Notícias

Economia
Mercado agora vê Selic a 9,75% no fim de 2024 com piora no cenário
Agentes se dividem em relação ao próximo passo do Copom; projeções para o dólar saltam de R$ 5 para R$ 5,10
23/04/2024
Valor Econômico

Por Gabriel Roca e Arthur Cagliari

 

O aumento das incertezas locais e externas desencadeou uma onda de revisões para a trajetória da Selic nas últimas semanas. Embora o mercado se encontre muito dividido sobre o tamanho do corte de juros que virá na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, a mediana das previsões para a taxa básica ao fim de 2024 teve um salto expressivo. Ao mesmo tempo, as perspectivas para o câmbio também pioraram, subindo de R$ 5 para R$ 5,10 no término do ano.

Em levantamento feito pelo Valor com 93 instituições financeiras, 50 disseram esperar que o Copom siga a orientação fornecida em sua última decisão e corte as taxas de juros em 0,5 ponto percentual em maio. As outras 43 já apostam em uma redução no ritmo de afrouxamento para 0,25 ponto. A taxa está atualmente em 10,75% ao ano.

Mais notável ainda é a mudança na percepção dos agentes sobre o espaço que o Banco Central (BC) tem para seguir reduzindo a Selic em 2024 e em 2025. Se, na pesquisa anterior, feita pelo Valor em março, a mediana das estimativas para a taxa de juros no fim do ciclo se encontrava em 9%, agora a indicação é de 9,75%. O patamar é superior também ao observado no Boletim Focus, atualmente em 9,13%. A trajetória para os juros básicos no fim do ano que vem seguiu a mesma direção e avançou de 8,5% para 9%.

A onda de revisões ocorreu em um intervalo de pouco mais de dez dias. A surpresa de alta com o índice de preços ao consumidor americano se juntou a novas evidências de que a economia americana segue forte, empurrando cada vez mais para frente as apostas sobre o início dos cortes de juros nos EUA. Simultaneamente, a escalada nas tensões no Oriente Médio sustentou os preços do petróleo. E, no ambiente doméstico, a revisão da meta fiscal levou a uma piora na percepção de risco sobre a sustentabilidade das contas públicas.

Com a deterioração do cenário de riscos em múltiplas frentes, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, veio a público, na semana passada, desenhar um mapa com quatro cenários possíveis para os próximos passos da política monetária no Brasil. Na prática, na avaliação dos agentes, o dirigente buscou se desfazer da orientação de política monetária indicada no comunicado da última decisão, de que o comitê via como apropriado mais um corte de 0,5 ponto percentual na taxa Selic.

Segundo o economista-chefe do Banco Pine, Cristiano Oliveira, a fala de Campos Neto será bastante útil para guiar os agentes no curto prazo. “Se as incertezas do mercado não diminuírem, tudo indica que haverá uma no ritmo dos cortes de juros aqui no Brasil. Vi a fala como muito importante porque em um regime de metas de inflação, é fundamental que a autoridade monetária tenha sempre um ‘forward guidance’ [indicação futura] muito atualizado e que leve em conta a realidade dos fatos. O ‘guidance’ [projeção] do comunicado e da ata pós-Copom fazia referência a um mundo que não existe mais”, afirma.

Para ele, outro fator que sinaliza que há um reconhecimento, por parte dos economistas de que o espaço para os cortes de juros diminuiu é o recente movimento de elevação nas projeções de inflação para 2025 no Focus.

“Acredito que uma parcela dos economistas vai continuar revisando para cima as projeções de inflação para 2025. O hiato [do produto, medida de ociosidade da economia] está fechando mais rápido do que se previa. Existe uma discussão sobre o processo de desinflação no Brasil ter menos impulso atualmente. Isso mostra que o espaço para cortes de juros é menor do que se supunha há meses. Eu também achava que podia cortar mais, mas a realidade mudou. Além disso, a trajetória fiscal, gera mais preocupação”, diz.

Segundo Oliveira, desde o início do ciclo de cortes o BC apontou que o juro permaneceria em território contracionista. “Acredito que agora deve ser mais contracionista ainda. Nunca houve plena convergência das expectativas. O que o BC fez foi um ajuste inicial, cortou o juro em 3 pontos, e agora deve começar um ajuste fino. Acredito que esse ajuste será de mais 1 ponto, dividido em quatro reuniões”, projeta.

Para a economista-chefe da Armor Capital, Andrea Damico, se a decisão do Copom fosse hoje, o mais provável seria uma redução no ritmo dos cortes. No entanto, caso o câmbio voltasse a um patamar mais próximo dos R$ 5,10, o cenário permitiria que o BC cumprisse sua orientação reduzisse a Selic em 0,5 ponto percentual.

