Por Lu Aiko Otta
Será muito difícil, se não impossível, o governo federal aumentar sua arrecadação em R$ 118 bilhões em 2026 apenas cobrando de forma mais eficiente o que lhe é devido. É o plano que integra o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), encaminhado ao Congresso no dia 15 passado.
As tabelas mostram que, sem esse reforço, será impossível cumprir a meta fiscal do ano, que é um superávit de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB). Dois experientes auditores disseram à coluna que, embora esses recursos existam, seu recolhimento não é algo que possa ser concretizado nesse prazo.
“É uma meta muito irrealista arrecadar R$ 118 bilhões só com medidas administrativas, dado o estágio atual de desorganização da Receita Federal”, disse o diretor de Comunicação do Sindifisco Nacional, Marcelo Lettieri. “A Receita vai precisar de um choque muito grande para recompor sua estrutura e manter a sua capacidade de gerar receitas extraordinárias”.
“A Receita teria que parar algumas atividades e dirigir um monte de gente para a auditoria, enquanto faria concurso, contrataria e formaria essas pessoas”, comentou o auditor Adriano Pereira Subira, que atuou durante duas décadas em fiscalização de grandes empresas. “Mas isso levaria uns dois anos, e aí já seria outro governo.”
Um primeiro obstáculo a ser resolvido no curto prazo, apontam ambos, seria a greve dos auditores. “A Receita Federal está com greve sistêmica já há alguns anos”, comentou Subira. Desta vez, está parada há cinco meses.
Para recolher os R$ 118 bilhões, a ideia é atacar o “gap de reconhecimento”, disse o chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita, Claudemir Malaquias, na divulgação do PLDO. “Ou seja, aquela parcela da tributação que já está prevista na legislação, mas que não é alcançada pela administração tributária”, explicou na ocasião.
Esse “gap” corresponde a perdas decorrentes de sonegação e informalidade. Estudo publicado pela Receita em 2023 e que tem Subira entre seus coautores mostra que chegou a R$ 56,4 bilhões no período de 2015 a 2019, apenas em relação ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Segundo Malaquias, o “gap” será atacado com três tipos de medidas: mecanismos para reduzir litígios, melhoria no ambiente e fortalecimento de garanti as do crédito tributário. Ele não detalhou que medidas serão propostas. Informou que os projetos de lei deverão estar em tramitação no Legislativo até o dia 31 de agosto, data em que será apresentado o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2026.
A Receita já atua nessas três frentes. A questão é como intensificar os resultados.
“Hoje, de fato, há pouco espaço para mais reduções de litígios entre Receita e contribuintes meramente pela via administrativa”, comentou Lettieri. “A gente precisaria mudar ainda muita coisa na legislação tributária, o que depende do Congresso Nacional.”
A melhoria no ambiente poderia envolver uma limpeza nas normas, comentou Subira.
“O clássico da facilitação é: primeiro você enxuga as normas e faz uma consolidação, revoga tudo o que é obsoleto; aí faz uma reengenharia dos processos, tenta simplificar toda a etapa que não agrega valor”, explicou. “No que sobrar, aplica o ‘compliance by design’.” O “compliance by design” é o que busca aumentar o cumprimento das regras ao tornar a tarefa mais simples. É feito, por exemplo, com a declaração pré-preenchida do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).
As garantias servem para assegurar que uma dívida tributária será paga. Existem mecanismos para isso, como o arrolamento de bens e a cautelar fiscal. “Não sei se a Receita está pensando em criar algum outro mecanismo de garantia”, comentou Lettieri.
Os dois auditores apontaram para um ponto que tem sido, durante anos, um estímulo à sonegação: o fato de o pagamento de tributos extinguir a punibilidade penal. “Eu não recolho. Se a Receita pegar, eu pago. Para a cadeia, eu não vou”, explicou Subira. “É um ponto a ser discutido pela sociedade.”
O Projeto de Lei 15/2024, elaborado pela Receita Federal, ataca esse ponto e prevê persecução penal nos casos de sonegação praticada por devedores contumazes. A proposta também dá mais instrumentos para o Confia e o Sintonia, dois programas que premiam contribuintes com bom histórico de cumprimento de regras.
A proposta, porém, está parada na Câmara. É possível que seja “fatiada” para que os programas de conformidade avancem. As resistências estão concentradas na regulamentação do devedor contumaz, que tem na mira supostas ramificações do crime organizado. Há outros dois projetos de lei complementar em análise no Senado, tratando dos mesmos temas.
Aparentemente inviável, o aumento de R$ 118 bilhões nas receitas parece ter sido colocado no PLDO como uma demonstração de que o cumprimento das metas fiscais não pode ser alcançado no atual estado de coisas. Por mais que os escândalos no INSS, a popularidade do presidente e as eleições estejam na ordem do dia, é preciso retomar o debate sobre o Orçamento e o arcabouço fiscal.