Por Sergio Lamucci
As incertezas sobre as contas públicas continuam a jogar nas alturas os juros futuros. Mesmo num cenário em que os índices de preços não mostram um comportamento explosivo, a curva de juros passou a embutir na sexta-feira uma Selic de 13,25% ao ano no fim do atual ciclo de alta da taxa, hoje em 10,75%, um nível já elevado. O dólar voltou a superar R$ 5,60, fechando a R$ 5,6146.
Parece improvável, além de ser indesejável, que o Banco Central (BC) tenha que aumentar a Selic até 13,25%, mas a piora na percepção sobre a situação fiscal pode levar os juros a subirem mais do que seria preciso para combater uma inflação que não está descontrolada e conter a deterioração das expectativas. Um choque de juros é desnecessário, e pode ser evitado especialmente com a adoção de uma estratégia para lidar com a expansão dos gastos obrigatórios. O problema é que não há disposição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em atuar nessa direção.
Se a falta de determinação do governo em tomar medidas para reduzir o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias é o problema fiscal de fundo, na semana passada as preocupações vieram do lado da receita. Lula reiterou que pretende isentar de Imposto de Renda (IR) quem ganha até R$ 5 mil por mês. Para compensar a medida, uma das opções em estudo é estabelecer uma taxação mínima para contribuintes que ganham mais de R$ 1 milhão por ano.
A isenção de IR para quem recebe até R$ 5 mil mensais pode custar entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões por ano aos cofres públicos, a depender de como for implementada. É um valor elevado, e há o risco de as medidas de compensação não conseguirem cobri-lo integralmente. Num cenário em que há preocupação quanto à sustentabilidade das contas públicas, dado o crescimento das despesas, criar dúvidas quanto à trajetória das receitas eleva ainda mais as incertezas. Os juros de longo prazo já estão na casa de 6,5%, considerando as taxas dos títulos do Tesouro atrelados à inflação com vencimento em 2045 e 2050, um nível insustentável.
A ideia de aumentar a taxação de quem tem renda elevada e paga pouco imposto faz todo sentido. É fundamental tornar o sistema de impostos menos regressivo – quem ganha mais deve obviamente pagar mais do que quem ganha menos. O ponto, como sempre, é como fazer a mudança. A ideia era promover alterações na tributação da renda na segunda etapa da reforma tributária – a primeira foi a reforma dos tributos sobre o consumo, aprovada no ano passado, atualmente em fase de regulamentação. Reinstituir a taxação sobre lucros e dividendos, desde que acoplada a uma redução do IR sobre empresas, é uma medida bem-vinda, assim como são importantes iniciativas para tributar adequadamente quem tem rendimentos muito altos e se aproveita das vantagens dos regimes do Simples Nacional e do lucro presumido para pagar pouco imposto. Essas propostas, porém, precisam ser bem estruturadas e bem-negociadas com deputados e senadores, para que não sejam desvirtuadas durante a sua tramitação no Congresso.
Um limite de isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil parece elevado, e há, como foi dito, o risco de que as medidas para compensar a perda de arrecadação não sejam suficientes. O Congresso vai concordar com a taxação mínima para quem ganha acima de R$ 1 milhão por ano? E, ainda que a medida seja aprovada, há a possibilidade de os contribuintes encontrarem outros caminhos para pagar menos impostos. São riscos não desprezíveis quando se cogita abrir mão de receitas de dezenas de bilhões de reais por ano. Discussões tão importantes precisam ser feitas com cuidado, além de bem amarradas no Congresso. Fazê-las apressadamente tende a piorar a percepção já negativa sobre a situação fiscal.
O problema mais imediato é a deterioração dos preços dos ativos, como mostra o aumento dos juros futuros e do dólar. O BC iniciou em setembro um ciclo de alta da Selic que pode ser breve e pouco intenso, ainda mais num cenário em que o Federal Reserve (o BC americano) corta os juros, desde que o governo se empenhe em reduzir as incertezas fiscais. A Selic começou a subir de um nível já alto, num momento em que a inflação não está fora de controle, embora no acumulado em 12 meses esteja próxima do teto da banda de tolerância da meta, de 4,5%. O IPCA do mês passado ficou em 0,44%, influenciado especialmente pela salto dos preços de energia elétrica, resultado da adoção da bandeira tarifária vermelha, por causa dos efeito da seca, que também pressiona alguns alimentos. O indicador, contudo, trouxe boas notícias sobre a evolução dos serviços e dos núcleos, medidas que buscam reduzir ou eliminar a influência dos itens mais voláteis.
O aumento dos gastos públicos também mostra alguma desaceleração nos últimos meses, o que tende a estimular menos a economia. Nas estimativas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), as despesas não financeiras do governo central subiram em setembro 1% acima da inflação em relação ao mesmo mês de 2023. Em maio, por exemplo, haviam crescido 14% nessa base de comparação.
Além disso, a economia já perdeu fôlego no terceiro trimestre. Nesse ambiente, não parece fazer sentido uma Selic acima de 13%, como aponta a curva de juros. Elevar demais a taxa pode provocar uma desaceleração exagerada da atividade, encarecendo o crédito para empresas e pessoas físicas e inibindo o processo de retomada do investimento na economia, sem contar o custo fiscal pesado. O governo pode impedir esse círculo vicioso se adotar medidas de ajuste pelo lado da despesa, além de ser cuidadoso na discussão e implementação de iniciativas que mexam na arrecadação. Sem rigor na área fiscal, um dos riscos é colher um choque de juros.