Em defesa dos Municípios

A responsabilidade municipal no ensino infantil
François E. J. de Bremaeker - 21/01/2010

O desempenho do setor público na educação, saúde e assistência social tem sido constantemente criticado no País. Ao mesmo tempo constata-se que a alocação de recursos nestes setores em relação ao PIB é muito menor do que o despendido nos países desenvolvidos e naqueles que apresentaram um forte crescimento da economia nas últimas décadas, como é o caso dos chamados tigres asiáticos.

Em entrevista publicada no jornal O Globo (1), o economista e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, Aloísio Araújo, alerta para o fato de que investimentos devem ser feitos na educação infantil, especialmente nos primeiros anos de vida, quando é formado o cérebro das crianças. Segundo ele, do ponto de vista da neurociência, as crianças que recebem mais estímulos cognitivos (aquisição de conhecimentos e percepções) até os 4 anos de idade, chegam à escola em melhores condições de aprender.

Dados demonstram que existe uma forte relação entre o nível de renda e de instrução da família com a intensidade de estímulos recebidos pelas crianças. Aquelas que vêm de um lar em que os pais são educados está muito mais preparada do que as crianças que possuem pais com baixa instrução e poucos recursos financeiros.

Segundo o parágrafo único do artigo 211 da Constituição Federal, os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. Não que seja um ato falho, mas a educação infantil, que se vê ser da maior importância, aparece em segundo plano. Mas não é este simples fato que compromete a qualidade do ensino fundamental. Os problemas que envolvem este nível de ensino são bem mais complexos que passam necessariamente pela falta de recursos.

Quando ocorreu a transição do Fundef para o Fundeb, acrescentaram-se aos alunos do ensino fundamental aqueles do ensino infantil, médio, de jovens e adultos e outras modalidades. O número de alunos cresceu 62,6%.

Em relação aos recursos provenientes dos Estados e Municípios, a ampliação do percentual de comprometimento de receitas e transferências e a participação de novos tributos fez com que os recursos financeiros se ampliassem em 37,3% (2).

Isto representa dizer que para se manter o mesmo padrão de atendimento do tempo do Fundef, seria necessária a destinação de mais recursos estaduais e municipais, que deveriam “sair” de outras áreas.

Mas o descompasso financeiro dos Municípios se agravou quando em 2007, uma comissão formada por representantes do Ministério da Educação (MEC), do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) definiu os coeficientes para a distribuição de recursos do (Fundeb) (3).

A maior parcela de alunos incorporada ao Fundeb era proveniente do ensino médio, ou seja, de responsabilidade dos Estados. E o descompasso se agravou ainda mais com a definição dos coeficientes para distribuição dos recursos do Fundeb. O ensino fundamental urbano permanecia com coeficiente 1,0. Mas o ensino médio urbano tinha coeficiente 1,2. Ou seja, na repartição dos recursos um aluno do ensino médio receberia 20% mais recursos que aquele do ensino fundamental.

Entretanto o problema não fica só por aí. A demanda reprimida relativa ao ensino infantil (creches e pré-escola) corresponde a 12 milhões de crianças, justamente aquelas que precisam ser atendidas para que cheguem ao ensino fundamental com melhores condições de aprendizagem. Mas para incorporar estas crianças na rede de ensino é necessário investir recursos financeiros e em recursos humanos.

Contudo, o ensino infantil foi aquele para o qual menos recursos seriam destinados. O coeficiente para os alunos matriculados nas creches é 0,80 e aquele para os alunos matriculados na pré-escola é 0,90.

 Segundo levantamentos da Abrinq (4), para o atendimento à demanda reprimida seria necessária a construção de 35 mil creches, cada qual para 120 alunos. Seu custo: R$ 21 bilhões para a construção e R$ 17,36 bilhões para a manutenção anual.

E ainda falta o investimento nas pré-escolas, para incorporar à rede de ensino alguns milhões de alunos, o que custaria muitos bilhões de reais para sua manutenção.

O quadro atual das finanças municipais mostra que para o pleno atendimento das suas responsabilidades constitucionais na área da educação, será necessário o aporte de elevadas somas de recursos, provenientes de fontes externas.

Será que algum recurso oriundo do término do processo de Desvinculação das Receitas da União em relação á educação chegará aos Municípios?

A concorrência pelos “novos” recursos, que deverá chegar a R$ 12 bilhões daqui a três anos, além de ser muito maior do que o montante que virá a ser disponibilizado, é enorme: são as creches e as pré-escolas, além dos ensinos fundamental, médio, técnico e superior.

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(1) WEBER, Demétrio. ‘Depois de 4 anos, a escola não recupera mais’– entrevista com Aloísio Araújo. O Globo, Rio de Janeiro, 13 de dezembro de 2009, pp. 12.

(2) BREMAEKER, François E. J. de. Financiamento da educação e controle social. Conferência Municipal de Educação. Prefeitura Municipal de São Gonçalo/SME, julho de 2009 (power point); Panorama das finanças municipais. Encontro de Secretários Municipais de Educação da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. UNDIME-RJ, Rio de Janeiro, agosto de 2009 (power point); A importância do Fundeb, Prefeitura Municipal de Cabo Frio/SME, outubro de 2009. (power point).

(3) NUNES, Juliana César. Comissão define coeficientes para distribuição do Fundeb. Agência Brasil, Brasília, 13 de fevereiro de 2007.

(4) ABRINQ. Projeto Creches para Todas as Crianças: mobilização por uma demanda urgente. ABRINQ, São Paulo, 17 de agosto de 2009.