Por Lucianne Carneiro e Marta Watanabe
Em ano de eleições e de mercado de trabalho em alta, o número de pessoas ocupadas no setor público atingiu recorde no trimestre encerrado em julho, com 12,695 milhões de pessoas. Nos dados para o segundo trimestre, no qual há informação por esfera de governo, o ritmo de aumento de vagas frente ao primeiro trimestre foi de 8,3% nos municípios, mostra levantamento do economista da LCA Consultores Bruno Imaizumi, a partir da Pnad Contínua.
O número de 7,4 milhões dos servidores municipais também é recorde, com expansão de trabalhadores tanto entre os servidores estatutários quanto entre os que trabalham com carteira assinada ou sem carteira. As esferas federal e estadual também registraram aumento, mas em velocidade bem menor, de 1% e 1,5%, respectivamente. Em termos absolutos, os municípios responderam por quase 90% das 641,1 mil vagas geradas em todo o setor público do primeiro para o segundo trimestre, parcela bem maior que a fatia de 58,7% que têm no total dos funcionários públicos.
Aumento do pessoal ocupado como um todo no mercado de trabalho, também em nível recorde, influência do calendário eleitoral, afrouxamento fiscal após 2021, receitas favoráveis aos municípios em 2022 e 2023, que contribuíram para investimentos em equipamentos e serviços que agora precisam de servidores; demanda represada por restrições legais para para contratação em 2020 e 2021; ampliação da oferta de serviços públicos, aumento de recursos via as chamadas emendas pix e pressão de gastos por envelhecimento da população são algumas das explicações apontadas por economistas e secretários de Fazenda de municípios para o movimento.
Especialistas apontam o aumento do número de servidores como ponto de alerta em cenário de restrição fiscal. Isso é intensificado pelo fato de a retomada das contratações ocorrer antes da reforma administrativa, que deve elevar a eficiência do setor a longo prazo. No caso dos municípios, há aumento de pessoal ocupado, acompanhado por alta dos gastos com funcionalismo como proporção do PIB nos últimos anos.
“Temos um mercado de trabalho brasileiro aquecido, que colabora para o aumento de servidores. Todas as esferas de governo têm aumento, mas o que chama atenção é esse recorte para os municípios”, diz Imaizumi, responsável pelo levantamento a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Além do aquecimento do mercado de trabalho, algumas hipóteses, segundo ele, podem estar por trás desse movimento. Uma delas é o desejo de prefeitos se reelegerem ou elegerem seu sucessor, e há um prazo para gastos pelo calendário eleitoral. Outra influência vem de uma situação fiscal mais favorável dos municípios no início do ano passado, o que permitiu uma contratação maior de funcionários.
A administração pública reúne tanto os servidores estatutários – contratados por concurso público – quanto aqueles com carteira assinada – ligados a uma empresa, como os Correios – e aqueles sem carteira. Neste caso, são trabalhadores empregados por contratos de designação temporária, que são classificados dentro do setor formal por terem algum tipo de proteção, como direito a 13º salário e férias remuneradas (no caso de contratos acima de um ano). Prefeituras costumam usar este recurso, por exemplo, para contratar professores, auxiliares e merendeiras para escolas de ensino fundamental.
Imaizumi também vê uma possível influência das chamadas emendas pix, formalmente conhecidas como transferências especiais. O mecanismo permite o repasse de recursos diretamente para Estados e municípios, sem necessidade de formalização de convênio. As estatísticas mostram que os municípios são os principais beneficiados por esses repasses, aponta a economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória. Pela legislação, esses recursos não podem ser usados para pagamento de pessoal, mas economistas apontam a possibilidade de rearranjo dos gastos.
Como Imaizumi, Rafaela Vitória também inclui a expansão de funcionários do setor público como parte de um contexto macroeconômico, de melhora do emprego. Isso também significa, no entanto, alta dos gastos públicos, destaca a economista, que mostra preocupação sobre esse movimento, especialmente diante das restrições orçamentárias do país. Após um período de ajuste fiscal, há uma tendência de aumento dos trabalhadores do setor público desde 2021.
“Houve afrouxamento fiscal em 2022, quando se furou o teto de gastos. Depois, em 2023 e 2024, com o novo arcabouço, permite-se voltar com esse gasto. Após anos trabalhando num ajuste de pessoas no setor público, agora a volta do aumento de gastos permitiu que o setor público acelere as contratações, o que não é positivo”, defende Vitória.
Bráulio Borges, economista da LCA Consultores e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), lembra que ao longo do tempo, numa série mais longa e que olha os gastos como proporção do PIB, as despesas primárias com remuneração de empregados no conjunto dos municípios também têm aumentado enquanto os da União caíram, e os dos Estados, de forma agregada, ficaram praticamente estáveis.
