Notícias

Meio Ambiente
O que as cidades podem fazer para se preparar para crise climática, segundo urbanista
Washington Fajardo, coordenador do laboratório de soluções urbanísticas da organização, alerta para urgência da adoção de políticas de adaptação climática
06/05/2025
Valor Econômico

Por Rafael Vazquez

 

O conceito de cidades inteligentes já está em uma terceira fase e o elemento mais importante do momento atual é a preparação contra eventos climáticos extremos, de acordo com Washington Fajardo, urbanista brasileiro que coordena o Cities LAB do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), onde formula soluções para os desafios urbanos na América Latina e no Caribe sob a ideia de integrar tecnologia, inclusão social e sustentabilidade.

Fajardo, que foi assessor especial da prefeitura do Rio de Janeiro, presidente do Instituto Pereira Passos e secretário municipal de Planejamento Urbano entre 2021 e 2022, explica que a ideia de cidade inteligente surgiu a partir da disseminação da internet e desde a década de 1990 tem evoluído de acordo com as necessidades apresentados pelo entorno.

“O conceito vem mudando bastante. Depois daquele início sob a ideia de integrar edifícios tecnologicamente, já passamos por uma segunda geração de ‘smart cities’ que precisou envolver os cidadãos com a integração de dados para a melhoria de serviços públicos”, comentou em entrevista ao Valor por videoconferência antes de viajar de Washington para o Brasil, onde participará nos dias 8 e 9 de maio do 1º Encontro das Cidades, promovido pelo Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro – no Insper, em São Paulo.

“Mas a experiência de GovTech [uso da inovação e tecnologias digitais para melhorar serviços e processos públicos], mesmo que ainda não tenha sido concluída em muitas cidades, já uma necessidade da etapa anterior. Já estamos precisando avançar para uma terceira onda na qual o objetivo é proteger o cidadão, avisá-lo de riscos potenciais e também coordenar respostas quando acontecem situações extremas”, complementa Fajardo.

Apesar do atraso de boa parte das grandes cidades brasileiras e latino-americanas que ainda não se modernizaram em termos de GovTech, Fajardo demonstra certo otimismo de que é possível superar esse desafio simultaneamente aos planos de adaptação climática porque os avanços de inteligência artificial tendem a ajudar os gestores públicos a identificar as prioridades e se comunicar mais agilmente com os habitantes.

“Como diria Ariano Suassuna, sou um realista esperançoso”, diz. “Existe um ambiente muito positivo no sentido de que estão surgindo tecnologias que servirão como ferramentas que podem ajudar a reduzir problemas de aspectos climáticos e inclusive sociais, acelerando processos de inclusão. Ferramentas que permitem identificar e agir sobre as populações que estão intensamente segregadas.”

Em termos de prevenção e adaptação ao calor mais intenso e às chuvas mais extremas, Fajardo defende que as tecnologias já existentes têm a capacidade de mostrar claramente o mapeamento de cobertura vegetal das cidades, o que permite fazer um devido plano de arborização, fundamental principalmente para amenizar o aumento da temperatura média das cidades.

“Isso está no centro do debate. Há uma coleção de dados, literatura e evidências que mostram como a decisão do plantio das árvores é crítica para o resfriamento das cidades. Sombrear o asfalto é uma solução factível e relativamente simples”, afirma o urbanista do BID, ressaltando que o organismo já tem considerado essa questão em seus financiamentos de projetos. “A sombra no asfalto tem uma capacidade de reduzir entre 3 e 5 graus Celsius a irradiação da carga térmica que o asfalto devolve para o ar. Já temos projetos desse tipo na Argentina, no Peru, em Suriname, e também estamos olhando para o Brasil nesse sentido.”

O urbanista também advoga a favor da criação de indicadores confiáveis de qualidade do ar. “Evidências mostram que o ar mais limpo tem contribuição direta na saúde pública. Além disso, contribui especialmente para a capacidade de formação cognitiva das crianças na fase da primeira infância”, aponta, lamentando que a urbanização do século XX, pensada exageradamente para o deslocamento de carros, ignorou essas questões.

Ao analisar a história pelo viés urbanístico, Fajardo nota que as cidades precisam voltar a ser mais parecidas com o que eram até o fim do século XIX, antes da disseminação dos veículos de motor a combustão, quando eram mais verdes e mais agradáveis a circulação de pessoas.

“O objetivo era outro, pois tinha uma ideia mais de beleza. Porém, apesar do maior convívio com a natureza dentro das cidades ter um objetivo estético, gerava impactos holísticos impressionantes”, diz, em referência à integração das pessoas com as cidades. “Os chafarizes, fontes de água potável para se hidratar e se refrescar, lugares para sentar sob a sombra e resfriar o corpo. Intervenções que serviam como refúgios climáticos e que hoje olhamos com uma perspectiva nostálgica e emocional. Mas que, hoje, são soluções simples que deveriam ser reinventadas”, conclui.