Lu Aiko Ota
Passada a reforma tributária, e enquanto o governo trata de projetos destinados a elevar a arrecadação, voltaram ao radar as discussões sobre formas de reduzir despesas. Se este ano foi marcado pela ausência de propostas nesse sentido, o mesmo não poderá ocorrer no ano que vem, apontam especialistas.
A reforma administrativa é apontada como um dos projetos que vão nessa direção. Na última terça-feira, ao falar das matérias que pretende colocar em votação ainda este ano, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que a reforma administrativa está “ganhando tração”, indicando que pode incluí-la na pauta.
A matéria, no entanto, não tem apoio do governo, que é contra a ideia de acabar com a estabilidade no serviço público. Em entrevista recente ao Valor, a ministra de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, disse que a reforma administrativa será fatiada e não terá viés de ajuste fiscal. O governo apoia, por exemplo, o projeto que acaba com os supersalários, em tramitação no Senado.
Em outra frente, será inevitável colocar em discussão temas politicamente difíceis, como a revisão de gastos tributários e mudanças dos pisos de verbas para saúde e educação. Futuramente, até mesmo a regra de correção do salário mínimo entrará no radar.
“Em 2022 discutimos aumento de gastos com a PEC [Proposta de Emenda à Constituição] da Transição, este ano falamos sobre como financiar esses gastos via aumento das receitas, mas em 2024 inevitavelmente será a vez de debater as despesas”, disse a diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), Vilma Pinto.
O economista-chefe da AZ Quest Investimentos, Alexandre Manoel, acha que a ausência de propostas de ajuste fiscal pelo lado das despesas tem a ver com a ordem de discussões a serem feitas pela área econômica. Atualmente, o trabalho do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se concentra na recomposição de receitas perdidas em anos anteriores, disse.
Isso não significa, porém, que o ajuste fiscal se resumirá a isso. “Não existe ajuste só pelo aumento da arrecadação”, afirmou.
O debate sobre os pisos da saúde e educação será feito não por desejo do governo, mas porque as regras atuais são incompatíveis com o arcabouço, afirmou Manoel.
O mesmo raciocínio foi feito por fonte do governo. Ela ponderou que ninguém é contra destinar recursos públicos a essas duas áreas. No entanto, será impossível acomodá-las no Orçamento no atual ritmo de crescimento, de 100% do avanço das receitas, enquanto o global das despesas só pode crescer a 70% (ou 50%, se a meta fiscal do ano anterior for descumprida.
A expectativa é que qualquer tipo de debate nesse sentido seja difícil em um ano eleitoral, comentou Manoel. Ao mesmo tempo, a afirmação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que o resultado fiscal de 2024 não precisa ser zero lançou dúvidas sobre a disposição do governo em levar adiante essas discussões.
Ontem, Haddad afirmou que a meta zero é “programática”.
“Não precisa estar na lei para eu perseguir”, disse no Itaú BBA Macro Vision, em São Paulo, ao comentar que “às vezes as pessoas ficam se apegando se vai ser 0,25%, 0,50% [do PIB], zero”.