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Meio Ambiente
O que sobrará em 2100?
Alguns progósticos bem sofisticados permitem especular se a vida dos humanos poderá melhorar neste século
28/02/2024
Valor Econômico

Por José Eli da Veiga

 

Quem acompanha os avanços científicos sobre clima, biodiversidade e oceanos tem todo o direito de cultivar sérias dúvidas sobre as possibilidades de melhoria de bem-estar, ou qualidade de vida, da humanidade. As evidências autorizam prognósticos dos mais agourentos.

Mesmo assim, nada mais frustrante do que ver observadores tão bem informados se referirem à “sobrevivência” ou “destino” do “planeta”. Até onde já foi possível descobrir, ele estará – bem “a salvo” – por mais uns 5 bilhões de anos.

Ao inverso, é das mais incertas a condição de sua delicada biosfera. Esta, sim, muito sujeita aos comportamentos humanos. Bem menos durável que o planeta é a vida que ele abriga. Especialmente em ecossistemas dos quais mais dependem os humanos.

Pergunta menos precária poderia ser: como tenderá a se comportar a biosfera até seu fim, quando o sol aumentar a temperatura da superfície da Terra o suficiente para secar os oceanos e expelir a atmosfera? Com certeza, bem antes disso, mesmo hipotéticos ciborgues já teriam migrado em busca de planeta mais hospitaleiro.

Porém, o que realmente interessa nada tem a ver com tais dúvidas e especulações cosmológicas, por mais indispensáveis que também sejam. A melhor pergunta é: será que – neste século – a vida dos humanos poderia melhorar? A boa notícia é que já estão disponíveis alguns prognósticos bem sofisticados.

Será pavoroso continuar a evoluir no jeitão das últimas sete ou oito décadas. Tal cenário para 2100 foi apelidado de “pouquíssimo e tarde demais” (TLTL, em inglês). Contudo, – a depender de algumas poucas, mas drásticas, reviravoltas -, até seria possível chegar à alternativa de um “salto gigante” (“Giant Leap”, GL).

Planeta estará “a salvo” por mais uns 5 bilhões de anos, mas bem menos durável é a vida que ele abriga

São cinco as variáveis essenciais que determinarão o quanto o mundo rumará para um destes dois primeiros cenários: a expansão demográfica, o crescimento econômico medido pelo PIB, a temperatura média global, o evoluir da desigualdade e o resultante bem-estar médio, que primeiro subirá e depois cairá, em ritmo oposto à tensão social.

Também são cinco as ambiciosas exigências para uma aproximação da melhor hipótese, o “GL”: eliminar a pobreza, reduzir a desigualdade por melhoria das condições de vida da maioria trabalhadora, promover sóbrios padrões de consumo, deter o aquecimento global e estancar o declínio da biodiversidade.

Evidentemente, a modelagem capaz de monitorar estes dois grandes conjuntos de prospectivas recebeu críticas e contestações. Sobretudo, devido à incredulidade de que possa vir a surgir multilateralismo e governança global suficientes para impedir a ultrapassagem dos limites ecossistêmicos na busca de prosperidade.

Nesta postura – caracterizada por cética prudência -, o que realmente importa é conseguir mapear um caminho que não leve à mencionada ultrapassagem (“overshoot”). A preocupação, neste caso, é com a escala física da economia global.

As projeções vistas como panglossianas costumam prever aumentos dos fluxos materiais responsáveis pelas pressões sobre os ecossistemas, que variam entre 15% e 30% até 2073. Isto, segundo os mais críticos, seria certamente “horrendo”, especialmente para os desvalidos do Sul Global.

Para evitar tão elevados aumentos dos fluxos materiais, eles dizem que seria necessária uma redução do ritmo do crescimento econômico global, medido pelo PIB. Ao menos até meados do século, quando ele até poderia se estabilizar em patamar 30% superior ao nível de 2023. Este é o âmago de um terceiro cenário, oposto aos dois primeiros, batizado de “Escape”.

O atual momento geopolítico está dando inúmeras indicações de que são inviáveis, tanto este cenário de escapada quanto a aposta em reviravoltas, que levariam a um gigantesco salto. Parece inevitável ter como muito mais provável a perspectiva de que se consiga bem menos. Agora, tentar saber se não será mesmo “pouquíssimo e tarde demais”, dependeria de especulações similares às que estão na abertura deste artigo.

Isto não quer dizer que os exercícios mencionados acima não mereçam atenção. Ao contrário, mesmo que ainda não tenham atraído a legião dos fãs do “crescimento verde”, já servem de referência nos debates entre adeptos do “decrescimento” e defensores de uma “prosperidade sem crescimento”.

Logo, só se pode fazer, aqui, incisiva recomendação de três fontes:

Primeiro, duas de fácil acesso online. O documento coletivo intitulado Earth for All: A Survival Guide for Humanity (New Society Pub., 2022) e suas modelagens básicas, realizadas sob a liderança de Jorgen Randers, professor emérito da Norwegian Business School. A começar por um relatório, ainda submetido à apreciação pública, intitulado “The Earth4All model of human wellbeing on a finite planet towards 2100”.

Em seguida, um recente e didático lançamento, que merece ser traduzido: “Escape from Overshoot: Economics for a Planet in Peril” (New Society Pub., 2023), de Peter A. Victor, professor emérito da universidade canadense de York (www.pvictor.com). Ótimo para saber o que existe de mais atual no âmbito da Economia Ecológica.