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Finanças Públicas
Eleições e pressão sobre o ajuste fiscal
Resultado vai testar resolução do presidente Lula em apoiar o projeto do ministro da Fazenda, Fernando Haddad
03/10/2024
Valor Econômico

Por Lu Aiko Otta

 

O resultado das eleições de domingo ajudará a traçar os contornos do terreno em que dois projetos de governo se digladiarão ao longo dos próximos meses: o que busca melhorar o ambiente macroeconômico a partir do equilíbrio fiscal e o dos “tempos áureos do PT”.

Quanto pior for o resultado para o governo, mais testada será a resolução do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em apoiar o projeto do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Os encontros de Lula com integrantes das agências de classificação de risco durante sua passagem por Nova York reforçaram seu apoio um projeto que se propõe, ainda que gradualmente, a estabilizar a dívida pública brasileira e a recuperar o “investment grade” até o fim de 2026.

Como a indicar o acerto dessa opção, a agência de classificação de risco Moody’s elevou ontem a nota de risco do Brasil, deixando-a a apenas um passo do grau de investimento.

O upgrade veio após semanas de pesadas críticas de analistas brasileiros à condução das contas públicas.

A agência aponta para o elevado grau de endividamento e de despesas com juros. Aponta também para a rigidez nas despesas, que minam a credibilidade da política fiscal.

Está aí um conflito dentro governo. Ministros ainda sonham com a volta dos “tempos áureos”, quando vigorava a máxima “gasto é vida”.

Lula escolheu um lado em julho, quando autorizou a equipe econômica a congelar R$ 15 bilhões do Orçamento deste ano, a cortar R$ 25,9 bilhões em benefícios sociais em 2025 e a elaborar propostas para conter despesas e garantir um Orçamento mais sustentável de 2026 em diante.

Desde então, tem sido assim: pararam as críticas ao ajuste fiscal. A área econômica, por sua vez, opera com cuidado para não esticar demais a corda, pois falta espaço político dentro e fora do governo para medidas mais contundentes de contenção de gastos.

É nesse equilíbrio frágil que se concentram as atenções de especialistas em contas públicas. O espaço cada vez menor no Orçamento é terreno fértil para a criatividade contábil.

Isso explica a reação do mercado à proposta de ampliação do auxílio-gás por meio de um arranjo que passava ao largo do Orçamento. Depois da repercussão ruim, Lula mandou acabar com o drible.

As críticas à expansão do auxílio-gás incorporam uma onda de mau humor com a condução das contas públicas que parece ter surpreendido a equipe econômica.

No dia 5 passado, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, havia dito a este jornal que esperava “virar a chave” da incerteza quanto à manutenção do arcabouço e do cumprimento das metas fiscais em 20 de setembro, com a divulgação das novas projeções de receitas e despesas deste ano.

Não foi o que se viu. Os números foram chamados de “matemágica” por Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos. Outros analistas também criticaram.

No dia 23, na entrevista em que as novas projeções fiscais foram detalhadas, o número dois do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, expressou “incômodo” da equipe econômica com a reação do mercado. Naquele dia, juro e dólar estavam em alta.

Foi atacada principalmente a decisão do governo de descontingenciar R$ 3,8 bilhões em despesas, num quadro em que o resultado primário projetado para o ano, sem descontos e tolerâncias, alcança os R$ 68,8 bilhões negativos.

O descontingenciamento, disse Ceron em entrevista ao Valor, é imposição da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Havendo receitas para cumprir a meta, não é possível segurar despesas.

Não está especificado na lei se o resultado a ser buscado é o centro da meta, zero, ou a margem de tolerância, um déficit de até R$ 28,8 bilhões. Por isso, optou-se por não dar um aperto exagerado nos ministérios.

De toda forma, afirmou Ceron, não há descontrole nas despesas. Elas fecharão o ano em 19% do Produto Interno Bruto (PIB), incluídos os R$ 40,5 bilhões em créditos extraordinários para calamidades. É o mesmo nível do período pré-pandemia, em governos liberais, compara.

Ceron, Durigan e Haddad têm repetido que as agruras de 2024 derivam da decisão legítima do Congresso de manter o Perse e a desoneração da folha este ano e de não aceitar a medida de compensação proposta pela pasta, que era a limitação do uso de créditos do PIS/Cofins. Não fosse por isso, o resultado deste ano estaria R$ 40 bilhões melhor.

Registram também que o governo saiu de um rombo de R$ 230,5 bilhões em 2023 para R$ 68,8 bilhões negativos. Por isso 2024 é chamado um ano de transição. E o próximo?

“O próximo ano será de contenção fiscal”, afirmou um integrante da Fazenda. “A economia não precisa de mais estímulo fiscal.”

Recomendação central dos especialistas, ajustes estruturais pelo lado das despesas serão propostos ao Congresso Nacional. Haddad contou ter discutido o tema com Lula em Nova York. Uma primeira medida poderá ser apresentada ainda em 2024, após as eleições.

O próximo ano exigirá maturidade e discussões racionais e objetivas. Sem avanços nesse campo, o grau de investimento não virá e Lula corre o risco de chegar a 2026 sob pressão do mercado.

 

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