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Mercado prevê mudança da meta fiscal
Maioria espera alteração para déficit de 0,5% do PIB e vai subir as próprias projeções, diz pesquisa
03/11/2023
Valor Econômico

Quase 90% entre os 55 bancos, family offices, empresas e fundos de pensão que responderam à pesquisa realizada pela Warren Rena nesta semana sobre meta fiscal, estimam que o governo altere a projeção para 2024. Caso a mudança saia de zero para -0,5%, mais da metade dos agentes alteraria as próprias estimativas.

 

“Quem já projeta déficit entre 0,7% e 0,9%, que é a grande maioria, entende que pioraria a própria projeção em 0,25% do PIB. Então, no limite, passaria de -1% do PIB para o próximo ano”, resume Felipe Salto, economista-chefe e sócio da consultoria, ex-secretário da Fazenda paulista e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI).

A mera mudança da meta – dependendo da diferença, caso aconteça – não abre espaço para aumento de despesas, diz Salto. O debate sobre o tema começou na sexta-feira, 27, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o governo não cumpriria o déficit zero previsto no arcabouço fiscal.

A Warren Rena alerta que a pesquisa é uma amostra representativa que visou buscar qualitativamente o sentimento dos analistas do mercado. Não foi construída estatisticamente.

A visão que a pesquisa entregou é que o mercado “está em compasso de espera”, continua Salto. Segundo o retrato, 74,5% dos que responderam já não consideravam o déficit zero para o próximo ano. Dado o cenário econômico, consideradas as projeções de receita e despesas, esses agentes calculavam -0,7% e -0,9% do PIB. Como boa parte já tinha um resultado fiscal pior em mente, uma mudança modesta não gerará grandes alterações em um cenário de curto prazo, disse.

Mas “matar” o arcabouço antes mesmo de ser válido, como analistas têm observado, deve gerar expectativa desfavorável para o governo em relação ao risco de alterar metas sempre que for conveniente. O problema é o efeito em médio prazo. “E aí toda a trajetória do déficit vai subindo, o que também afeta a da dívida. Esse é o principal efeito negativo que precisaria ser evitado”, avalia Salto.

 

Outro retrato do levantamento é a previsão de contingenciamento das despesas discricionárias – justamente o capítulo do orçamento do governo federal que inclui as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), emendas parlamentares e gastos com saúde. Para mais de 90% dos respondentes, se a meta for alterada para -0,5%, haverá necessidade de contingenciar gastos em até R$ 40 bilhões.

 

“Fizemos essa pergunta porque é uma questão central. Se o governo mudar a meta fiscal para -0,5% terá de contingenciar da mesma forma”, diz. Para Salto é “muito barulho por nada”, já que a mudança não ajudaria no objetivo da ala política do governo que pressiona por gastos em ano eleitoral.

A decisão do presidente Lula de preservar investimentos é correta, diz Salto, mas há uma “capa de gordura” na parte das despesas discricionárias. A Warren ainda não alterou sua projeção para a meta fiscal – hoje em -0,74% do PIB.

A única forma de o governo não mexer “uma vírgula” nas discricionárias seria ter uma meta primária muito alargada, dizem economistas, de pelo menos 1,2% do PIB. “Isso seria muito ruim, o que aconteceria é ter um resultado primário praticamente igual ao de 2023, sem melhora do déficit”, afirma Salto.

A inflexibilidade do presidente na parte dos gastos está ligado às eleições municipais, diz Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da Ryo Asset. “É ano de eleição municipal e o governo quer usar o PAC como estratégia para retomar algumas prefeituras, além dos efeitos colaterais das emendas parlamentares impositivas”, diz o economista.

Fora a falta de disposição política do governo central para cortar gastos, outro vetor que torna grande o desafio de zerar a meta fiscal grande é a dificuldade de aumentar a arrecadação, e alcançar os R$ 168 bilhões de receitas condicionadas previstas no PLOA. “Apesar de o ministro [Fernando Haddad] estar conseguindo avançar em algumas pautas, o ganho fiscal está menor do que o que ele tinha imaginado originalmente”, diz Leal de Barros.

 

Ele cita a arrecadação extraordinária mais baixa e a recorrente também, já que acompanha o PIB. Vale lembrar que as receitas condicionadas, previstas no PLOA, incluem as batalhas políticas da Fazenda junto ao Congresso para aumentar arrecadação via Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), subvenção do ICMS e os projetos de lei para taxar offshores e fundos exclusivos. “No caso do Carf, por exemplo, não é receita garantida porque é esfera administrativa. Há uma batalha judicial depois disso”, comenta.

O ex-ministro da Fazenda e sócio-fundador da Tendências Consultoria, Maílson da Nóbrega, disse que apenas ficou claro “o que todo mundo suspeitava que aconteceria em algum momento”. Para ele, aconteceu muito rapidamente. “Achava-se que a opção pelo gasto feita pelo Lula aconteceria lá na frente, e não agora, no momento inicial do arcabouço fiscal.”

Na opinião de muitos, “e na nossa também”, o arcabouço morreu antes de começar, disse Nóbrega. “Na minha opinião, o PT falou demais sobre o teto de gastos e vai passar pelo mesmo problema porque o Lula se rendeu à necessidade de ter um teto de gastos mais flexível.

Para o ex-ministro, a postura de Haddad em resistir à mudança confere credibilidade. “Ele está certo em não aceitar um déficit como meta agora. Tem que ver o que conseguirá no Congresso sobre seus pedidos. Na experiência brasileira, ceder um pouco é ceder muito”, disse. “E ele abriria campo no Congresso para aumentos, seja para aprovar novas emendas ou ceder a alas do governo que querem mais dinheiro.”