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Governo mira carne e outros alimentos, mas inflação de serviços preocupa muito mais
Ano de 2025 começa como terminou 2024: dando sinais ruins, e cada vez piores
27/01/2025
Valor Econômico

Por Anaïs Fernandes

Enquanto o governo se vê às voltas com o que fazer para tentar segurar o preço dos alimentos, economistas estão muito mais preocupados com o avanço da inflação de serviços e de outras medidas “qualitativas”, isto é, que indicam tendência e sobre as quais a política monetária do Banco Central teria maior poder de fogo maior.
O primeiro Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), prévia da inflação oficial do país, do ano avançou 0,11% em janeiro, bem acima da expectativa mediana de queda de 0,02% colhida pelo Valor Data.
Uma das surpresas baixistas no mês, no entanto, foi exatamente a alimentação. O grupo “alimentação e bebidas” desacelerou mais do que os economistas esperavam ao registrar alta de 1,06% no IPCA-15 de janeiro, ante 1,47% na prévia de dezembro de 2024. A alimentação no domicílio, especificamente, desacelerou de 1,56% para 1,1%.
Parte substantiva dessa desaceleração se deveu às carnes, tema caro ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja alta de preços passou de 7,91% no IPCA-15 de dezembro para apenas 1,93% em janeiro. Em 12 meses, no entanto, as carnes ainda estão muito pressionadas, com inflação de 20,65% — mas, ao menos, estáveis em relação ao IPCA cheio de dezembro de 2024.
A alimentação no domicílio, por sua vez, observou alívio de um ponto percentual em relação ao mês anterior, para 7,75% nos 12 meses até a prévia de janeiro, enquanto o grupo “alimentação e bebidas” desacelerou de 8% para 7,49%. Todos seguem, porém, acima do índice geral, que acumula alta de 4,5% e, agora, está provisoriamente dentro do teto de tolerância da meta de inflação para o ano — até a prévia de dezembro, estava em 4,71%.
Sem o “bônus de Itaipu”, que levou a uma queda de 15,5% na energia elétrica residencial no IPCA-15 de janeiro, a prévia da inflação teria ficado mais perto de 0,7% e, em 12 meses, de 5%, nota Mirella Hirakawa, da consultoria Buysidebrazil. Seria um número mais parecido com o de 2021, quando, após o choque da pandemia, a inflação fechou o ano em 10%.
O efeito pontual em energia acabou mascarando os claros sinais de reaceleração da inflação na prévia de janeiro. Mais importante sob a ótica dos analistas e do BC, todas as medidas qualitativas aceleraram entre o IPCA-15 de dezembro de 2024 e o de janeiro de 2025.
O índice de difusão (percentual de itens em alta na cesta) passou de 61,85% para 68,94%, o mesmo registrado em junho de 2022, segundo a MCM Consultores.
A média dos cinco núcleos (medidas para suavizar itens voláteis) mais acompanhados pelo BC acelerou de 0,41% para 0,66%. Em 12 meses, foi de 4,09% para 4,42%, o maior valor desde o IPCA-15 de dezembro de 2023 ( 4,46%).
Os serviços aceleraram de 0,64% para 0,85%, muito acima da expectativa ao redor de 0,36% do mercado. Foi uma reaceleração, porque em dezembro eles haviam recuado da alta de 0,72% de novembro. É verdade que houve uma contribuição importante das passagens aéreas, cujos preços subiram mais de 10% na prévia de janeiro, enquanto economistas esperavam queda.
Ainda assim, os serviços subjacentes, que excluem itens voláteis como as passagens aéreas, aceleraram de 0,71% para 0,96%. É o maior valor desde maio de 2022 (0,98%), pela série da MCM. Em 12 meses, os serviços subjacentes passaram de alta de 5,66% para 5,95%, o maior valor desde junho de 2023, quando acumulavam 6,53%.
