ele, a prefeitura tem condições fiscais para o avanço nos investimentos. A expectativa de crescimento da arrecadação própria em 2024 é de cerca de 5% reais. E a prefeitura, diz, deve executar neste ano parte das receitas de empréstimos que entraram no ano passado.

As receitas de operação de crédito somaram R$ 150,4 milhões na capital alagoana em 2023, 61% a mais que em 2022. Além disso, diz o secretário de Maceió, outros financiamentos estão sendo negociados. E isso não deve comprometer o quadro de ajuste do município, diz. “Temos uma folga porque ao fim desse ciclo de operações de crédito a expectativa é ficar com endividamento [valor da Dívida Consolidada Líquida] próximo a 40% da RCL.” O limite previsto pela Lei de Responsabilidade Fiscal para as prefeituras é de 120% da RCL.

Em Aracaju, conta o secretário de Fazenda do município, Jeferson Passos, os investimentos no ano passado tiveram 60% do valor financiado por operações de crédito. O restante foi coberto parte por superávits anteriores em caixa e parte por recursos do próprio exercício.

Na capital sergipana, diz, houve um ganho de velocidade na elaboração e projetos de investimentos nos últimos anos. Em 2023 a prefeitura de Aracaju investiu R$ 409,9 milhões, ante R$ 176,2 milhões em 2022 e R$ 136,2 milhões em 2019. “Este ano vamos bater novo recorde com algo em torno de R$ 500 milhões”, diz ele. A parcela financiada por operações de crédito deve aumentar para 70%, diz. Essas receitas em 2023 somaram R$ 201,4 milhões em Aracaju. Em 2022 foram R$ 73 milhões.

Passos também ressalta o baixo endividamento do município, que é de 30% da RCL. “Os investimentos em infraestrutura beneficiam a arrecadação própria. Alavancam o IPTU [cobrado sobre propriedade de imóveis urbanos] e ITBI [sobre venda de imóveis] de imediato, com a valorização de imóveis, e ajudam a atrair mais turistas e negócios privados”, destaca.

Os dados mostram que as capitais quebraram recordes de investimento em todo país. “Em 2023, a prefeitura de Porto Alegre ultrapassou pela primeira vez a marca de meio bilhão de reais em investimentos”, diz Fantinel, da Fazenda da capital gaúcha. Para 2024, diz, “há espaço para crescimento”. No ano passado os investimentos de Porto Alegre somaram R$ 525,2 milhões. A alta, de 6,4%, foi relativamente modesta ante 2022, embora bem maior contra os R$ 268, 4 milhões em 2019.

A expectativa de manter investimentos em alta em 2024 vem do bom desempenho das receitas, diz. Fantinel projeta crescimento de pelo menos 8% das receitas, incluindo tributos próprios e transferências. Além disso, relata, a prefeitura pretende destravar operações de créditos significativas antes do período de restrição eleitoral de 2024, o que também deve garantir uma “situação boa” para o próximo mandato.

Em termos absolutos, São Paulo, cidade mais populosa do país, foi a campeã em investimentos em 2023. Foram R$ 14,4 bilhões ante R$ 9,4 bilhões em 2022 e R$ 4,6 bilhões em 2019. Em nota, a Fazenda paulistana diz que o crescimento dos investimentos ao longo dos últimos anos e o recorde histórico previsto para 2024 são resultado da eficiência na gestão. Operações de crédito em andamento, diz a nota, também devem ajudar a sustentar o aumento esperado para este ano.