Os dados construídos pelo Observatório de Política Fiscal do Ibre a partir de divulgação do Tesouro Nacional mostram dados desde 1986 para a União, explica Borges. “É possível ver que o gasto primário com funcionalismo do governo federal subiu até meados da década de 2000 em proporção do PIB e, desde então, vem numa trajetória de queda, embora não seja monotônica. Houve alguns momentos em que essa relação aumentou, principalmente quando em 2015 e 2016, por exemplo, em que o PIB encolheu, o denominador acabou fazendo maior diferença. Mas, de um modo geral, o que vemos é que essa despesa está hoje chegando em pouco dos 3% do PIB no governo federal, quando já chegou a ser quase 5% no pico”, aponta Borges.
No caso dos governos regionais, as séries começam em 2010 e as trajetórias são bem divergentes em relação ao que se vê para a União, diz o economista. “No agregado dos Estados, vemos que houve uma alta até meados da década de 2010 e desde então há trajetória de queda modesta. Vimos queda grande em 2021, 2022, por causa da restrição à contração de servidores como contrapartida aos recursos extraordinários transferidos pela União para combater os efeitos econômicos da pandemia de covid-19. Mas, de um modo geral, a despesa primária com funcionalismo dos governos estaduais, em porcentagem do PIB, está mais ou menos parecida com o que estava lá em 2010, por exemplo, em torno de 4,3% do PIB”, diz.
Situação fiscal favorável e eleições influenciaram alta nas contratações”
— Bruno Imaizumi
Os que mais destoam, observa Borges, são os municípios, que no agregado vêm numa trajetória ascendente bastante evidente, com despesa com remuneração de empregados aumentando de menos de 3,5% em 2010 para pouco mais de 4,3% do PIB no ano passado.
Para Vitória, ainda que o desempenho seja diversificado no setor público, com áreas de excelência, há espaço para aumento de eficiência, inclusive pelo modelo de contratação ser ineficiente por natureza. “Aumentar o número de trabalhadores não significa que está fazendo boas contratações, ainda mais porque ainda não foi feita a reforma administrativa, importante para melhorar a eficiência a longo prazo, com incentivos para o desempenho dos trabalhadores. Então há um ponto de atenção nesse sentido”, diz a economista-chefe do Banco Inter.
O avanço das despesas de pessoal nos municípios, diz Borges, enseja bastante preocupação. “Ainda mais quando vemos, por exemplo, a discussão do projeto que muda a Lei de Responsabilidade Fiscal, que agora tramita no Senado, já aprovado na Câmara dos Deputados, que flexibiliza a contabilização do que se considera como gasto com o pessoal.” Borges se refere ao substitutivo da deputada Nely Aquino (Pode/MG) para o PLP 164/12. “É um projeto que permite não considerar como gasto com pessoal, por exemplo, a contratação de alguns terceirizados.” Ele lembra que isso vem num momento de ampliação do uso de arranjos diferentes, como da Parceria Público-Privada.
Secretários municipais de Fazenda atribuem a expansão de trabalhadores principalmente à ampliação dos serviços públicos, especialmente em áreas como saúde, educação e assistência social. Titular da pasta em Salvador, Giovanna Victer lembra ainda a restrição de contratação de pessoal após o início da pandemia, referindo-se à Lei Complementar 173/2020, que restringiu a contratação de servidores até dezembro de 2021 e criou uma demanda represada. Segundo ela, o ciclo eleitoral não deveria explicar o aumento de gasto em pessoal, em tese.
“Mas o ciclo eleitoral responde, por exemplo, a investimentos, a obras. É possível que a entrega de equipamentos maturados nos últimos anos nas áreas de saúde, educação e assistência levem a essas contratações. Há uma maturação e fortalecimento das redes de atenção básica, em saúde, educação, assistência social. Na verdade, os serviços sociais estão se ampliando cada vez mais” argumenta Victer.
O secretário de Fazenda de Aracaju, Jeferson Passos, atribui o aumento de contratações a longo prazo às áreas de educação e saúde. “Houve contratação de professores, principalmente educação infantil, em que são necessários mais profissionais por aluno. No caso da saúde, houve aumento de cobertura, com mais equipes para saúde da família, então mais profissionais contratados. São esses dois grandes movimentos que explicam o aumento de contratações em um prazo mais longo”, diz.
No caso do Nordeste, lembra Passos, a demografia ainda exige ampliação de vagas em creches. Em outros lugares, pondera Imaizumi, o envelhecimento da população também pode já estar influenciando a demanda por profissionais em serviços voltados para os mais velhos.
Borges lembra que, embora tenham assumido muitas responsabilidades do ponto de vista de políticas públicas, principalmente na parte de educação e saúde, os municípios brasileiros recebem muitos repasses da União. E não se trata somente do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que é um recurso obrigatório e que teve a cota de transferência para as prefeituras elevada nos últimos anos, diz. “O Fundeb, de recursos para educação, dobrou de tamanho”, exemplifica o economista.