Por Eduardo Belo
A solução para a questão fiscal no Brasil passa por um novo conjunto de reformas que melhore a capacidade do Executivo de gerir o Orçamento, desate várias amarras do gasto público e abra espaço para despesas não obrigatórias.
Sem isso, o país caminha para um colapso fiscal, defende Paulo Paiva, professor associado da Fundação Dom Cabral e ex-ministro do Trabalho e do Planejamento e Orçamento no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Se nada for feito, em menos de uma década toda a receita será insuficiente para cobrir as despesas obrigatórias, argumenta o economista.
Paiva se baseia nos números do próprio governo. O Balanço Geral da União de 2023 projeta que no ano 2100 o déficit do regime geral de previdência será quase o dobro da receita. De hoje até 2030, receita, despesa e déficit permanecerão mais ou menos constantes pelo critério de proporção do PIB. Depois disso, a receita se mantém estável enquanto a despesa dispara e dobra de tamanho – e o déficit, claro, acompanha. Isso apenas 11 anos depois de promulgada uma reforma no sistema previdenciário.
Outra mudança nas regras de aposentadoria será necessária em breve, como defende Paiva e como mostra estudo do Banco Mundial retratado em reportagem de Edna Simão e Jéssica Sant’Ana na edição do Valor de 5 de agosto (“Previdência pode ter de adiar aposentadorias por idade”).
A segunda reforma defendida por ele é orçamentária. Para Paiva, é preciso mexer na legislação para retirar o elevado grau de vinculação do Orçamento. “Descarimbar” recursos pode melhorar a margem de gastos discricionários (não obrigatórios), como investimentos.
O professor faz questão de dizer que não é contra áreas-chave como saúde e educação serem privilegiadas na destinação do dinheiro, mas defende a revisão dos critérios e limites, porque isso reduz o grau de liberdade para manejar o Orçamento.
Entre as desvinculações necessárias, está a dos benefícios previdenciários ao salário mínimo. Ainda mais com uma política de valorização real do mínimo, a vinculação onera as despesas da Previdência e agrava o quadro de insustentabilidade do regime geral.
Em 2020, as despesas obrigatórias primárias comprometiam 86% do Orçamento da União. Continuaram crescendo e, no ano passado, chegaram a 92% do Orçamento. “Então, de fato”, diz, “só tem disponível para realocação e para novos investimentos 8% do Orçamento.” E há uma tendência de redução desse percentual. Cada vez mais o governo perde sua capacidade de investir e de realocar os recursos conforme as prioridades surjam.
Paiva é um dos economistas que defendem a modernização da legislação de finanças públicas, hoje regida pela sexagenária lei 4.320, de 1964, “de antes mesmo do regime militar”. Essa seria a terceira medida na linha reformista, sem implicar uma mudança muito profunda – a não ser para as contas públicas.
A lei, diz ele, precisa de atualização e conta para isso com dois projetos no Congresso. Um deles, de 2016, do então senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), chegou a ser aprovado no Senado. Seguiu para a Câmara, onde foi modificado, mas a tramitação parou antes da votação pelos deputados. Paiva e outros professores ligados à Dom Cabral propõem algumas adaptações no projeto, como a inclusão de um teto para a dívida pública.
Em que pese o compromisso da equipe econômica com medidas de ajuste fiscal para “pelo menos contornar o problema”, o professor vê uma ala muito forte no governo com a “leitura equivocada da teoria keynesiana”, segundo ele, de que não é preciso cortar gasto porque o crescimento econômico – pretensamente estimulado pelo dinheiro público, ainda que feito por medidas e programas ineficientes – geraria ganhos suficientes, inclusive de receita, para compensá-lo.
Além disso, tem a revisão de gastos, discussão muito em voga na União Europeia, na OCDE e em vários países, comenta. Mas essa revisão tem de ir além do pente-fino que o governo promete para benefícios sociais, como análise dos inscritos no Cadastro Único e no BPC.
Revisão permanente de gasto público é tema de um projeto do ex-senador José Serra (PSDB-SP). Depois de passar pelo Senado, a tramitação parou na Câmara, diz Paiva. A ideia do economista é que na proposta de aperfeiçoamento da lei de finanças públicas da FDC esse tópico seja incluído.
Paiva também alerta para a gradativa perda de capacidade do Poder Executivo de definir o Orçamento, com transferência de algumas atribuições para os outros poderes. É o caso das emendas parlamentares, cada vez mais presentes. A questão é que Legislativo e Executivo não participam do esforço de ajuste fiscal. Frequentemente pressionam a conta do aumento de gastos, sobretudo com salários e extensão de benefícios.
Essas mudanças não são fáceis, comenta o economista. “Mas eu pessoalmente imagino que, independentemente do atual governo, em algum momento e não muito longe, nós teremos de fazê-las.”
Sem isso, o colapso fiscal com que o país flerta há tempos acabará se impondo.
Problema global
A questão fiscal não é uma exclusividade brasileira. Na edição de agosto da carta macroeconômica da ARX Investimentos, Gabriel Leal de Barros aponta como economias avançadas e emergentes se veem às voltas com o problema. O economista cita que tanto Estados Unidos quanto vários países da Europa terão de apresentar ainda este ano planos de consolidação fiscal de médio prazo “em obediência ao mecanismo do excessive deficit procedure (EDP)”.
No Brasil, a análise envereda para a dívida pública, “cujo custo de rolagem já é elevado renova o desafio de colocar as contas públicas nos trilhos”.