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Meio Ambiente
Cidades tentam soluções sustentáveis para amenizar crise climática
Para especialista, questão requer reorganização urbana, com dispersão da atividade econômica
11/04/2025
Valor Econômico

Por Rafael Vazquez e Michael Esquer

A informação divulgada no fim do ano passado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) apontando que 2024 foi o mais quente já registrado, com a temperatura média do planeta já acima de 1,5ºC em relação ao período pré-industrial, confirmou o alerta de que as mudanças climáticas não são mais um tema de discussão técnica entre cientistas e precisa m ser consideradas nas políticas públicas a ações privadas de todos de todos os níveis, incluindo as prefeituras e as empresas. No Brasil, há o consenso de que boa parte dos municípios afetados pela crise climática não tem capacidade de investimento para grandes soluções, mas especialistas ouvidos afirmam que alternativas financeiramente acessíveis têm obtido êxito e que os gestores municipais têm um cardápio amplo para planejar e agir junto com a iniciativa privada e os habitantes.
Conforme explica o coordenador de relações institucionais do Instituto Cidades Sustentáveis, Igor Pantoja, um processo completo de adaptação climática, principalmente nas grandes cidades, envolve iniciativas mais complexas de mitigação e redução de gases poluentes como a transformação do setor de transportes, com a eletrificação das frotas de ônibus e o maior uso de combustíveis renováveis por parte dos carros. Há ainda a necessidade de uma reorganização urbana, com dispersão da atividade econômica para bairros periféricos, o que melhoraria a mobilidade e aliviaria naturalmente as emissões dos transportes. Contudo, isso não significa que as prefeituras precisam esperar a resolução dessa parte mais complexa.
“Há uma série de soluções urbanísticas e arquitetônicas que são possíveis fazer incentivando projetos que são possíveis fazer incentivando projetos que contemplam mais iluminação e ventilação naturais, utilização de materiais que se adaptam melhor ao calor e até a substituição de asfalto por pavimentos a base de cimento em ruas que estão se tornando ilhas de calor com o aumento das temperaturas”, diz Pantoja. “São medidas mais paliativas, mas que ajuda m bastante se forem integradas a um plano de arborização eficiente.”
De acordo com o especialista do Instituto Cidades Sustentáveis, é comum ver cidades como São Paulo desenvolvendo metas ambiciosas de eletrificação do transporte público ao mesmo tempo em que gasta recursos exagerados ano a ano com asfalto em detrimento de outras soluções mais modernas em relação à emergência climática. Ele lembra que, no ano passado, a prefeitura paulistana contratou empresas, por R$ 105 milhões, para cobrir ruas de pedra do século XIX com massa asfáltica, o que é um contrassenso, na visão de Pantoja. Do ponto de vista da adaptação climática, segundo ele, uma rua de paralelepípedo é mais vantajosa porque esquenta menos do que o asfalto e também possibilita melhor drenagem em caso de chuva extrema, já que a água entra pelos vãos das pedras e é absorvida pelo solo, ao contrário do pavimento asfáltico que é impermeável.
“Não tapar com asfalto ruas que já são pavimentadas é a primeira coisa a se pensar em vez de fazer um movimento de asfaltamento em massa com interesses políticos”, critica Pantoja. “E, quando se trata de manutenção, pode-se pensar em soluções de concreto.”
Merecedora da fama de ser uma “cidade de contrastes”, ao mesmo tempo em que o prefeito Ricardo Nunes lançou o seu plano de recapeamento com asfalto no ano eleitoral de 2024, São Paulo também tem projetos de destaque de substituição de asfalto por pedras a base de cimento. Em uma parceria público-privada com o Complexo Matarazzo e o hotel Rosewood, a prefeitura está trocando o pavimento asfáltico por piso de concreto intertravado, uma solução já usada em outras cidades do Brasil e cada vez mais utilizada em empreendimentos privados que consideram a questão climática nas suas concepções.
A obra, feita em uma rua bem próxima à avenida Paulista já causou irritação em moradores da região – o apresentador e humorista Danilo Gentili já reclamou publicamente de transtornos -, mas é vista por urbanistas e especialistas em adaptação climática como uma intervenção que será modelo. De um lado porque projeta conjuntamente mais arborização e aumenta o espaço de circulação para pedestres, assim como ruas centrais vistas na Europa. Do outro, pelas próprias características que o pavimento de pedras de concreto utilizadas no projeto oferece.
“Precisamos falar do nível de impermeabilização das cidades. Do jeito que está hoje, gera um problema severo de drenagem urbana e altas temperaturas. Além de ter o problema do solo, que deixa de ter a condição de absorção de água, tem também a redução de superfícies com cobertura vegetal que vão garantir sombra, umidade e um ecossistema com fauna, flora, pássaros”, diz a urbanista Adriana Levisky, sócia titular do Levisky Arquitetos – Estratégia Urbana, escritório responsável pelo projeto em torno das vias do hotel Rosewood, em São Paulo.
