Por Sergio Lamucci
Os resultados fiscais seguem desconfortáveis e as incertezas sobre a trajetória das contas públicas permanecem elevadas, ajudando a explicar em boa parte o dólar na casa de R$ 5,70 e os juros de longo prazo acima de 6% ao ano, descontada a inflação. A situação não é explosiva no curto prazo, mas o déficit público é muito alto e as despesas obrigatórias crescem a um ritmo insustentável, apontando para o aumento contínuo do endividamento do governo. Esse quadro impõe obstáculos a uma queda sustentada dos juros, o que afeta o ritmo de crescimento da economia e piora o desempenho fiscal. Além disso, um cenário incerto para as contas públicas se torna ainda mais delicado quando o ambiente externo é de maior aversão global ao risco como o atual, desfavorável a países emergentes como o Brasil.
Nos 12 meses até junho, o déficit nominal, que inclui gastos com juros, atingiu R$ 1,108 trilhão, o equivalente a 9,92% do PIB. É o mais alto desde os 9,93% do PIB de maio de 2016, excluindo os números de junho de 2020 a abril de 2021, quando as despesas para combater os efeito da pandemia levaram o rombo acima de dois dígitos. O resultado nominal é a combinação do déficit primário (que não inclui despesas financeiras) e dos gastos com juros, definindo a dinâmica da dinâmica pública.
Esse buraco nominal do setor público consolidado de quase 10% do PIB é a soma de um déficit primário de 2,44% do PIB, ou R$ 272,2 bilhões, e de despesas com juros de 7,48% do PIB, ou R$ 835,8 bilhões. O rombo primário do governo central foi ainda maior, de R$ 292,8 bilhões, ou 2,62% do PIB. A meta do arcabouço fiscal deste ano é de um déficit primário zero do governo central, com margem de tolerância de 0,25 ponto percentual do PIB, para mais ou para menos.
Os números em 12 meses estão inflados pelo pagamento de mais de R$ 90 bilhões de precatórios em dezembro de 2023, efetuado para impedir o acúmulo de uma bola de neve de gastos com essas sentenças judiciais em 2027. Mesmo excluindo esses valores , o rombo primário é muito expressivo.
Em 22 de julho, a equipe econômica tomou medidas para reduzir as incertezas de curto prazo em relação às contas públicas. Anunciou um congelamento de gastos de R$ 15 bilhões para o orçamento deste ano, além de ter adotado uma medida para controlar as despesas em agosto e setembro, com a contenção de mais cerca de R$ 33 bilhões em dispêndios. Esse valor só poderá ser gasto se não forem necessários novos bloqueios e contingenciamentos de recursos. São iniciativas para mostrar o compromisso do governo com o arcabouço, um sinal positivo, ainda que tendam a não ser suficientes para garantir o cumprimento da meta de 2024.
Medida importante do risco fiscal, os juros dos títulos de longo prazo corrigidos pela inflação seguem acima de 6% ao ano. Nas últimas semanas, as taxas dos papéis do Tesouro atrelados ao IPCA que vencem em 2045 e 2050 cederam um pouco, depois de terem atingido a casa de 6,65% no começo de julho. Na sexta-feira, fecharam um pouco acima de 6,2%, ainda assim um nível muito alto, insustentável no longo prazo. Em novembro de 2019, estavam em torno de 3,3%.
As medidas de contenção de gastos para este ano são uma boa notícia, depois das diversas manifestações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva colocando em dúvida a necessidade de controlar despesas, o que pode ajudar a explicar parte do recuo das taxas dos títulos corrigidos pela inflação. No entanto, o governo Lula indica que não pretende tomar iniciativas para reduzir o ritmo de expansão das despesas obrigatórias, como desvincular benefícios previdenciários e assistenciais do reajuste do salário mínimo e desatrelar o piso de gastos com saúde e educação da variação de receitas. A estratégia de ajuste do arcabouço fiscal se baseia principalmente em aumentar a arrecadação, uma política que dá sinais de esgotamento, embora faça sentido buscar parte da consolidação por esse caminho. O ponto é que o grande problema é o aumento insustentável das despesas obrigatórias. Enfrentar a expansão desses gastos é fundamental para melhorar a a trajetória da dívida pública. Em junho, o endividamento bruto atingiu 77,8% do PIB, vindo de 72,1% do PIB em junho de 2023 e 71,7% do PIB em dezembro de 2022.
E os gastos com juros, não estão elevados demais? Sim, não há dúvida. Como já mencionado, nos 12 meses até junho as despesas líquidas com juros, que mostram a diferença entre os valores financeiros pagos e recebidos pelo setor público, ficaram em 7,48% do PIB, superando R$ 835 bilhões. Mas, para reduzir esses gastos de modo sustentado, é essencial um ajuste que busque controlar o crescimento das despesas obrigatórias. Isso permitirá uma queda sustentada da taxa Selic e dos juros reais (descontada a inflação) de longo prazo, além de aliviar o câmbio. Nesse cenário, a carga de juros diminuirá, e será necessário um superávit primário menor para estabilizar e reduzir a dívida como proporção do PIB. Não é, porém, algo que ocorrerá do dia para a noite – vale lembrar que hoje a luta ainda é para zerar o déficit.
Medidas estruturais para diminuir o ritmo de expansão das despesas obrigatórias continuam ausentes da estratégia fiscal do governo, ainda que sejam bem-vindas iniciativas para cumprir a meta deste ano e para controlar o forte aumento das concessões do Benefício de Prestação Continuada (BPC, voltados para idosos e pessoas com deficiência de baixa renda). Sem isso, a Selic, hoje em 10,5% ao ano, não voltará a níveis mais baixos de modo duradouro.
O dólar mais caro e os juros de longo prazo elevados também se devem obviamente ao cenário externo mais hostil a emergentes, que hoje combina os temores de uma desaceleração mais acentuada da economia americana e a deterioração da situação geopolítica no Oriente Médio. As incertezas sobre as contas públicas, porém, têm mais peso para explicar o nível do câmbio e das taxas de juros. Se essas dúvidas não forem reduzidas, vão comprometer o desempenho da atividade econômica, além de piorar a própria situação fiscal.