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O tema dos combustíveis fósseis será o grande termômetro desta COP, diz Ana Toni, secretária do clima do MMA
No Brasil, a intenção de se abrir novas frentes de exploração de petróleo é criticada por ambientalistas e cientistas
11/12/2023
Valor Econômico

Por Daniela Chiaretti

 

Para a economista e cientista política Ana Toni, a COP 28, em Dubai, será julgada pelo resultado que apresentar em relação aos combustíveis fósseis. “O grande debate aqui é se combustíveis fósseis entram ou não entram no texto, e como entram”, resume a secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente.

Há quatro propostas sobre a mesa — desde decidir pela eliminação dos combustíveis fósseis (mas sem uma data) a um tópico que especifica apenas eliminar o uso do carvão. Todos os países têm forte posição sobre o tema, que é muito controverso.

A Índia, por exemplo, está ampliando sua base de energias renováveis, mas é dependente do carvão. A economia dos Estados Unidos depende menos do carvão, mas sim de petróleo e gás – e com eleições em 2024, o governo democrata não quer que esse assunto gere mais controvérsias políticas internas.

A China é o país que mais vende equipamentos de energias renováveis no mundo, mas muito dependente do carvão.

No Brasil, a intenção de se abrir novas frentes de exploração de petróleo é criticada por ambientalistas e cientistas. As pequenas ilhas querem que esse tema, na COP 28, seja levado adiante com coragem. A Arábia Saudita se opõe a qualquer menção.

A secretária de Mudança do Clima do MMA diz que essa discussão surpreendeu na COP de Dubai, e saltou de fora para dentro das salas de negociação. O Brasil se preocupa ainda com o quadro que pode sair de Dubai sobre adaptação climática, um tema que fica sempre para trás nas conferências de clima e tem se mostrado cada vez mais urgente. A seguir, trechos da entrevista que Ana Toni concedeu ao Valor, no pavilhão do Brasil, na COP 28.

Valor: O que esperar, a três dias do final da COP?

Ana Toni: A COP começou bem, com a aceleração do Fundo de Perdas e Danos. Talvez existisse uma expectativa da presidência que os dois pilares de sucesso da COP seriam o Fundo e a sugestão de metas de renováveis, de 30% globalmente até 2030 e duplicar eficiência energética. Mas o que vemos agora é que essa COP não será julgada por esses dois termômetros.

Valor: A COP 28 será julgada por qual resultado?

Ana Toni: O grande debate é se combustíveis fósseis entram ou não entram no texto e como entram. Então, não é sobre ter metas de renováveis ou sobre o Fundo de Perdas e Danos. Acredito que o tema dos combustíveis fósseis será o grande termômetro dessa COP.

Valor: Fora das salas de negociação, esse debate tem muita temperatura. E dentro?

Ana Toni: Esse é um tema muito discutido dentro das negociações, não o único. O que está vindo de fora está influenciando realmente o que está acontecendo dentro das salas. Há uma expectativa de muitas delegações em torno do assunto, que também nunca esteve tão forte nos textos. Na terceira versão do texto do Balanço Geral, o Global Stocktake, há quatro opções de linguagem para combustíveis fósseis, umas melhores, outras piores.

Valor:  São muito diferentes. Desde eliminar combustíveis fósseis, sem data nem como, até eliminar só o carvão.

Ana Toni: Pois é. Ou as emissões neutras na produção, unabated, como se diz, que é a proposta da presidência da COP. Mas essas propostas não estavam na mesa ou ninguém achou que esse seria o grande assunto. E há quatro, agora. Se alguma irá sobreviver ou não, depende do resto da dinâmica. Alguns países defendem que entre apenas carvão, outros dizem que se for só carvão, aí é que não entra mesmo, e que é melhor falar de todos os combustíveis fósseis.

Valor: E aí seria algo histórico?

Ana Toni: Vamos ver. Mas a estratégia de como vai ser vista esta COP voltou, essa semana inteira, para esta dinâmica. O que há agora é o tema de adaptação à crise do clima. Temos um texto, finalmente, e agora podemos negociar.

Valor: Para o Brasil, o que é importante?

