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Debate sobre meta fiscal inclui resultado mais frouxo
Destino de crédito de R$ 12,4 bi também será discutido por Junta de Execução Orçamentária
21/065/2025
Valor Econômco

Por Lu Aiko Otta, Guilherme Pimenta e Jéssica Sant’Ana

 

A área econômica quer mirar no centro da meta fiscal, o déficit zero, para definir o volume de despesas a ser congelado este ano. Porém, existe a possibilidade de buscar um resultado mais frouxo, dentro da margem de tolerância da meta, que admite déficit de até R$ 30,9 bilhões. Esse é um dos pontos em aberto para a elaboração do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (RARDP), mais conhecido como “bimestral”, que será divulgado pela primeira vez este ano nesta quinta-feira (22).

Uma reunião da Junta de Execução Orçamentária (JEO), programada para esta terça-feira, deve discutir essa questão, segundo apurou o Valor.

Outro ponto a ser decidido no colegiado, segundo fonte, é o uso do crédito adicional de R$ 12,4 bilhões, que o governo pode abrir porque o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) medido de janeiro a dezembro de 2024 (4,83%) foi superior aos 4,23% utilizados para elaborar a proposta orçamentária deste ano. A tendência é utilizar o crédito para acomodar a revisão, para cima, das despesas obrigatórias.

Existe ainda a discussão sobre como tratar, do ponto de vista orçamentário e contábil, o ressarcimento a ser pago às pessoas que sofreram descontos indevidos em benefícios do INSS. O valor exato do prejuízo ainda está sendo apurado. Até esta segunda-feira, 1,6 milhão de segurados já haviam pedido ressarcimento.

Outro ponto de atenção é a revisão de algumas rubricas de receita. Após o fracasso do ano passado com o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a Receita Federal já anunciou que revisará para baixo a projeção atual, que chega a quase R$ 29 bilhões de arrecadação.

Na segunda-feira (19), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teve uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tratar do “bimestral” e de outros assuntos. A jornalistas o ministro disse que não iria antecipar a provável contenção de gastos que será anunciada na quinta-feira. Ele se limitou a dizer que o quadro fiscal será apresentado nesse dia.

Na última semana, Haddad disse que “medidas pontuais” para o atingimento da meta de déficit zero seriam apresentadas a Lula nesta semana, mas negou se tratar de um “pacote”. Ele também não deu mais detalhes sobre essas medidas.

A discussão sobre qual resultado buscar para as contas públicas este ano – e, portanto, qual o tamanho do aperto necessário nas despesas – ocorre num momento em que alas do governo elaboram novos programas para tentar elevar a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Na semana passada, rumores sobre essas novas medidas causaram nervosismo no mercado financeiro e a cotação do dólar subiu. Haddad negou de forma categórica que esteja em estudo um reajuste para o Bolsa Família em 2026. A revista “Veja” publicou que o benefício passaria de R$ 600 para R$ 700 no ano eleitoral.

Há, porém, outras medidas em estudo, segundo mostrou o Valor. Por exemplo, a criação de uma linha de crédito para pessoas que vivem em submoradias, que seria operado pela Caixa e, possivelmente, viabilizado com uso de recursos do Fundo de Habitação, já previstos no Orçamento.

Outro programa em discussão é o Vale-Gás, que demandará R$ 5 bilhões. O O programa gerou controvérsia por causa de seu formato original, pois os recursos não transitariam pelo Orçamento. Esse formato foi questionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Na semana passada, ao ser questionado a respeito, Haddad disse que os recursos do programa transitarão pelo Orçamento, qualquer que seja seu formato final.

Estuda-se ainda uma linha de crédito para aquisição de motocicletas, que tem como público principal os entregadores por aplicativos.

O Ministério de Minas e Energia elaborou uma medida provisória (MP) que amplia a gratuidade nas contas de luz e poderá beneficiar 60 milhões de pessoas. Se avançar, a conta da “bondade” será paga pelos grandes consumidores.

A rigor, a meta fiscal estará formalmente cumprida se o governo registrar este ano um déficit de até R$ 75 bilhões, ou 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB). Esse valor corresponde à soma da margem de tolerância da meta, de R$ 30,9 bilhões, e dos R$ 44,1 bilhões em precatórios que podem ser deixados fora das regras fiscais este ano. Especialistas veem nisso um sinal de frouxidão do arcabouço fiscal.

Assim, há nos bastidores do governo Lula quem defenda uma medida dura, para recobrar a confiança na política fiscal. É uma proposta que tromba de frente com a ala que quer novos programas.

Nas contas da Instituição Fiscal Independente (IFI), o governo federal precisaria usar o crédito de R$ 12,4 bilhões e congelar mais R$ 22,4 bilhões para cumprir a meta fiscal deste ano. Não no zero, mas com um déficit de R$ 64,2 bilhões.

Dado o ambiente político e a busca pela reeleição do presidente Lula, as apostas se concentram em um ajuste gradual, parcelado ao longo do ano. Assim, analistas esperam cortes na casa dos R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões no próximo bimestral.