Por Marcelo Osakabe
As incertezas sobre o pacote de revisão de gastos prometido pela equipe econômica têm elevado a tensão nos mercados locais, e economistas afirmam que o governo precisa ir além de medidas pontuais para virar o jogo e trazer uma narrativa mais construtiva para 2025 e os próximos anos.
O volume de propostas que vêm sendo aventadas nos últimos dias, bem como os desmentidos da equipe econômica, dificulta a projeção do que pode surgir no anúncio final. Apesar das incertezas, no entanto, um pacote que gire em torno de R$ 30 bilhões passou a ser tratado como o patamar mínimo ou “ponto focal” das expectativas de analistas, embora o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já tenha dito desconhecer como esse número projeção chegou ao noticiário.
Ainda que os cortes venham a se aproximar dos R$ 30 bilhões, o anúncio pode decepcionar a depender da composição das medidas, segundo o economista do Itaú Unibanco Pedro Schneider. Em sua avaliação, se o anúncio for, essencialmente, um reempacotamento de anúncios já feitos, como o combate a fraudes em programas como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a contabilização de emendas parlamentares para fins do mínimo da saúde, a recepção dos investidores pode ser ruim.
“São medidas que estão mais relacionadas aos R$ 26 bilhões em cortes para 2025 já prometidos pela equipe econômica em julho. Não é um esforço novo.”
Ele considera, porém, que para chegar a esses R$ 30 bilhões, o governo precisará lançar mão de novas medidas, de caráter pontual. Entre elas, mudanças nas regras do seguro-desemprego e da multa do FGTS, dos critérios de enquadramento do abono salarial e também o aumento do porcentual da complementação da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais de Educação Básica (Fundeb) para fins de cumprimento do piso da educação.
“Para surpreender o mercado, o ideal é trazer algo estrutural, na linha do que o ministro Haddad tem apontado”, continua Schneider. “A questão é que mesmo isso está aberto a interpretação. Um teto de crescimento igual ao do arcabouço fiscal [de 2,5%, descontada a inflação] para despesas significativas, como saúde, educação e benefícios, eu acho positivo. Para linhas como a despesa do funcionalismo, por outro lado, é negativo, porque ela cresce menos do que 2,5% normalmente.”
O economista no entanto, se coloca no grupo que espera um pacote contendo propostas já anunciadas e algumas de caráter pontual. “A gente acha difícil vir medidas estruturais, embora reconheça que o ministro tem sinalizado neste sentido.”
Roberto Secemski, economista-chefe para o Brasil do Barclays, também foca na qualidade das medidas anunciadas, mais do que o valor do pacote em si. “É compreensível que se procure um número como forma sucinta de representar o tamanho do esforço. Mas ele também precisa ser analisado em relação ao que representa em termos de corte de gasto ou somente de diminuição da velocidade de crescimento da despesa obrigatória.”
No primeiro grupo, explica, estão propostas como a redução do abono salarial e aperto das regras do BPC, mas também desindexação de aposentadorias e outros benefícios ao salário mínimo — medida que foi vetada pelo presidente Lula. No segundo, alternativas como mudanças na contabilização do Fundeb e também nas emendas parlamentares para o piso da saúde.
Dobrar a parcela que a União contabiliza para fins do mínimo da educação de 30% para 60% liberaria cerca de R$ 17 bilhões em gastos obrigatórios em 2025, exemplifica Secemski. Este espaço, no entanto, tenderia a ser ocupado por outras despesas discricionárias, já que o limite global para o crescimento das despesas vem do arcabouço fiscal.
“Medidas desse tipo representam uma reorganização que diminui a pressão do aumento do gasto obrigatório. Essa racionalização é bem-vinda, mas reforça apenas a primeira perna do arcabouço, que é o limite de gastos. A segunda é a meta de resultado primário e, quando se pensa no objetivo final da política fiscal, que é chegar à estabilização da dívida e, com isso, conquistar credibilidade, apenas a primeira perna não atinge, sozinha, esse objetivo”, resume.
Para Secemski, é um raciocínio que pode ser transportado para o momento do bloqueio ou contingenciamento de gastos. “Propostas como a que envolve o Fundeb reduzem o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias e, com isso, a necessidade de bloqueios. Mas não garantem a redução da despesa total do governo, então não diminuem a necessidade de contingenciamentos, que visam atender a meta de resultado primário”, diz. “E esses contingenciamentos continuarão sendo decididos a cada bimestre, no relatório de receitas e despesas, e sujeitos à vontade e à capacidade política de cada momento.”