Ana Toni: O Brasil colocou muitas fichas nesse texto. O difícil foi chegar a quatro dias do final da COP que deveria ter um quadro global sobre adaptação, sem nem ter um texto. Enquanto estamos negociando existem pessoas perdendo casas, vidas e negócios. O assunto deveria ter tanta importância como tem o de mitigação.

Valor: O que o Brasil achou do texto que saiu agora de manhã?

Ana Toni: Muito bom, surpreendentemente. Tem tudo o que queremos, mas não sabemos se vai ser adotado. Há questões de gênero e de direitos humanos, que haviam sido rejeitadas e agora estão no texto. Vamos ver se ele sobrevive.

Valor: Para o Brasil, quais elementos são importantes?

Ana Toni: Para nós, a abordagem é de ver quais etapas e qual ciclo é preciso pensar quando se fala em adaptação. Então, como calcular os riscos e as vulnerabilidades é uma primeira etapa. A segunda é como ter planos de adaptação, a terceira é sobre implementação, com recursos e tecnologia. E a quarta é monitoramento e avaliação. Há uma segunda frente, que é temática — por exemplo, o número de pessoas vulneráveis a eventos extremos com má nutrição, questões relativas à água, à moradia. Se os países puderem ao menos concordar que esses temas são fundamentais e concentrar foco em suas agendas de adaptação para melhorar alguns desses tópicos, já estaremos criando um sistema mais resiliente. E por fim, financiamento.

Valor: Sempre houve poucos recursos para adaptação.

Ana Toni: Pouco recurso e pouca atenção na pauta de negociação. Recurso é muito importante porque estamos vendo, no Brasil e no mundo todo, quanto custa para as sociedades serem mais resilientes. Há uma proposta de se duplicar, pelo menos até 2030, os recursos públicos de adaptação vindos dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento.

Valor: É um tema muito polêmico?

Ana Toni: Não. Acredito que o que acontece é que todos se concentram na agenda de mitigação e a pauta de adaptação fica órfã. É o assunto ao qual se dá menos atenção, um tema visto como menos importante em todas as COPs. Para o Brasil é um assunto muito importante.

Valor: Há outros pontos fundamentais para o Brasil?

Ana Toni: Sim. A ministra Marina Silva disse ontem na plenária que temos que assegurar que nessa COP, o balanço geral e o que sair em adaptação, em mitigação, em financiamento não pode comprometer o limite de não deixar a temperatura aumentar além de 1.5°C. Queremos, sim, mais ambição, mas tem que vir com um calendário diferenciado e com meios de implementação.

Valor: Como está sendo a recepção ao Fundo de Florestas global que o Brasil propôs nesta COP?

Ana Toni: Estamos tendo reuniões de manhã, de tarde e de noite. Acho que essa foi outra conquista – colocar o tema da restauração florestal no centro do debate. Isso mudou da água para o  vinho. A conversa, com o Brasil, não é mais sobre desmatamento, isso passou. É o Brasil falando de manutenção de florestas, como ser remunerado, ter instrumentos econômicos para restauração. Está claro que estamos combatendo o desmatamento. Então, agora, temos uma conversa positiva sobre restauração e sobre mecanismo financeiro para manutenção da floresta.

Valor: Qual é a posição do Brasil sobre combustíveis fósseis?

Ana Toni: O presidente Lula disse que esse é um tema fundamental. E que o mundo precisa enfrentar como vamos eliminar a dependência dos combustíveis fósseis na nossa vida. Temos que fazer esse debate. A ministra Marina Silva tem dito que, se não sairmos daqui com um acordo sobre combustíveis fósseis é fundamental.

Na COP 29, em 2024, vamos falar de financiamento. Na COP 30, em Belém, de ambição e dos novos compromissos climáticos dos países, as NDCs. Se não conseguirmos sair daqui com algo sobre como esse debate sobre combustíveis fósseis vai seguir na Convenção, iremos a Belém e só poderemos falar sobre esse assunto. O Brasil quer enfrentar este debate, mas temos que falar não só de produção, mas de consumo e de demanda. E logicamente, ter calendários diferenciados para países desenvolvidos e em desenvolvimento.