Por Arthur Cagliari e Gabriel Caldeira
A percepção dos participantes do mercado de que o governo precisará adotar medidas mais estruturais na seara fiscal foi reforçada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central na decisão de juros de ontem, conforme avaliaram economistas ouvidos pelo Valor. Em um ambiente que contempla ainda uma nova revisão de alta nas projeções de inflação do colegiado, a percepção geral é que o BC terá de ser ainda mais duro no aperto, o que já provocou a revisão das projeções para Selic no fim do ciclo de algumas casas para níveis ao redor de 13%.
Na avaliação de economistas, ao mencionar a necessidade de o governo apresentar e executar “medidas estruturais”, a autoridade monetária teria reforçado o apelo dos investidores para que a proposta de redução de gastos que tem sido elaborada pelo governo tenha efeito não só no curto prazo.
“O BC fez questão de incluir o termo ‘estrutural’ na história. Por que é relevante? Porque nas últimas semanas muitos investidores têm a percepção de que podem vir pelo lado fiscal propostas que estão mais na linha de tentar apenas navegar os próximos dois anos [do mandato de Lula], sem algo que tente conter os gastos públicos em prazo longo”, diz o economista-chefe da Oriz Partners, Marcos Bredda de Marchi.
Ele aponta inclusive que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, tem citado mais a questão fiscal em suas participações em eventos, algo que não fazia anteriormente. “Parece que ele está mais livre para falar sobre o tema e também parece que não houve barreira nessa linha de pensamento , nem mesmo do [diretor de política monetária e futuro presidente do BC, Gabriel] Galípolo, que tem participado de reuniões com o próprio governo.”
Também em relação à seara fiscal, o economista-chefe da JGP, Fernando Rocha, avalia que a redução temporária dos gastos públicos não será suficiente para ajudar na reaconragem das expectativas de inflação. “Tem de ser uma mudança para frente”, enfatiza o economista, que se diz mais otimista que boa parte do mercado em relação ao pacote de ajuste fiscal que deve ser anunciado.
“Pelo menos o Ministério da Fazenda compreendeu que é essencial vir com algo relevante. Não só no tamanho [do pacote], mas por mudanças de regras estruturais”, completa Rocha.
O sócio-diretor da MAG Investimentos, Claudio Pires, diz que, para atingir as metas de inflação, será preciso que política fiscal e monetária caminhem em sintonia. “Não adianta uma política monetária ultracontracionista com uma fiscal ultraexpansionista, pois a meta não será alcançada e provocaremos desequilíbrios macroeconômicos relevantes”, ressalta.
A avaliação da economista e coordenadora de pesquisa da Buysidebrazil, Mirella Hirakawa, é semelhante. Para ela, a comunicação do BC vai em linha com “a observação histórica de que as taxas brasileiras em patamares mais baixos estão correlacionadas com a política fiscal indo na direção correta”, e não em direção oposta à da política monetária.
Em se tratando do total previsto de altas de juros, Hirakawa diz acreditar que o descolamento cada vez maior da projeção de inflação do BC é um sinal de que o ciclo de aperto monetário do Copom deve ser ainda mais duro do que o indicado pelos economistas no relatório Focus. Hoje, o consenso dos economistas de mercado aponta para uma Selic que subiria a 12,5% em meados do próximo ano e que chega ao fim de 2025 em 11,5%. Para a economista da Buysidebrazil, o colegiado deve aumentar a taxa básica de juros para 13% e mantê-la nesse patamar até o final do ano que vem.
Ainda ontem, diversas instituições financeiras fizeram revisões de suas projeções para a Selic no fim do ciclo de alta de juros. O americano J.P. Morgan elevou a estimativa da Selic de 12% para 13%, enquanto o inglês Barclays alterou sua previsão de 12% para 12,75%. No Brasil, a XP revelou ter subido sua projeção de 12% para 13,25%.