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Envelhecimento rápido torna urgente nova reforma da Previdência
Para especialista, disparidade da população, com aumento das pessoas com mais de 60 anos e redução de jovens, tende a aumentar
15/11/2023
Valor Econômico

Por Marcelo Osakabe

 

O envelhecimento mais rápido que o imaginado da população brasileira, revelado pelo Censo de 2022, aumenta a urgência de discutir uma nova reforma da Previdência. De acordo com dados recém-publicados pelo IBGE, o ritmo de potenciais beneficiários – aqueles com 60 anos ou mais – cresceu 3,8% ao ano entre 2010 e 2022, mais de quatro vezes o registrado pela parcela de potenciais contribuintes, com idade entre 20 e 64 anos (0,9% o ano).

Os cálculos são do economista Rogério Nagamine Costanzi, especialista em políticas públicas do governo federal. E essa disparidade, alerta, só tende a piorar. O IBGE divulga novas projeções sobre demografia somente em 2024. No entanto, pelas estimativas da ONU, a fatia da população em idade de contribuir deve chegar a 2050 praticamente inalterada em relação a hoje, ao passo que a de idosos deve dobrar.

Considerando apenas os brasileiros de 15 a 59 anos, que responderam por 94,6% dos contribuintes no ano passado, a taxa de crescimento anual entre 2010 e 2022 foi de apenas 0,4%. Já a participação desse grupo dentro da população total caiu, 65,1% para 64,4%. São dados que fortalecem o fim do diagnóstico de fim do bônus demográfico, avalia Costanzi.

Em suas contas, essa dinâmica deve levar a proporção de contribuintes por aposentado, que hoje está ligeiramente abaixo de 2 para 1, a baixar a 1 para 1 em 2050.

“Quanto menor essa relação, maior precisa ser a contribuição para se manter um mesmo benefício, ou menor a taxa de reposição [porcentual do benefício recebido em relação à renda usada com como base do cálculo]. A questão é que, sem mudanças dentro desse sistema, vai ficar paulatinamente mais pesado para os trabalhadores continuar contribuindo com a Previdência”, diz Nagamine, que foi subsecretário do Regime Geral de Previdência Social do Ministério da Economia e também tem passagens pelos ministérios do Ministério do Trabalho e Emprego e Desenvolvimento Social.

Vale lembrar que a alíquota média paga atualmente por empregadores e trabalhadores no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que varia entre 27,5% e 34%, já é insuficiente para garantir o custeio do regime. Em um estudo recente, publicado em coautoria com Graziela Ansiliero, Costanzi estimou que a contribuição média necessária para equilibrar o sistema foi de 35% no período de 2009 a 2020. Se considerar apenas este último ano, ela sobe a 41,7%.

 

O cenário já desafiador pode se revelar ainda mais grave, continua. “Já era esperado que a população envelheceria em um ritmo maior. Por outro lado, a pandemia pode ter afetado a taxa de fecundidade maior que o esperado. Se isso for confirmado, o problema previdenciário se agrava”, diz. O IBGE divulga a nova taxa de natalidade no ano que vem.

Para o especialista, a discussão sobre uma nova reforma é tema já para o próximo governo. Ao contrário de cálculos que circularam no fim de 2022 afirmando que a atual reforma havia superado as expectativas, economizando quase 80% a mais do que o previsto inicialmente, ele estima que o desempenho das novas regras não apenas ficou em linha com o esperado, mas está sendo corroído pelo que chama de “contrarreformas” como a mudança das regras de aposentadoria especial. A isso, se acrescentam novos fatores, como a retomada da política de valorização do salário mínimo e brechas como a que permitiram o chamado “milagre da contribuição única”. Esta última possibilidade foi efetivamente encerrada pelo Supremo Tribunal Federal no ano passado. Ainda assim, deve gerar uma despesa de R$ 31,5 bilhões para o INSS ao longo da vida dos beneficiados.

Além do envelhecimento mais rápido, será a chance de recolocar em pauta problemas que não foram atacados pela reforma de 2019 ou que acabaram se perdendo durante a tramitação no Congresso, diz.

“Temos um problema demográfico. O MEI agrava isso com problema de financiamento”

Um dos pontos é a inserção do Microempreendedor Individual (MEI) dentro do RGPS. De acordo com outro estudo de sua autoria, publicado ano passado, os trabalhadores MEI já são 10% dos contribuintes, mas apenas 1% da arrecadação. Isto ocorre pelo baixo valor da contribuição: 5% do salário mínimo, contra até 34% do salário do empregado com carteira assinada (entre 7,5% e 14% do trabalhador e 20% de seu contratante).

Dessa forma, a projeção é que, em 40 anos, a arrecadação com esse grupo chegue a R$ 55,4 bilhões, e as despesas, a R$ 784,2 bilhões – um déficit de R$ 728,8 bilhões.

“Ou seja, já temos um problema demográfico. O MEI agrava isso com um problema de financiamento”, resume Costanzi.

Outro foco da próxima reforma deve ser a aposentadoria rural, defende o economista. O déficit atual já supera os R$ 150 bilhões por ano e, de forma semelhante ao que ocorre com o MEI, o setor rural corresponde por 1,7% da receita e 20,5% da despesa do RGPS.

Embora volume de novos aposentados rurais venha crescendo em ritmo cada vez menor, o estoque não tem caído, nota. “A própria mudança pela qual o campo tem passado, em que cada vez se ocupa menos gente, mas com mais qualificação, deveria ser um ponto de partida para discutir esse regime. Algumas pesquisas mostram que a expectativa de sobrevida na área rural chega a ser maior que a da área urbana em determinadas regiões”, diz.

Entre as mudanças que podem ser discutidas, lembra que a aposentadoria rural tem diferenças em relação à urbana, como tempo de contribuição e idade mínima – que se manteve em 55 anos para mulheres e 60 para homens. Na urbana, passou a 65 e 62 anos.

Alguns pontos da reforma de 2019 que acabaram caindo durante a negociação no Congresso também deveriam ser retomados, lembra. Entre eles, a inclusão de servidores estaduais e municipais dentro das regras gerais e a inclusão de medidas de ajuste automático à evolução demográfica.

Um levantamento junto à OCDE mostrou que 24 países já adotam algum tipo de mecanismo do tipo, como o ajuste da idade de aposentadoria ou do valor do benefício, condicionado à expectativa de vida.