As médias móveis de três meses sazonalmente ajustadas e anualizadas — uma forma de suavizar movimentos mensais, mas ainda captar a tendência “na ponta” de modo mais dinâmico do que a variação em 12 meses — de serviços e dos serviços subjacentes aceleraram para 9,1% e 8,7% no IPCA-15 de janeiro, respectivamente, de 5,7% e 8,5% em dezembro, pela ordem, segundo o Goldman Sachs.
Boa parte dessa inflação “qualitativa” tem sido alimentada pela atividade doméstica sobreaquecida e pela sustentação da renda disponível das famílias, impulsionada por fatores como o mercado de trabalho apertado e a alta de 7,5% no salário mínimo.
A inflação dos serviços mais sensíveis à mão de obra (exceto o trabalho doméstico) acelerou de 0,75% no IPCA-15 de dezembro para 1,28% em janeiro, passando de 7,23% para 7,62% em 12 meses, pelos dados da MCM. Já a inflação dos serviços mais sensíveis à ociosidade da economia até desacelerou de 0,86% em dezembro para 0,80% em janeiro, mas, em 12 meses, saltou de 4,91% para 5,42%.
O efeito do salário mínimo também parece se fazer presente na alta generalizada dos preços de serviços ligados a “profissionais liberais”, como dentista (1,6%), psicólogo (1,2%), costureira (1,2%), manicure (2,3%), entre outros, conforme nota Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners.
“Enquanto isso, o governo continua se mostrando mais preocupado com as consequências do que com as causas [da inflação]”, diz ele em relatório, em referência aos debates públicos sobre o preço das carnes, mas não sobre a demanda superaquecida e os impactos da política de salário mínimo.
Leal brinca que, se for assim, o próximo motivo para preocupação no Palácio do Planalto pode ser o tomate, que subiu 17,12% no IPCA-15 de janeiro e vai avançar mais, pelo menos até março.
“É sazonal. Mas o governo desconhece esse conceito e, enquanto isso, quem vai continuando a ter que enfrentar as ‘causas’ sozinho é Banco Central”, afirma.
Os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central se reúnem nesta semana com a promessa de oferecer ao menos mais uma alta de um ponto percentual para a Selic, a taxa básica de juros do país, hoje em 12,25%. O conjunto de informações divulgados na sexta-feira, o último antes do encontro, deve adicionar preocupação ao colegiado, junto com a contínua desancoragem das expectativas — e sem falar da desvalorização cambial.
Na última semana, a mediana do boletim Focus, pesquisa do BC com agente financeiros, para o IPCA andou de 5% para 5,08% em 2025 e de 4,05% para 4,1% em 2026. Na ponta, porém, esses números já são maiores. Após a divulgação do IPCA-15 de janeiro, o ASA ajustou sua projeção de IPCA em 2025 para 6%, de 5,5%, enquanto a estimativa de 2026 foi para 5,5%, de 5%, por causa da inércia. O Banco ABC Brasil elevou a projeção de 2025 para 5,7%, de 5,4%. A LCA 4intelligence ajustou para 5,5%, de 5,4%.
Enquanto isso, a expectativa mediana do Focus é que a alimentação em casa desacelere de 8,6% em 2024 para 6,4% em 2025, diante, por exemplo, das boas safras em algumas commodities, da acomodação das carnes e de descompressão em alimentos “in natura”.
Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galapagos Capital, ainda está em uma ponta mais baixista das projeções de IPCA para 2025, com 4,8%. Se a política monetária funcionar, diz, ela vai ajudar a controlar parte do repasse cambial do atacado ao consumidor e segurar o IPCA de 2025 em um nível parecido com o fim de 2024, o que já seria um baita ganho, porque o efeito de se sair de um câmbio na casa de R$ 5 por dólar para R$ 6 não é nada trivial.
Para isso, no entanto, a política fiscal — essa sim sob controle do governo — precisa colaborar. Sem novas ações nessa área no horizonte, por ora, a percepção é que, ao menos em termos de inflação, o ano de 2025 começa como terminou 2024: dando sinais ruins, e cada vez piores.