Por
Simone Goldberg
A falta ou insuficiência de saneamento básico – água, coleta e tratamento de esgoto e recolhimento e destino adequado de lixo – provoca despesas bilionárias ao Serviço Único de Saúde (SUS) com atendimento e tratamento de doenças evitáveis, como diarreias, hepatite A, leptospirose e micoses. Somente com as 612 mil internações devido a doenças relacionadas à falta de infraestrutura sanitária suficiente, o SUS gastou mais R$ 1,1 bilhão no ano passado.
Os dados, diz o presidente da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) e ex-ministro da Saúde, Arthur Chioro, consideram as chamadas doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado (DRSAI) e outras patologias ligadas direta ou indiretamente a questões de água e esgoto. “No total, chega-se a 99 códigos na Classificação Internacional de Doenças”, aponta ele.
Especialistas em saúde, como Chioro, observam que é preciso orçamento público para prover a universalização da infraestrutura sanitária. De acordo com o IBGE, 24% dos brasileiros (49 milhões de pessoas) vivem em residências sem descarte adequado de esgoto, 9% (18 milhões) não contam com coleta de lixo, 3% (6 milhões) não tinham abastecimento de água adequado e 0,6% (1,2 milhão) não possuem banheiro ou sanitário. Os números diferem daqueles do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) – que considera que 46% da população não tem coleta de esgoto – por diferenças de metodologia.
Chioro ressalta o papel indutor do Estado em determinadas áreas e observa que a privatização é uma opção, mas “não é e nunca será a única em um país tão desigual como o nosso”. Ele defende orçamento público suficiente para dar conta das necessidades do setor.
O baque nas despesas totais do SUS, provocado pela ausência ou deficiência no saneamento, diz o pesquisador da Fiocruz Minas Gerais Leo Heller, não é simples de estimar, devido à complexidade das relações entre saúde e saneamento. “No entanto, o custo para o país e para a economia familiar é muito mais alto”, diz. Ele aponta para um conjunto de gastos, que abrange atendimento ambulatorial – em quantidade muito maior do que as internações, em virtude das características dessas doenças -, medicamentos adquiridos pelo SUS e pelas famílias, tempo produtivo perdido, entre outros impactos.
A eliminação do déficit brasileiro em saneamento, segundo Heller, dificilmente ocorrerá somente via iniciativa privada. “Estudos internacionais vêm mostrando isto com clareza. Países que alcançaram a universalização dos serviços só o conquistaram com massivos investimentos públicos”, destaca. Isso porque, acrescenta, as empresas em geral procuram maximizar seus lucros e não os reinvestem para atender populações com baixa capacidade de pagamento.
“Se houvesse investimento adequado e permanente, o SUS poderia se concentrar nos cuidados a agravos e doenças não evitáveis”, diz a professora de saúde coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Lígia Bahia. Ela lembra um cálculo estimado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e citado por sanitaristas: cada R$ 1 investido em saneamento proporciona uma economia de R$ 4 em ações de saúde pública.
Para a professora, é preciso acelerar os investimentos para melhorar o saneamento e reduzir incidências de doenças evitáveis e morbidade provocada por elas. Ela defende uma composição entre iniciativa privada e Estado para alcançar as metas determinadas pelo Marco Legal do Saneamento. Entre elas estão coleta e tratamento de esgoto para 90% da população e oferta de água potável para 99% dos brasileiros até 2033.
Além disso, lembra Bahia, o sexto dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas (ONU), é alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados e equitativos para todos em 2030. “Estamos em março de 2024. Ou aumentamos o ritmo ou ficaremos para trás”, destaca ela.
O governo lançou, este ano, o programa Brasil Saudável, reunindo 14 ministérios, visando eliminar ou reduzir, como problema de saúde pública, 14 doenças que acometem, principalmente, populações mais vulneráveis socialmente. Ampliar ações de infraestrutura e de melhoria do saneamento básico e ambiental é uma das diretrizes do programa, uma vez que muitas dessas enfermidades estão relacionadas à escassez desse serviço. A iniciativa está alinhada à agenda 2030 ODS da ONU.
O Ministério da Saúde informa que não há um orçamento específico apenas para ações de saúde relacionadas a saneamento e que, em 2024, a Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente – responsável por temas que envolvem a questão sanitária – tem orçamento de R$ 15,8 bilhões.
Em junho do ano passado, a pesquisa “Carga de Doenças Atribuídas a Más Condições de Água, Saneamento e Higiene”, divulgada pela OMS, revelou que 69% de todas as mortes por diarreia no mundo em 2019 – ano base dos dados do levantamento – ocorreram pela ausência desses serviços. Outras cerca de 350 mil pessoas morreram devido a higiene precária das mãos, que levaram a infecções respiratórias graves. O trabalho indica que metade da população mundial não tem acesso à água potável, saneamento e higiene.