O temor com a possível deterioração das condições da economia tem alimentado a pressão sobre Fernando Haddad entre membros do governo e aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A ofensiva interna contra o ministro da Fazenda ocorre em meio à queda de braço pública no governo sobre a tributação dos combustíveis, tema central da reunião desta segunda-feira (27) entre Lula, Haddad, Rui Costa (Casa Civil) e o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates.
O encontro marcado para as 10h, no Palácio do Planalto, ocorre na véspera do prazo de vencimento da MP (medida provisória) que prorrogou a desoneração tributária sobre gasolina e etanol por 60 dias, até 28 de fevereiro deste ano. A medida assinada por Lula em 1º de janeiro prevê a volta das alíquotas de PIS/Cofins na próxima quarta-feira (1º).
O tema contrapõe a ala política e a equipe econômica do governo Lula. A manutenção das alíquotas zeradas é defendida por petistas e aliados políticos de olho no impacto sobre o bolso dos consumidores. Há o temor de que a medida impulsione novamente a inflação, que acumula alta de 5,77% em 12 meses até janeiro.
Atualmente, a gasolina é vendida no país ao preço médio de R$ 5,07 por litro. Caso o repasse dos impostos federais seja integral, o preço do litro médio será acrescido de R$ 0,68 e subirá a R$ 5,75, patamar observado pela última vez em julho de 2021.
O etanol saltaria de R$ 3,80 para R$ 4,04, com aumento de R$ 0,24 por litro. Os números finais, porém, dependerão de estratégias de repasse das empresas.
As alíquotas foram zeradas por Jair Bolsonaro (PL) em 2022, na tentativa de conter a escalada de preços nas bombas em meio ao avanço das cotações do petróleo em ano eleitoral.
Mas desoneração tributária significa perda de receita para a União. Assim, a equipe econômica defende a volta da taxação sobre combustíveis na tentativa de mitigar o rombo de R$ 231,55 bilhões nas contas públicas e de recompor os cofres do governo.
Segundo cálculos divulgados por Haddad em anúncio de pacote fiscal, o fim da desoneração sobre gasolina e etanol representaria um aumento de arrecadação de R$ 28,9 bilhões neste ano.
Em rede social, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), defendeu na última sexta-feira (24) que seja definida uma nova política de preços para a Petrobras antes da discussão sobre a retomada dos tributos federais sobre combustíveis.
“Não somos contra taxar combustíveis, mas fazer isso agora é penalizar o consumidor, gerar mais inflação e descumprir compromisso de campanha”, escreveu.
Além do preço dos combustíveis, a pressão de membros do governo e aliados de Lula sobre Haddad inclui outros pontos da agenda econômica que, na visão dessas pessoas, podem contribuir, caso sejam mal geridos, para uma piora no cenário e o agravamento de problemas políticos.
Paira sempre entre membros desse grupo a avaliação de que um governo que venceu as eleições por uma margem mínima não tem muitos créditos a queimar e está sob risco de reagrupamento e fortalecimento do bolsonarismo radical.
Uma preocupação especial tem sido o cenário do crédito no país. Segundo essas pessoas, o combate à inadimplência deve ser encarado como um desafio imediato pelo ministro da Fazenda, que deveria estabelecer urgência para enfrentar o problema.
Embora discordem da amplitude dos problemas nessa área, aliados concordam com a existência de ameaças à economia.
Na opinião de um interlocutor do presidente, por exemplo, há uma crise de crédito em marcha em decorrência do baixo crescimento e da redução de faturamento das empresas. A contração forte do crédito associada à inadimplência de empresas e famílias, diz ele, poderia culminar em recessão.
Para outro colaborador de Lula, haveria um certo exagero ao se falar em crise de crédito diante da solidez do sistema bancário. O problema, no entanto, seria o de risco de crédito para as pequenas e médias empresas, sendo localizados os casos de insolvência entre companhias de grande porte, como o das Americanas.
Em socorro aos cerca de 70 milhões de brasileiros negativados por inadimplência, os aliados do presidente pedem rápida implantação do Desenrola, programa de refinanciamento de dívidas, cujo desenho final estava prometido para janeiro.
A própria presidente do PT, Gleisi Hoffmann, apontou, em entrevista à Folha, o programa como uma das prioridades do governo para a recuperação econômica.
Para as micros, pequenas e médias empresas, uma das propostas é para que os bancos públicos engordem os fundos garantidores, fortalecendo o sistema de crédito, além do reforço do Pronampe (programa nacional de apoio às microempresas e empresas de pequeno porte).
Presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Aloizio Mercadante defende aumento de capacidade para concessão de crédito. Para isso, tem reivindicado redução dos dividendos pagos à União.
Mercadante pleiteia isonomia com bancos públicos, como o Banco do Brasil.
Hoje, o BNDES paga até 60% dos lucros aos acionistas. O BB, por sua vez, paga 40% a seus acionistas, incluindo a União na condição de acionista majoritário. Mercadante sugere ainda a isenção de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) em financiamentos, o que também representaria renúncia fiscal para o governo.
Um dos principais embates de Lula neste início de gestão diz respeito exatamente ao temor do governo de que uma marcha lenta ou um recuo na economia lhe retirem capital político já nessa largada.
O alvo do petista foi o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, levado ao cargo por Bolsonaro e cujo mandato termina em 31 de dezembro de 2024.
Lula defendeu publicamente um aumento na meta de inflação para abrir caminho à flexibilização do aperto monetário -a taxa Selic está hoje em 13,75% ao ano- e ao crescimento da economia.
O presidente chegou a afirmar que o atual patamar da Selic é uma “vergonha”, chamou a autonomia do BC de “bobagem” e deu sinais de que pode rever a independência da instituição após o fim do mandato de Campos Neto.
Embora o BC indique a manutenção dos juros nesse nível por mais tempo, os riscos para a atividade econômica, o aumento da inadimplência e os sinais de maiores dificuldades financeiras enfrentadas por empresas devem desafiar a convicção do Banco Central sobre a manutenção do atual patamar de juros.
Para uma ala de economistas, os indícios mais recentes justificam uma reavaliação de cenário pelo BC, de forma a antecipar o corte de juros com o objetivo de estabilizar a atividade, mesmo com a inflação ainda longe da meta.
Para outros, porém, o risco fiscal traduzido na expansão de despesas e na ausência de diretrizes concretas sobre o novo arcabouço de gastos- e a inflação resiliente ainda falam mais alto e inspiram cautela, justificando a manutenção da política monetária pelo BC.