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Reforma Tributária
Abuhab, o “pai” do “split payment”
Ideia surgiu em 2003, em Santa Catarina, e já passou por Palocci, Mantega e Levy
23/05/2024
Valor Econômico

Por Lu Aiko Otta

 

Depois de dedicar toda sua carreira política pela aprovação da reforma tributária, o deputado Luiz Carlos Hauly (PODE-PR) estava fora do Congresso Nacional na atual legislatura. Numa reviravolta do destino, ganhou uma cadeira na Câmara dos Deputados em junho de 2023, quando o procurador Deltan Dallagnol perdeu seu mandato. Assim, pôde participar das votações históricas que mudaram o sistema tributário brasileiro.

As contribuições de Hauly, do já falecido deputado federal Mussa Demes (1939-2008) e do engenheiro Miguel Abuhab no debate da reforma tributária foram reconhecidas pelo secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, em audiência na Câmara dos Deputados no início deste mês.

Abuhab é o “pai” do “split payment”, a base tecnológica em que se ancora toda a reforma dos tributos sobre o consumo que o Brasil adotará. É o sistema que vai recolher os tributos automaticamente, além de transformar o complicado sistema de créditos e débitos tributários em algo parecido com uma conta corrente.

“É super tech!”, entusiasma-se Hauly. O novo modelo “rompe com o velho modelo de crédito escritural”. E permite a cobrança eletrônica que, na visão do deputado, “é o coração do IVA”.

Hauly é um antigo defensor do “sistema Abuhab”, que agora será implementado com o nome de “split payment”. A ferramenta estava presente na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 293, de 2004, e na PEC 110, de 2019, ambas relatadas por Hauly.

A PEC 293 foi aprovada em comissão especial em dezembro de 2018. Porém, o impulso da reforma se perdeu com o fim daquela legislatura. A PEC 110 foi fundida na PEC 45, aprovada no ano passado.

Além do “split”, ambas as propostas de Hauly contemplavam o “cashback”, também adotado na atual reforma.

O “sistema Abuhab” tem mais de 20 anos. À coluna Abuhab contou que a ideia surgiu em 2003, quando ele cuidava da escrituração fiscal de cerca de 4.000 empresas em Santa Catarina. O então governador do Estado, Luiz Henrique da Silveira (1940-2015), lhe pediu uma solução tecnológica para simplificar o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

“Se conseguirmos separar, no boleto, o valor da mercadoria e o valor do imposto, o valor da mercadoria vai para o fornecedor e o valor do imposto vai direto para o governo”, conta. O sistema está descrito no livro “Devo, não nego, pago quando receber” (Livros de Safra, 2017), de autoria de Abuhab.

Empolgado com a ideia, Luiz Henrique levou Abuhab para conversar com o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci. A ideia também foi apresentada ao sucessor de Palocci, Guido Mantega. “Foram coisas muito dispersas e não deu certo”, relata.

A ideia foi apresentada também ao sucessor de Mantega, Joaquim Levy. Esse encantou-se, mas não teve tempo de implementá-la.

Já fora do ministério, Levy ocupou o cargo de diretor financeiro do Banco Mundial. Levou Abuhab para expor sua ideia em Washington. “Ele me falou pela primeira vez em 2015 e vi que era o caminho”, conta o ex-ministro.

Naquela mesma época, Abuhab foi levado por amigos para apresentar sua ideia no Centro de Cidadania Fiscal (CCif), criada por Appy para formular a reforma tributária.

Como mostrou este jornal, o sistema será pioneiro no mundo. Exigirá investimentos em adaptação nos bancos e nas operadoras de meios de pagamentos. Governo e setor privado discutirão os detalhes.

O próprio Abuhab está, pelo menos até agora, fora dos trabalhos de implementação do sistema. Isso, admite, o deixa “um pouco magoado”.

Nos bastidores da Fazenda, o que se ouve é que os trabalhos de detalhamento da reforma estiveram a cargo do setor público: União, Estados e municípios. No entanto, outros participantes serão chamados.

A ideia de unir os meios de pagamento e o sistema eletrônico de cobrança de tributos, duas coisas que o Brasil faz bem, já poderia estar em operação, diz Abuhab. Não seria difícil, do ponto de vista tecnológico, colocar uma informação nos boletos para transferir de forma automática para os cofres públicos os impostos embutidos no valor pago.

É preciso que o “split payment” dê certo, pois toda a modernização e simplificação da reforma tributária depende dele. Os mais otimistas do governo veem nesse sistema uma inovação que poderá ser exportada e tornar-se uma referência global, como ocorreu com o Pix. Tomara que estejam certos.

Simulador

O Banco Mundial tornou público um simulador de alíquota da reforma tributária, o SimVAT. Mostra quanto a “bondade” de um lado resulta em “maldade” do outro.

Por exemplo: zerar a alíquota e acabar com o cashback, como quer parte dos parlamentares, elevaria a alíquota geral para 28,3%, se a ideia for não ter perdas na arrecadação. Atualmente, a alíquota está estimada em 26,5%.

A ferramenta permite calcular diferentes combinações. É uma aposta do governo para embasar tecnicamente os debates no Congresso. Pode ser acessada em datanalytics.worldbank.org/simvat/