Por Sergio Lamucci
O ciclo de alta da Selic se aproxima do fim – ou já pode até mesmo ter sido encerrado com o aumento de 0,5 ponto percentual, de 14,25% para 14,75% ao ano, promovido na semana passada pelo Banco Central (BC). Os juros brasileiros já estão muito elevados, e a economia global deve desacelerar com mais força do que se imaginava há alguns meses, devido ao impacto da escalada tarifária imposta pelo governo de Donald Trump, o que tem levado à queda dos preços de commodities como o petróleo. A Selic, desse modo, tende a ficar estacionada nos atuais 14,75% ou ter uma alta modesta na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em meados de junho, talvez de 0,25 ponto percentual.
Isso não quer dizer, porém, que haverá um ciclo de queda expressiva da Selic a partir do fim deste ano ou do começo do próximo. As expectativas de inflação permanecem distantes da meta de 3%, os índices de preços correntes mostram pressões inflacionárias disseminadas, medidas tomadas pelo governo deverão dar algum gás adicional à economia e não se vislumbra nenhuma mudança na política fiscal que reduza as incertezas sobre as contas públicas até o fim do ano que vem. O consenso de mercado aponta para uma Selic de 12,5% em dezembro de 2026, o que implica uma taxa superior a 8% em termos reais, descontando a inflação esperada para os 12 meses seguintes, de 4%.
Os juros, desse modo, deverão continuar muito altos, mantendo nas alturas os gastos financeiros do setor público e castigando empresas e pessoas físicas endividadas. O setor privado também tende a investir menos na modernização e ampliação de sua capacidade produtiva do que poderia, dado o nível dos juros que deve prevalecer pelo menos até o fim de 2026.
Na sexta-feira, o resultado do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de abril deixou claro que o quadro inflacionário continua desconfortável, e as preocupações não se limitam à alimentação no domicílio, a grande dor de cabeça do governo. O comportamento dos preços dos serviços e dos bens industriais não é favorável, num cenário de pressões inflacionárias disseminadas, como evidencia o índice de difusão, que mostra percentual de itens em alta no mês. Em abril, o indicador ficou em 66,8%, acima dos 64,7% de março e dos 57% de abril de 2024.
O grupo alimentação no domicílio teve alta de 0,83%, desacelerando em relação ao 1,31% de março. Ainda assim, um percentual elevado, e um pouco superior ao 0,81% do mesmo mês do ano passado. Com isso, a inflação acumulada pela comida em casa passou de 7,85% para 7,87%, uma variação que pesa no bolso do consumidor. Para maio, a alimentação no domicílio deve perder mais fôlego, para 0,37%, nas estimativas do economista Fábio Romão, da LCA 4Intelligence. No ano, a alta do grupo deve ficar em 7,7%, projeta ele. É uma ligeira perda de fôlego em relação aos 8,2% de 2025, devido a boas safras em algumas commodities, além da descompressão de alimentos in natura, o que aponta algum alívio no atacado agropecuário que poderá desaguar no varejo, diz Romão. Mesmo assim, 7,7% é uma variação elevada, que afeta em especial os mais pobres.
Os bens industriais também mostram uma dinâmica desfavorável. Os preços desses produtos avançaram 0,6% em abril, acima do 0,37% do mês anterior. Em 12 meses, a alta passou de 3,67% para 4,09%. Há um ano, as cotações de bens industriais subiam apenas 0,35% nessa base de comparação. Para Romão, artigos de residência e vestuário deverão responder “de maneira defasada à importante desvalorização cambial registrada ao longo de 2024”, apesar da queda do dólar neste ano, o que poderá levar a reajustes entre maio e julho, “chancelados pelos ganhos reais de renda e pela baixa taxa de desemprego”.
Romão estima um IPCA de 5,5% neste ano e de 4,5% no ano que vem, nos dois casos bem acima da meta de 3%. No Boletim Focus do BC, o consenso de mercado aponta uma inflação de 4% em 2027 e de 3,8% em 2028. Em resumo, as expectativas de inflação continuam desancoradas.
O cenário externo pode dar algum alívio à inflação, ao levar a uma desaceleração mais forte da economia global e a preços de commodities mais baixos. Na contramão, iniciativas do governo devem estimular a economia, o que pode ter algum impacto inflacionário. Nas contas dos economistas da XP, o novo crédito consignado para o setor privado, por exemplo, deve acrescentar 0,6 ponto percentual ao crescimento do PIB, em termos anualizados. Há também a isenção do Imposto de Renda para quem ganha acima de R$ 5 mil por mês, o que deve injetar mais recursos na economia em 2026.
A tendência é que os juros sigam elevados até o fim do ano que vem, ainda que deva haver algum espaço para cortá-los no fim deste ano ou no primeiro semestre do ano que vem. A LCA 4Intelligence, por exemplo, vê mais uma alta de 0,25 ponto da Selic em junho, com a taxa subindo para 15% ao ano. Os juros ficariam parados nesse nível até março de 2026, quando começariam a cair, encerrando o ano que em 12,5%, diz Romão.
Nesse horizonte, o ciclo de queda dos juros deverá ser limitado, insuficiente para levar a Selic de volta a 10,5%, o nível em que estava em setembro de 2024, quando o BC começou a aumentá-la. Como pano de fundo, um governo que não reduz as incertezas sobre a trajetória da dívida pública. O resultado é uma política monetária mais dura, necessária para compensar uma política fiscal frouxa, que não enfrenta o problema do crescimento dos gastos obrigatórios.