A projeção de que um terço da população brasileira terá mais de 60 anos em 2060 já chama a atenção para os problemas sociais e econômicas que atingirão os idosos e o país como um todo. Por isto, a Política Nacional do Idoso, que está prestes a completar 30 anos de sanção, foi debatida nesta sexta-feira (23) em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos (CDH).
Requisitada pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE), a audiência foi coordenada pelo presidente da CDH, senador Paulo Paim (PT-RS).
— A população está envelhecendo, ninguém tem dúvidas, e nada mais justo do que garantir direitos e políticas públicas humanitárias — afirmou Paim.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que o país tem hoje 33 milhões de pessoas idosas. Em 2020, quase 70% dos idosos viviam com renda mensal de até dois salários mínimos. Boa parte desse grupo está em situação vulnerável e suscetível a violência física e a golpes, além de vivenciar isolamento, abandono, discriminação, más condições de saúde, e desrespeito aos desejos do idoso, como poder escolher onde quer viver.
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) lembrou que, somente em 2022, houve 150 mil denúncias de violência contra os idoso, sendo que, segundo a parlamentar, menos de 10% dos casos são denunciados, o que apontaria um número real próximo de 1,5 milhão de casos.
— Por isso é preciso continuar a repressão à violência contra a pessoa idosa — afirmou.
“Urgente, atual e futuro”
De acordo com o secretário nacional dos Direitos Humanos da Pessoa Idosa, Alexandre da Silva, o assunto é “urgente, atual e do futuro”.
— O futuro é envelhecer, e o futuro é ancestral. (…) Este é o segmento que mais cresce. Mais da metade da população tem mais de 30 anos, então o Brasil não é mais um país de jovens — afirmou o secretário. O país está envelhecendo muito rápido e não está crescendo economicamente na mesma proporção, segundo Silva.
Se as pessoas envelhecerem como devido é porque as políticas públicas deram certo, destacou o secretário. Ele afirmou ainda que há grupos sociais que envelhecem bem, e outros que nem tanto, sendo necessário “garantir que essas pessoas possam viver plenamente a sua cidadania”. Silva lembrou que é preciso pensar na formação, em campanhas de letramento, já que muitos idosos sequer conseguem falar de suas necessidades, como diante dos profissionais das áreas de saúde. A ausência de letramento traz problemas como maior vitimização de idosos diante de fraudes e tentativas de golpes.
O secretário destacou ainda que, hoje, a população negra responde por 56% dos brasileiros, mas que após os 60 anos esse percentual cai a 48%, o que indica que eles não estão chegando todos à velhice.
Umas das preocupações da gestão é a implantação da Política Nacional de Cuidado, com o chamamento para toda a sociedade.
— Há décadas a gente sabe que falar de bem estar da pessoa idosa não é só se ela está doente, (…) mas se ela tem capacidade funcional — disse Silva. Quando se tem a métrica, segundo o secretário, é possível entender todos os serviços sociais e assistenciais necessários. Também está sendo pensada a criação de um índice de violação dos direitos humanos das pessoas idosas.
Vulnerabilidade
Secretária nacional de Cuidados e Família do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Lais Abramo afirmou que da mesma forma como existem muitas infâncias no Brasil, há muitas velhices. Ela destacou a situação de vulnerabilidade e de discriminação e que, não raras vezes, atingiriam mais alguns grupos, em especial as mulheres negras, as indígenas, as LGBTQIA+, entre outros.
— Entender isso é muito urgente devido ao processo de envelhecimento da população brasileira e das feminilização dos idosos, já que as mulheres vivem em média sete ano a mais que os homens.
Lais Abramo afirmou que não existe na América Latina um instrumento tão completo como o Estatuto do Idoso. Ela também destacou a importância da Lei 8.842, de 1994 (Política Nacional do Idoso) e lembrou que quando os idosos usam seus direitos, “são direitos, não privilégios e tem uma razão de ser”.
A secretária destacou ainda que um em cada três idosos está no Cadastro Único, sendo 66% mulheres, o que sinaliza situação de pobreza e dificuldades. Lais destacou ainda que o Benefício de Prestação Continuada (BPC) é uma ajuda que ainda é desconhecida por parte dos idosos que precisam dela.
A sobrecarga das trabalhadoras domésticas não remunerados também chama atenção, segundo a secretária, quando 30% das mulheres não procuram emprego por conta da carga desses afazeres. Muitas delas são avós que precisam ficar em casa para cuidar dos netos.
— As mulheres negras e indígenas vivem de forma mais acentuada essas desigualdades — disse Lais, ao lembrar ainda que há um acentuado processo de envelhecimento da categoria das trabalhadoras domésticas, que deveriam receber um olhar cuidadoso das políticas públicas.
A senadora Damares Alves enfatizou também que não se pode esquecer os demais povos tradicionais, como os povos ciganos. A parlamentar ainda disse estar preocupada com a fila do BPC e completou que “não podemos mais adiar a política do cuidado”.
— Algumas políticas públicas tem ser transformadas em lei para que haja continuidade e sustentabilidade — disse a senadora.
Nação envelhecida
O país precisa se organizar para ser uma nação de pessoas envelhecidas, por isso, há toda uma preocupação de como as cidades e a economia vão se organizar, segundo a diretora de Proteção da Pessoa Idosa do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Symone Maria Machado Bonfim.
Symone destacou a necessidade de promoção de um envelhecimento ativo e saudável e de preocupação com as pessoas em vulnerabilidade e discriminação. A desigualdade que permeia a sociedade, expôs a diretora, reflete no envelhecimento e a proteção à pessoa idosa é uma corresponsabilidade de família e estado.
Representante da Associação Brasileira do Cidadão Sênior, o conselheiro Mauro Moreira Freitas disse que, como integrante da sociedade civil, percebe a dificuldade de se fazer um trabalho para os idosos porque “a sociedade ainda não está preparada”.
— Temos boas intenções, boas leis no país, temos uma Política Nacional do Idoso que foi implementada depois da Constituição Federal. Em termos de legislação temos o arcabouço, [mas] a pessoa idosa continua vivendo e precisa ter assegurado a sua manifestação de vontade — segundo Freitas, o que inclui, por exemplo, poder escolher onde quer viver.
O conselheiro enfatizou a importância de fortalecimento dos conselhos municipais direcionados aos idosos.