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Meio Ambiente
No contrassenso
Nada parece mais determinante das condições de vida de futuras gerações do que a necessidade de direcionar o progresso tecnológico
23/08/2024
Valor Econômico

Por José Eli da Veiga

 

Permitir que as futuras gerações possam desfrutar de qualidade de vida comparável à de hoje é o mais severo dos dilemas morais. Uma ambição irrealizável se não for possível superar muitas das adversidades trazidas por oitenta anos de inédita prosperidade. Pois obtida por crescimento econômico tão acelerado quanto cego.

Além da piora de várias desigualdades sociais, os mais negativos retornos da chamada “Grande Aceleração” foram erosões ecossistêmicas. Causadoras do aquecimento global, da perda de biodiversidade e das consequências das colossais poluições, especialmente para a água doce e para os oceanos.

Sem amenizar tais erosões, nenhuma esperança de melhoria das condições de vida poderá surgir. Daí, o pessimismo incitado pelas evidências científicas dos nefastos impactos socioambientais de valorizadíssimos comportamentos coletivos e individuais. Fecham as portas a um mundo que não seja pior que o atual.

É grave equívoco supor que sejam passageiras as já recorrentes canículas. Até onde é possível avistar, só vão piorar

Entretanto, não há como excluir a possibilidade de eventual emergência e florescimento de alternativas menos nocivas – e até virtuosas! – para as sociedades e os ecossistemas. Poderá surgir caminho para futuro menos sombrio se a sobriedade for estimulada pela desaceleração das atividades econômicas responsáveis pelos piores prejuízos sociais e ambientais.

O problema é que – mesmo em cenário tão otimista -, ao menos uma tendência se revela indomável: o aumento das temperaturas da superfície da Terra. Seria um grave equívoco supor que sejam passageiras as já recorrentes canículas. Até onde é possível avistar, só vão piorar.

Sim, é verdade que há fortíssima correlação com as emissões de carbono, especialmente as dos combustíveis fósseis. As subidas de temperatura têm sido bem mais rápidas em períodos em que a demanda por petróleo está em ascensão, fazendo o seu preço subir. Só desaceleram em períodos de recessão da economia global.

Então, não parece haver dúvida de que a sorte das futuras gerações dependerá muito da promoção das energias renováveis. Que exigirá a conversão dos escandalosos recursos ainda consagrados a subsidiar as fósseis em incentivos à exploração mais direta da energia solar.

Porém, tão difícil mudança institucional só tornará menos rápidos os futuros aumentos de temperatura. Estancá-los não é algo que – até o momento – possa sequer ser aventado. Ainda menos sonhar com quedas refrescantes. A temperatura é tida como “a exceção catastrófica” nas mais otimistas avaliações estatísticas sobre as tendências econômicas, sociais e ambientais.

A isto deve ser acrescentado o mísero desempenho da governança ambiental global. Por enquanto, mal avançou no âmbito da camada de ozônio. Por mais que se aposte num fim da aceleração iniciada em 1945-1950, o mais provável é que, por muito tempo, os ecossistemas ainda continuem demasiadamente pressionados.

Amplificam-se e sincronizam-se ao aquecimento global, as perdas de biodiversidade, as poluições e inúmeros tipos de lixo, que atiçam conflitos por territórios e recursos naturais, deslocamentos populacionais e deteriorações da saúde.

Até o presente, não é possível saber como a inteligência artificial influenciará as decisões. Em todo caso, a procura por minerais críticos, impulsionada pelas tecnologias de energia renovável, tende a aumentar com rapidez e poderá ter enormes influências na poluição, assim como na segurança alimentar e hídrica.

Tais pressões estendem-se às profundezas do mar, aos confins da atmosfera e até ao espaço exterior. Mudança crítica que cruza com outros sinais tecnológicos, incluindo o rápido crescimento da atividade espacial e dos detritos orbitais, assim como a possível implantação de tecnologias de Modificação da Radiação Solar (SRM), também conhecida como ‘geoenghenharia solar’.

Então, nada parece mais determinante das condições de vida de futuras gerações do que a necessidade de direcionar o progresso tecnológico. Por mais complicados que se mostrem os requisitos sociopolíticos de tamanha ambição histórica.

Admitir o contrário – que os avanços tecnológicos sejam ingovernáveis – só pode levar ao fatalismo sobre a impossibilidade de um futuro menos pior. É verdade que, por ora, só se consegue limitar previsíveis estragos das novidades. Mesmo assim, pode estar sendo um aprendizado social para arranjos institucionais respondam ao desafio.

Dois documentos são vivamente recomendáveis a quem se preocupe com o maior dilema moral contemporâneo. Apresentando evidências suficientes para que se pense que o Antropoceno não será inevitavelmente trágico.

Por um lado, a otimista contribuição de Danny Dorling, professor de geografia humana de Oxford – www.dannydorling.org – no livro “SLOWDOWN – The End of the Great Acceleration and Why It’s Good for the Planet, the Economy and Our Lives” (Yale U.P.). Apresentando evidências suficientes para que se pense que o Antropoceno não será inevitavelmente trágico.

Por outro, o relatório é o Navigating New Horizons, publicado, em julho de 2024, pelo Programa Meio Ambiente da ONU (UNEP) e já comentado neste mesmo espaço por Ricardo Abramovay (02/08/24). Destacando dezoito sinais de que o mundo está caminhando no contrassenso.