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Para Brasil ter juros mais baixos de maneira duradoura, é preciso um choque fiscal, diz Campos Neto
Segundo o presidente do Banco Central, há uma falta de confiança em parte do mercado de que o arcabouço fiscal conseguirá entregar suas promessas
22/10/2024
Valor Econômico

Por Gabriel Roca

 

Para que o Brasil consiga conviver com taxas de juros mais baixas de modo duradouro, é preciso algum tipo de choque fiscal positivo. A afirmação foi feita pelo presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, que voltou a relacionar períodos na história recente do Brasil no qual houve uma melhora na percepção fiscal por parte dos agentes de mercado com períodos em que os juros puderam cair de forma consistente.

“Toda vez que o Brasil conseguiu cortar os juros nos últimos anos e mantê-los baixos por algum tempo, tivemos medidas fiscais que permitiram isso”, apontou Campos Neto, lembrando, por exemplo, do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando o governo foi capaz de entregar superávits fiscais consecutivos, e da aprovação do teto de gastos durante o governo de Michel Temer.

Hoje, segundo ele, há uma falta de confiança de parte do mercado sobre se o arcabouço fiscal conseguirá entregar suas promessas. “Está ficando claro que se o Brasil quiser ter juros baixos de modo estrutural, precisa criar algum tipo de choque fiscal positivo em algum ponto do tempo”, disse, em evento em São Paulo.

Campos Neto apontou durante a palestra que o noticiário do dia discutia algumas medidas relacionadas à reforma administrativa e que “há expectativas que, depois das eleições, iremos ver algumas medidas”. “Isso é muito importante para nós, no BC, para que possamos reduzir os juros de maneira sustentável. Porque nossa missão é entregar a meta de inflação e é muito difícil fazer isso quando não há perspectiva de que o fiscal está ancorado”, apontou.

O dirigente ainda avaliou que a inflação vinha convergindo no Brasil, mas deu sinais de estagnação recentemente. “Começamos a ver alguns sinais de desancoragem da inflação, vindo das pesquisas de mercado, das companhias e da inflação implícita. A situação do mercado de trabalho nos diz que precisamos ter muita atenção com a inflação de serviços. Precisamos ter certeza que a inflação convirja e por isso decidimos que os juros precisavam voltar a subir. A meta é definida pelo governo e nosso papel é perseguir a meta de inflação”, afirmou o presidente do BC.

Campos Neto chamou a atenção para o fato de os juros estarem muito altos no país, mas as condições financeiras não terem se mostrado tão apertadas. Segundo ele, isso é uma questão que ocorre em todo o mundo. “O fiscal explica apenas parte disso”, apontou.

A autoridade disse que há boas notícias vindas do crescimento no Brasil, que vem surpreendendo há bastante tempo, e que parte disso se dá pela parte estrutural, com as reformas feitas nos últimos anos, que vêm se refletindo também no forte desempenho do mercado de trabalho. Por outro lado, existe algum temor, segundo ele, que outra parte deste crescimento forte também se dê por conta da expansão fiscal ocorrida recentemente.

No cenário internacional, o dirigente afirmou que não vê o assunto fiscal muito presente nos debates relacionados à eleição americana. “Quando você olha para as eleições americanas, ninguém está muito preocupado com o fiscal. Há três grandes dimensões nas eleições americanas: uma é a ausência do debate fiscal; outra é o protecionismo; outra é a imigração.”

Segundo ele, a resultante de todas essas propostas, debatidas pelos partidos republicano e democrata, seria uma pressão inflacionária maior no futuro.

Observando as expectativas para a trajetória da política monetária nos Estados Unidos, Campos Neto afirmou que há alguma flutuação sobre os cortes de juros no país e que outros países acabam acompanhando essa oscilação. “Nos EUA, após o corte de 0,5 ponto [promovido pelo Fed na última decisão], era imaginada uma sequência de cortes iguais, mas o Fed afastou um pouco essa ideia”, disse.