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Haddad pede pacto entre Poderes para recuperar contas públicas
Declaração é reação à decisão do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, de desonerar folha de municípios
04/04/2024
Valor Econômico

Por Julia Lindner, Renan Truffi e Jéssica Sant’Ana

 

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu nessa terça-feira (2) um compromisso dos três Poderes em defesa da arrumação das contas públicas. A declaração foi feita após ele ser questionado se a decisão de desonerar a folha de pagamento dos municípios, por um ato do presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), prejudica a busca pela meta fiscal.

Haddad pediu para que o questionamento fosse feito também ao Legislativo. “O importante é que essa pergunta não tem que ser uma questão só ao Executivo. Eu sei que vocês às vezes estão constrangidos em fazer as perguntas às pessoas que têm responsabilidade, mas isso é um pacto que tem que ser feito nos três Poderes”, afirmou o ministro.

“A arrumação das contas públicas exige um compromisso do três Poderes, não vamos chegar aos nossos objetivos sem levar em consideração o descalabro que aconteceu em 2022”, ele completou.

Para Haddad, deve-se respeitar o tempo do Congresso, mas também é preciso sensibilizar para o problema. “O papel da Fazenda é dar um norte sobre como arrumar [as contas públicas]. Precisamos fixar uma meta e buscar.”

Pacheco tomou uma atitude inédita ao tornar sem efeito apenas parte de uma medida provisória (MP). O objetivo dele foi evitar que a cobrança sobre a folha de pagamento das prefeituras de cidades com até 156 mil habitantes passasse de 8% para 20% a partir desta semana. O tema é considerado sensível no Congresso, especialmente por se tratar de ano eleitoral.

O trecho da MP que trata do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), por sua vez, foi prorrogado por Pacheco por mais 60 dias.

O governo estuda judicializar a questão. De acordo com integrantes do Palácio do Planalto, a intenção de questionar o ato no Supremo Tribunal Federal (STF) é evitar que outros chefes do Legislativo tomem atitudes semelhantes no futuro, o que poderia gerar o “fatiamento” de MPs. Na prática, alguns dizem que é como se o presidente do Senado tivesse editado um  novo texto.

Ao mesmo tempo, integrantes da ala política tentam colocar panos quentes no imbróglio, alegando que Pacheco poderia ter devolvido toda a MP, o que geraria mais desgaste, mas não o fez.

O episódio também evidenciou um mal-estar entre Pacheco e o ministro Fernando Haddad, que disse não ter sido informado diretamente da decisão. “Ele conversou com o ministro [Alexandre] Padilha, que me ligou. Eu não havia conversado sobre isso com ele [Pacheco].”

O presidente do Senado rebateu dizendo que o governo deveria ter enviado desde o início um projeto de lei sobre a reoneração dos municípios, e não uma medida com efeito imediato que contraria decisão anterior do Legislativo. Na visão dele, já há precedentes no STF contra esse tipo de iniciativa do Executivo.

“A desoneração pode ser uma realidade mutável, mas a partir de um projeto de lei sustentável. Isso já poderia ter sido feito antes. Nós aguardamos esse tempo todo com uma MP, para só então se pensar em PL. Não é esse o razoável. A MP não tinha viabilidade política de prosperar, até pela sua inconstitucionalidade”, avaliou o presidente do Senado.

Pacheco convocou a imprensa para um pronunciamento sobre o tema em que negou haver uma tentativa de enfrentamento com o Executivo. “O uso da MP gerou essa extremidade [de tornar trecho sem efeito], essa insegurança, que a presidência do Senado buscou dirimir”, enfatizou.

Líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), afirmou ter sido pego de surpresa pela decisão de Pacheco, assim como a Fazenda. Segundo ele, houve um “ruído de comunicação”.

“O assunto pegou mais ou menos todo mundo de surpresa, até do nosso lado. Não estávamos sabendo. Mas não vou tratar como falha de comunicação. Talvez tenha tido algum ruído de comunicação, mas nada que comprometa a relação que o governo tem com Pacheco”, disse o líder.

Randolfe acrescentou que o Ministério da Fazenda e a Advocacia-Geral da União (AGU) estão responsáveis por avaliar as possibilidades de judicialização do assunto por questões de “mérito”, e não de formato.

“É um princípio constitucional que diz que para eventual despesa aprovada pelo Congresso Nacional, tem que ter a respectiva demonstração de receita”, afirmou Randolfe.

O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), minimizou a decisão de Pacheco, após procurá-lo na noite dessa terça. “Ele é presidente do Congresso, não é líder do governo”, reagiu.

Ao expor que não foi comunicado diretamente pelo presidente do Senado, Haddad evidenciou o mal-estar entre eles. O motivo está relacionado principalmente a temas ligados a Minas Gerais que interessam a Pacheco.

Pacheco, segundo aliados, não gostou da proposta anunciada pela Fazenda na semana passada para a renegociação da dívida dos Estados com a União, uma de suas principais bandeiras. O presidente do Senado esperava uma “solução mais ampla”.

Pacheco insiste, por exemplo, na ideia de federalização de ativos dos Estados, o que, no caso de Minas Gerais, envolveria a venda de empresas como a Cemig, Codemig e Copasa. Pela iniciativa de Haddad, seria possível amortizar de 10% a 20% da dívida em troca de ativos, o que inclui participações em empresas públicas e sociedades de economia mista, mas não a venda.

Para interlocutores de Pacheco, a proposta apresentada pela Fazenda é “fora de lógica”. Já aliados de Haddad ponderam que este é só o início de uma negociação, e que o ministro da Fazenda precisa ouvir os governadores e outros agentes envolvidos.

Enquanto a Fazenda defende um prazo de 60 dias para a apresentação de um projeto de lei sobre o assunto, Pacheco quer tudo resolvido ainda neste mês.

Aliados do presidente do Senado também consideram que Haddad tentou colocar sobre ele toda a responsabilidade na questão da desoneração dos municípios,

desconsiderando o sentimento geral no Legislativo contra a iniciativa, vista como uma afronta à decisão anterior. Em busca de um entendimento, o ministro da Fazenda procurou o presidente do Senado nesta terça para negar qualquer atrito.