Segundo Levisky, trata-se de uma regeneração urbana. “É uma possibilidade de enfrentar questões que viraram patologias que as cidades ao redor de todo o mundo todo vêm enfrentando atualmente. Podemos considerar como alternativa para os problemas de temperatura, mas não só isso. Nós herdamos um modelo de progresso do século XX muito relacionado ao automóvel à preparação das vias com prioridade para os carros resultou na redução da impermeabilização do solo, sem falar na interferência nos eixos hídricos, que diminuiu a incidência de rios abertos e das margens de rio nas cidades”, observa. “Com os eventos climáticos mais extremos, agora precisamos rever isso.”
Em termos de conforto térmico, de acordo com Valter Frigieri, diretor de mercado da Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP), o chamado pavimento intertravado com blocos de concreto pode minimizar em até 4°C a temperatura do ambiente e reduzir em até 17°C a temperatura da superfície das vias quando comparado ao asfalto. Não por acaso, segundo ele, cidades do Nordeste, que já são naturalmente quentes e estão enfrentando ondas de calor mais frequentes, estão recorrendo ao material para reduzir ilhas de calor. “Por ser um material mais claro do que o asfalto, esse tipo de concreto já representa um ganho em si na temperatura do local com esse tipo de pavimento”, diz Frigieri.
Em Fortaleza, uma das vias que tiveram o asfalto substituído pela pavimentação intertravada com blocos de concreto pela Secretaria de Obras Públicas (SOP) do Ceará foi a avenida Sargento Hermínio Sampaio, onde está localizado o Centro Educacional São Mateus. Conforme relata diretor da escola, Audisio dos Santos Fernandes, a intervenção trouxe benefícios perceptíveis. “Antes alagava em frente a escola, agora não alaga mais e seca rápido. Quanto ao calor, ficou muito melhor, antes era pior por causa do asfalto preto, que esquentava mais”, afirma Fernandes, que há mais de 20 anos passa pela avenida.
Soluções integradas
Eduardo Mazzarollo, sócio-diretor da plataforma de soluções de cidades inteligentes iCities, comenta que várias outras cidades do mundo também têm usado pavimentos de concreto para reduzir as ilhas de calor. Mas reforça que, principalmente em vias consideradas como ilhas de calor, a substituição do asfalto precisa estar integrada a outras inovações. Em Cingapura, cidade-Estado de clima tropical, como boa parte das cidades brasileiras, as ilhas do território foram adaptadas amplamente sob o conceito de infraestrutura verde, como telhados verdes que dão isolamento térmico às edificações, sejam prédios, sejam residências, áreas de sombreamento espalhadas pela cidade e áreas úmidas como pântanos e manguezais, naturais ou artificias, chamadas internacionalmente de “wetlands”.
Na Europa, onde o verão tem intensificado as ondas de calor, Mazzarollo também destaca a proliferação de telhados verdes, mais áreas verdes dentro da cidade e a implementação de pavimentos frios para reduzir a temperatura.
“Telhado verde é uma boa opção dado que os grandes centros urbanos, quando vistos de cima, possuem mais edificações do que ruas. Essa é uma forma de aumentar o conforto térmico dentro e fora dos prédios”, diz.
Contudo, o especialista da iCities reitera que dentro do Brasil já há exemplos que mostram que o maior incentivo público a essas soluções pode atrair o setor privado. Ele usa como referência a revitalização do bairro Caximba, em Curitiba, que era um antigo aterro sanitário e se converteu em uma área urbanizada com infraestrutura verde.
Mazzarollo ainda destaca a iniciativa do IPTU Verde, existente em Curitiba e outras poucas cidades brasileiras, que oferece descontos no imposto a proprietários de imóveis que adotam práticas sustentáveis. Ele sugere que, como política pública, os governos comecem a obrigar prédios públicos a se adaptarem para obter certificações de sustentabilidade ao mesmo tempo que estimulem construtoras a fazer o mesmo.
“Temos um problema muito grande no início da cadeia produtiva, ainda na universidade, dos profissionais que desenvolvem projetos, da engenharia e uso de materiais”, diz o diretor da ICities. “Hoje, a construção civil, tanto de pavimentação quanto de construção, é o setor que mais impacta a questão do meio ambiente no mundo inteiro. Mas também é o setor em que encontramos todas as soluções para resolver esses problemas também.”
Para o coordenador do Centro de Estudos de Infraestrutura e Soluções Ambientais da Fundação Getulio Vargas (FGV), Gesner Oliveira, as cidades brasileiras ainda estão engatinhando no tema, mas diante da emergência climática não terão outra opção que não seja olhar para todas as alternativas viáveis que ajudem a amenizar o calor e o impacto das chuvas extremas.
“As prefeituras do país ainda estão nas coisas mais básicas. No caso de drenagem, boa parte das cidades nem possuem galerias fluviais suficientes. Mas algumas cidades mais avançadas nessa matéria já pensam em pavimentos adequados, edifícios com ventilação melhor para usar menos ar condicionado”, diz Oliveira, citando a reforma do aeroporto de Florianópolis como exemplo. “Ainda estamos longe do que precisamos, mas alguns passos já estão sendo dados na direção certa.”
Procurada pelo Valor, a Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (FNP) disse que a adaptação climática é um tema atentamente observado pela entidade no presente momento e que foi o assunto principal da reunião de 87ª Reunião Geral da FNP, ocorrida nos dias 7 e 8 de abril.