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Finanças Municipais
Especialistas veem desafio político na busca do IBGE por recursos
Para analistas, debate lançado por Pochmann é bem-vindo, mas de solução difícil
13/02/2024
Valor Econômico

Por Lucianne Carneiro e Rafael Rosas

 

Especialistas acreditam que a proposta do presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Marcio Pochmann, de conseguir novos recursos para o instituto por meio de uma parcela de fundos já existentes, como royalties de petróleo e os Fundos de Participação de Estados e Municípios, pode ser politicamente difícil de ser viabilizada. O debate sobre o orçamento do instituto, no entanto, é bem-vindo, apontam analistas ouvidos pelo Valor sobre o tema, que reforçam a importância do fortalecimento do IBGE para garantir a realização das pesquisas que mostram o país.

Em entrevista ao Valor, Pochmann apontou que busca alternativas para bancar grandes pesquisas do IBGE, como o Censo Agropecuário e a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), base para o cálculo dos pesos de produtos e serviços do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o indicador oficial de inflação. Nos últimos anos, o IBGE sofreu com enxugamento de verbas, o que comprometeu até o Censo Demográfico.

A ideia de Pochmann envolve uma mudança na legislação para redirecionar recursos de fundos já existentes, sem impacto fiscal ou criação de impostos, e que teria de passar pelo Congresso depois de envio de projeto pelo Executivo.

Secretário-executivo da Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos, Gilberto Perre reconhece que o IBGE presta serviço essencial e seu subfinanciamento preocupa pela importância dos dados para planejar políticas públicas e distribuir recursos a municípios, mas diz que é preciso cautela. A ideia significa transferência de custo de um serviço federal para os municípios, segundo ele, quando eles recebem cada vez mais responsabilidades, sem recursos proporcionais.

“Lutamos para aumentar a fatia dos municípios no bolo tributário nacional. Abrir mão de parcela do fundo de participação, mesmo que pequena, é complicado”, diz, sinalizando, no entanto, que a entidade está disposta a negociar, embora seja “uma estrada longa”.

Redirecionar recursos implica brigas grandes, já que alguém perde”.

Na mesa de negociação, Perre defende a inclusão de contrapartidas, sendo uma delas um diálogo mais estruturado entre municípios e o IBGE na produção das estatísticas. Um exemplo concreto, cita, pode ser o compartilhamento de dados para a manutenção atualizada do cadastro imobiliário dos municípios, que ajude na arrecadação de impostos territoriais.

“Ninguém vai ceder dinheiro fácil, mas é possível negociar para um jogo de ganha-ganha. Só não pode ser farinha pouca, meu pirão primeiro”, afirma.

Com tom mais crítico, o economista e geógrafo François Bremaeker, gestor do Observatório de Informações Municipais, classifica a proposta como “estapafúrdia”. Ele reforça que levantar a população com os Censos e calcular repasse de royalties são tarefas do IBGE.

“Será que o governo federal não tem como sustentar o IBGE? Os municípios já têm tantos encargos que são mal remunerados pelo governo, como serviços prestados pelo SUS, merenda escolar, transporte escolar… A proposta é uma afronta aos interesses dos municípios”, nota Bremaeker, que diz ser “difícil” que o plano prospere.

O ex-presidente do IBGE Roberto Olinto também prevê dificuldades políticas: “Redirecionar recursos implica brigas grandes, já que alguém vai perder. E normalmente esse alguém é mais poderoso que o IBGE”.

Um ex-diretor do IBGE, que prefere não se identificar, chega a chamar de “ingenuidade” de Pochmann a ideia de vincular recursos de fundos já existentes e afirma que “é mais fácil aumentar o orçamento do IBGE que vincular recursos de fundos específicos”.

Especialistas do setor de óleo e gás também consideram complicado mudar a distribuição das participações governamentais sobre a produção de óleo e gás. “Uma mudança na distribuição depende de lei. Se for para incluir um novo beneficiário, acho impossível”, resume um ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Naturais e Biocombustíveis (ANP), que pede para não ser identificado.

Consultor e ex-diretor da ANP, José Cesário Cecchi ressalta que a primeira dificuldade está na disputa por um recurso que é finito: “Todos os setores que querem morder parte da renda do petróleo têm boas argumentações e fundamentos técnicos”, diz Cecchi. Ele acrescenta que diversos municípios entram na Justiça provar que deveriam receber parte dos recursos. “Por que passar para o IBGE e não para segurança? Ou mais para saúde e educação?”, questiona.

Ao apresentar a ideia, Pochmann disse que é necessário convencer a sociedade da importância dos dados que o IBGE produz, mas reconheceu a questão política: “Do ponto de vista técnico, tem [saída]. Os dados são essenciais hoje. Isso é um convencimento para a sociedade. Agora, o poder político, partidário… Aí não é nossa parte.”

Roberto Olinto e o ex-diretor do IBGE destacam, no entanto, que a despeito das dificuldades políticas é importante o debate público sobre a necessidade de recursos para o IBGE. A opinião é compartilhada por Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Ele defende o “fortalecimento financeiro do IBGE”, mas prefere não avaliar a viabilidade política da ideia: “A proposta está aí para discussão. A forma é menos relevante que o conteúdo. Isso na verdade é uma decisão política para alocar mais recursos no IBGE. Se será feito via royalties ou outra forma, importa menos que o problema”, afirma, acrescentando que “o tamanho do IBGE é pequeno para o Orçamento federal, especialmente se considerar as emendas parlamentares”.