Essa é uma crítica, segundo ele, que também pode ser dirigida à proposta de criar um limite de crescimento de 2,5% sobre todas as despesas, outra ideia que passou a circular recentemente. “Criar gatilhos de teto sobre os gastos obrigatórios sem enfrentar as causas desse crescimento é como criar um arcabouço dentro do arcabouço. Isso não resulta em ganho imediato de credibilidade, porque no fundo permanece o aumento inexorável dos gastos com salário mínimo e benefícios indexados”, afirma. “O ideal seriam medidas mais perenes, como desindexar benefícios do mínimo.”
Ítalo Franca, chefe de política fiscal e estudos especiais do Santander, tem uma avaliação um pouco diferente. Em sua opinião, medidas estruturais que visam o médio prazo são importantes, mas o foco, neste momento, é dar mais segurança de que a regra de despesa será cumprida já no ano que vem.
Ele pondera que alterações de caráter mais estrutural, como um teto de 2,5% para a valorização do salário mínimo, certamente melhoram a perspectiva no médio prazo, mas a economia imediata não é tão relevante, algo como R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões no próximo ano. Da mesma forma, aplicar o teto para os mínimos de saúde e educação também não gera grande economia no curtíssimo prazo, abaixo de R$ 5 bilhões.
“O ideal é que medidas de curto e médio/longo prazo caminhem juntas, mas a gente sabe que medidas mais estruturantes levam seu tempo”, ressalta o economista. Ele acrescenta que o encaminhamento do pacote via Proposta de Emenda Constitucional (PEC), como o governo já indicou que fará, constitui desafio adicional e eleva o risco de torná-la efetiva apenas em 2026.
O Santander defende a aprovação de um pacote de R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões para 2025 e 2026, mas Ítalo considera imprescindível a sinalização de uma economia de ao menos R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões somente no próximo ano. “É um valor mínimo que traria visibilidade sobre o tema. Mas é preciso mais, algo entre R$ 15 bilhões e R$ 30 bilhões apenas para 2025.”
“Estamos em um ponto de inflexão. Quanto maior o pacote, mais significativa a ancoragem que o governo vai conseguir fazer em relação ao fiscal e maior o efeito sobre o prêmio de risco que se vê no mercado hoje”, resume Franca.
Economista-chefe a AZ Quest, Alexandre Manoel avalia que o único gatilho para uma melhora da percepção dos mercados sobre a situação fiscal do Brasil é o governo sinalizar um horizonte para o déficit fiscal.
“A despesa primária como proporção do PIB saiu de 18% no governo Jair Bolsonaro, está perto de 20% por causa de despesas extraordinárias, como os gastos no Rio Grande do Sul, mas o atual governo deve entregar perto de 19%. Já a receita líquida, descontadas transferências, saiu de 17% do PIB e chegou hoje a 18,5%. Então existe, estruturalmente, um déficit primário de 0,5% do PIB. O que o governo precisa fazer é fechar esse déficit”, resume.
Até pela quantidade de opções aventadas nas últimas semanas, o ex-secretário dos ministérios da Fazenda e da Economia entre 2018 e 2020 prefere não apontar quais medidas poderiam ser adotadas para atingir o objetivo. Ele salienta, no entanto, que o importante é que o governo comece a fazer escolhas de política pública.
“O problema é que desde 2023, o atual governo não deu sinais de respeito à restrição orçamentária. O ministro Haddad reclama que assumiu várias receitas obrigatórias que vieram sem indicação de fonte, como Fundeb e Bolsa Família, mas o governo anterior, a despeito disso, compensava esse maior gasto com escolhas como a não valorização real do salário mínimo e a suspensão dos mínimos da saúde e educação.”
Em relatório a clientes, o HSBC sugere que alterações em abono salarial, seguro-desemprego e auxílio doença, BPC e Fundeb podem garantir uma economia de até R$ 40 bilhões. “Um anúncio do tipo seria positivo para o mercado, não por causa do valor em si, mas porque teriam caráter duradouro, impactando os orçamentos de 2026 em diante”, diz o relatório assinado pelo economista Daniel Lavarda.
O economista ressalta que um corte desse tamanho não altera o cenário “pouco construtivo” do banco para a dinâmica da dívida brasileira, mas assegura que o crescimento real da despesa não exceda o limite de 2,5% até pelo menos 2026.
Por outro lado, segue, “um resultado negativo seria um conjunto de medidas opacas, cujos impactos são difíceis de medir. Neste caso, o pacote seria recebido com ceticismo pelos mercados mesmo que chegue de R$ 30 bilhões a R$ 50 bilhões.”