Por Lucianne Carneiro
A parcela de crianças e adolescentes brasileiros em situação de pobreza, em suas múltiplas dimensões, caiu de 59,5% em 2019 para 55,9% em 2023, mas o Brasil ainda tem 28,8 milhões de pessoas de até 17 anos nesta situação, mostra pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
São 3,13 milhões de crianças a menos na comparação entre 2019 e 2023. Em 2017, primeiro ano da série histórica, a fatia era de 62,5%, com 34,36 milhões de crianças pobres.
O trabalho considera a chamada pobreza multidimensional, que contempla outras seis dimensões além da renda: informação; proteção contra o trabalho infantil; água; saneamento; e moradia. O grupo de crianças e adolescentes pobres contempla quem tem privação em pelo menos uma desses temas. Na dimensão da renda, o Unicef destaca a importância da ampliação do valor e do público-alvo para a retração dos indicadores de pobreza.
Os números mostram redução também pobreza multidimensional extrema, quando há ausência dos direitos previstos em cada uma das sete dimensões. A parcela de crianças e adolescentes de até 17 anos neste grupo caiu passou de 23,8% em 2017, para 23,9% em 2019 e 18,8% em 2023. Em números absolutos, a queda foi de 13 milhões em 2017 para 9,8 milhões em 2023.
“Vemos uma diminuição consistente da pobreza multidimensional ao longo dos anos, em todas as dimensões, mesmo com cenário desafiador da pandemia. Mas ainda há um número significativo de 28 milhões de crianças nestas condições. O país fez avanços, mas precisa continuar aplicando recursos em políticas para reduzir isso”, afirma a chefe de Políticas Sociais do Unicef no Brasil, Liliana Chopitea.
O relatório “Pobreza Multidimensional na Infância e Adolescência no Brasil” usa dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua. Por isso, não há informações para 2020 e 2021, já que a pesquisa não foi à campo nesses anos por conta da pandemia. O estudo também não contempla o ano de 2022 porque não havia informações sobre trabalho infantil, um dos indicadores necessários para o cálculo da pobreza multidimensional.
Para cada uma das sete dimensões de pobreza multidimensional, o estudo do Unicef descreve o nível de privação com detalhamento dos indicadores, que apontam a intensidade da ausência daquele direito. Há a privação intermediária (com acesso limitado ou de má qualidade ao direito) e a extrema (ausência total). A pobreza multidimensional total inclui a privação intermediária e a extrema.
Em educação, por exemplo, crianças em idade escolar (4-17) que frequentam escola sem atraso e sabem ler e escrever a partir dos 7 anos de idade são classificadas como “sem privação”, ou seja, não são enquadradas como pobres.
Na privação intermediária, estão as crianças de 9 a 17 anos que frequentam escola, mas com atraso de acordo com a faixa etária. Crianças nessa faixa etária que não frequentam a escola ou que têm mais de 7 anos e não são alfabetizadas, por sua vez, estão no grupo de privação extrema.
“Estamos falando de acesso a direitos. Como os direitos humanos são indivisíveis, é preciso que os direitos de meninos e meninas sejam garantidos de forma conjunta. Cada dimensão tem uma análise específica, para ver em que grau aquela criança está privada daquele aspecto. Isso está ligado a acesso a um direito e também à legislação existente”, explica Chopitea.
Ao analisar a evolução dos dados nos últimos anos, a chefe de Políticas Sociais do Unicef no Brasil afirma que o ritmo de redução da pobreza foi diferente de acordo com cada dimensão. Se no caso da renda essa diminuição foi mais acelerada – influenciada pelo Bolsa Família –, há outras em que essa velocidade é menor:
“Quando se considera temas estruturantes, como é o caso do saneamento, a diminuição é mais lenta. E esse número puxa toda a pobreza dimensional para baixo.”
O estudo do Unicef mostra, ainda, que a despeito da redução da pobreza nos últimos anos há a manutenção de desigualdades já conhecidas na realidade brasileira, como por cor ou raça e regionais. Em 2023, entre meninas e meninos brancos, 45,2% estavam em pobreza multidimensional, parcela que era de 63,6% entre negros.
Em 2023, mais de 80% das crianças estavam privadas de pelo menos de seus direitos fundamentais em seis das 27 unidades da federação. Todos esses estão localizados nas regiões Norte (Pará, Rondônia, Amapá e Acre) e Nordeste (Maranhão e Piauí). Por outro lado, o percentual de privação das crianças somente fica abaixo de 40% em três Estados do Sudeste e no Distrito Federal.