“Não revisamos [a projeção para a Selic] para um corte de 0,25 ponto percentual porque entendemos que estamos em um momento de muita volatilidade no mercado. Não consigo imaginar que o câmbio irá se estabilizar na faixa dos R$ 5,30. Temos elementos para que retorne aos R$ 5,10 e precisamos esperar o desenrolar desses eventos para ter uma convicção maior”, afirma Damico.

Na visão da economista, no vetor externo, há pouca margem de melhora, já que os sinais dos EUA são de economia ainda resiliente e menos cortes de juros pelo Federal Reserve, o banco central do país. No entanto, há fatores locais que poderiam contribuir para uma distensão dos ativos e retomar a possibilidade de um corte de 0,5 ponto percentual em maio.

“Aqui dentro, existe algum potencial de reação. Vimos a notícia da distribuição dos dividendos extraordinários da Petrobras, na direção correta. Pode haver discursos mais firmes em relação à credibilidade fiscal, esse seria também um bom momento para algum anúncio de projetos de ‘spending review’ [revisão de gastos]. Não voltaríamos para o cenário de um mês atrás, mas alguma capacidade de reação existe, e poderíamos ver alguma melhora na margem, como ocorreu na quinta e na sexta-feira.”

Na pesquisa realizada pelo Valor, a mediana das 90 casas que responderam sobre o câmbio indicou uma projeção de dólar em R$ 5,10 no fim de 2024. O estrategista do BBVA para América Latina, Alejandro Cuadrado, diz ter posição em real contra o dólar porque acredita que a moeda brasileira pode se valorizar. “Em algum momento, as coisas nos EUA devem esfriar e a indicação de corte nas taxas americanas pode ajudar tanto o mercado de juros brasileiro quanto o de ações”, afirma.

O estrategista diz ter entrado na posição comprada em real quando o câmbio bateu em R$ 5,18, com objetivo de R$ 5,05. “Olhando para os gráficos, você percebe que pode ter um movimento bom para o real pela frente, exceto se houver correções globais de risco. E como não espero que algo assim se materialize, vi espaço para ficar comprado em real.”

Ele diz que a recente alta dos juros de mercado no Brasil jogou contra o desempenho da moeda. “O real tinha, assim, um apelo falso, porque [a alta dos juros] não estava a favor de quem estava aplicado [apostando na queda] em juros e também jogava contra quem estava comprando ações.”

Para Cuadrado, é preciso lembrar a importância desse mercado de ações para o desempenho do real. “Desde a crise que houve nos anos de 2015 e 2016, os investidores estrangeiros abandonaram a renda fixa brasileira e nunca voltaram ao tamanho que já tiveram. Por outro lado, o mercado de ações se desenvolveu bastante”, diz.

Essa visão mais construtiva com o real, porém, só vale em um ambiente em que a crise geopolítica não ganhe proporções maiores e o BC não se torna mais cauteloso pela questão fiscal. “Se as coisas esfriarem até a reunião do Copom, acho que o BC vai manter o que prometeu e cortar 0,5 ponto percentual. Depois, na reunião seguinte, deve passar a cortar 0,25 p.p”, diz, complementando que nesse cenário estima uma Selic a 9,5% no fim deste ano.

“O risco é se o BC cortar 0,25 ponto percentual já na próxima reunião e reforçar a preocupação com o fiscal, voltando a fazer pontuações duras sobre esse tema, como fez no começo do governo Lula. Nesse caso, poderemos voltar a ter ruídos entre o governo e o BC.”

A recente depreciação do real, na avaliação de Luca Mercadante, economista da Rio Bravo Investimentos, está atrelada mais ao maior prêmio de risco embutido na moeda, seja por incertezas em torno dos cortes de juros nos EUA, seja pelas tensões geopolíticas ou pelas dúvidas em torno da sustentabilidade da dívida pública brasileira. “Neste último caso, o arcabouço já não era muito crível. Se observar o que era colocado como meta do governo e o que o relatório Focus tinha como expectativa, havia uma discrepância”, diz. “O mercado não comprava completamente a trajetória que o governo queria impor para as contas públicas, mas esse arcabouço funcionava como uma espécie de âncora, e agora ela foi prejudicada”.

Ainda que seja recente o aumento de prêmio de risco no câmbio, Mercadante não descarta a chance de o movimento se estender e ofuscar o fluxo comercial mais positivo neste período do ano com exportações de grãos. “Não estamos tendo um problema com a balança comercial, mas com um maior prêmio de risco. Esses eventos que mencionei não são estáticos. Pode ter uma piora na guerra, que afete a produção de petróleo; o Fed pode indicar que cortes de juros neste ano não vão ocorrer; da mesma forma, mudanças adicionais no arcabouço fiscal podem piorar a perspectiva da evolução da dívida.”